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Brasília-DF: História à mercê do descaso

Berço do nascimento de Brasília, a Vila Planalto sofre com a falta de preservação. Ação do Ministério Público cobrando providências foi acatada parcialmente pela Justiça, mas o governo recorreu, e muitas construções de madeira, tombadas, se deterioram.
Por: Ariadne Sakkis - Correio Braziliense - 24/01

Casas de madeira da Vila Planalto apodrecem em decorrência da falta de manutenção: construções abrigaram operários e engenheiros que ergueram a capital.
A Vila Planalto é uma testemunha do advento de Brasília. Nela, viveram as mentes e mãos que deram dimensão real às plantas baixas da cidade. Dos setores batizados com os nomes das construtoras, pouco sobrou. Mas o legado do berço da ocupação da nova capital era forte o suficiente para transformar a área, uma vez ocupada por sete acampamentos, em patrimônio histórico do Distrito Federal. Sendo assim tão importantes, é de se admirar que muitas das edificações originais estejam à mercê do tempo e de ninguém mais. 

O descaso motivou o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) a mover, no início do ano passado, uma ação cobrando providências do governo para impedir a proliferação de obras irregulares e para a preservação do patrimônio. Em setembro, a Vara de Meio Ambiente acatou parcialmente o pedido e determinou que o DF apresentasse, em 90 dias, um cronograma de revitalização do Conjunto da Fazendinha, sob multa diária de R$ 2 mil em caso de descumprimento. 

                               Maria do Chapéu morou em um dos casebres: "Era muita união"
Mas o governo recorreu e, até o momento, a Justiça não deu um desfecho ao processo. Enquanto isso, os efeitos da primeira decisão permanecem suspensos. Além da Fazendinha, a Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) incluiu a Escola Classe nº 1 do Planalto, a Paróquia Nossa Senhora do Rosário, o Campo da Rabelo e o Alojamento dos Operários e Engenheiros Solteiros da Rabelo na lista de locais que precisam de revitalização. 

“Infelizmente, temos de esperar o desfecho da ação. Mas o MP não vai se resignar com o desprezo ao tombamento. As ações devem ser voltadas para a preservação dos patrimônios tombados”, afirmou o titular da 4ª Prourb, Marcelo Teixeira. Enquanto isso, a falta de manutenção e restauros compromete as estruturas de madeira. As instalações da Fazendinha que abrigavam o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) na Vila Planalto foram interditadas pela Defesa Civil por oferecer risco aos funcionários e aos assistidos pelo serviço da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest). 

Contraste gritante
Há problemas de toda ordem. O teto da casa principal está cedendo. A água da chuva entra pelas paredes e frestas dos vidros da antiga recepção. As tábuas de madeira que compõem as laterais das edificações estão sem pintura e muitas já apodreceram. Há lixo orgânico, mato alto e animais no terreno. Os problemas obrigaram a secretaria a transferir os serviços para o Touring, próximo à Rodoviária do Plano Piloto. O contraste com as edificações preservadas por moradores e entidades é gritante. No lote ao lado do antigo Cras, o Lar Amparo, voltado para crianças com deficiência, está completamente preservado. 

                           O Lar Amparo é uma das edificações preservadas por moradores
As lembranças da aposentada Maria Vicentina de Cássia, 76 anos, a Maria do Chapéu, dos primeiros tempos da Vila Planalto são as melhores possíveis. Ela morava em um dos casebres de madeira dos operários, com as fachadas voltadas para o alojamento dos engenheiros. “Era muita união, muito amor entre os vizinhos. Nós lutamos muito para ficar aqui e conseguimos. Precisamos preservar essa história”, afirma a mineira, uma das pioneiras da Vila. 

Enquanto a herança histórica mingua à espera de cuidados, a construção civil anda a toque de caixa pelas ruas da região, desrespeitando os preceitos urbanísticos consagrados pelo tombamento. Como a área não é regularizada, não existem normas de gabarito específicas para a Vila Planalto. Nem mesmo as 1.324 ações e os 271 autos de infração emitidos pela Agência de Fiscalização (Agefis) no ano passado inibiram as obras. 


Para saber mais - Luta para permanecer

Criada em 1957, a Vila Planalto abrigou os operários e engenheiros que trabalhavam na construção da capital. O plano inicial era remover os trabalhadores após a inauguração de Brasília e transferi-los para as cidades-satélites. Entretanto, seis acampamentos permaneceram no local, privilegiado pela proximidade com o centro do poder político e à beira do Lago Paranoá. Surgia a Vila Planalto, que preservava as características da época da construção, com reconhecido valor histórico no processo de ocupação do DF. Em 1986, um grupo de mulheres lutou para permanecer na região. A filha de uma dessas donas de casa, na época com 10 anos, escreveu uma carta ao presidente da República, José Sarney, narrando a situação em que viviam os pioneiros da Vila Planalto e conseguiu entregar ao chefe de Estado. Isso ajudou no tombamento, formalizado pelo Decreto nº 11.079, de 21 de abril de 1988.

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