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Urbanismo-DF: Quituart, agora, é ilegal

Patrimônio de Brasília, feira cultural e gastronômica do Lago Norte é prejudicada por lei inconstitucional elaborada pela Câmara Legislativa. Enquanto advogado avalia estratégia para reverter a situação, comunidade do bairro protesta com veemência.

A Quituart surgiu em 1989 e, desde então, os artesãos tentam obter o direito de erguer uma estrutura definitiva no local.

Um dos espaços de lazer mais tradicionais do Lago Norte, a Quituart corre o risco de fechar as portas. Na última terça-feira, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) considerou inconstitucional a lei que regulamentava a área destinada à feira, no canteiro central da QI 9. A decisão pegou de surpresa os integrantes da Cooperativa de Artesãos Moradores do Lago Norte Quituart, responsável pela administração do local, que há anos briga na Justiça para regularizar a feira (veja Memória). A organização pretende convocar uma assembleia para discutir possíveis soluções. 


Em dezembro de 2013, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) apontou como inconstitucionais três leis distritais que tratavam da regulamentação de áreas públicas. Entre elas, a de nº 1.072 determinava a desafetação de uma área de 3 mil metros quadrados, situada no canteiro central da EPPN, no Lago Norte, onde está localizada a Quituart. O espaço seria ocupado por artesãos e outros prestadores de serviços. As outras duas leis —nº 1.592 e nº 1.637 — cediam o uso de terrenos públicos no Park Way, no Núcleo Bandeirante, em Sobradinho, em Planaltina, em Brazlândia e no Paranoá. 

De acordo com o promotor do MPDFT Antonio Suxberger, o problema é que as três normas partiram da iniciativa de deputados distritais. Segundo a Lei Orgânica do DF, apenas o poder executivo pode propor regras a respeito do uso e da ocupação de áreas públicas (veja O que diz a lei). “O MPDFT indicou que essas leis não observam a iniciativa privativa do governador para iniciar o processo legislativo”, acrescenta o promotor. Por isso, depois da decisão do TJDFT, o uso do espaço pela Quituart passou a ser irregular.


A diretora presidente da Cooperativa Quituart, Sulamita Perfeito, disse ter ficado surpresa quando soube da decisão do tribunal. “A feira gera desenvolvimento social e cultural, além de muitos empregos. É conhecida na cidade inteira e as pessoas têm um carinho grande pelo lugar. Seria um prejuízo enorme, tanto financeiro quanto emocional, se a Quituart precisasse fechar”, lamentou. A presidente informou que pretende se reunir com os outros cooperados para debater alternativas. 


Segundo o advogado da Cooperativa, Mixon Rodrigues, ainda há vários caminhos para reverter a situação. “Vamos esperar o acórdão ser publicado para ver se cabe entrar com recurso. Se não, ainda existe a possibilidade de que o poder executivo promulgue uma nova legislação para a desafetação da área, de acordo com o que está estipulado na Lei Orgânica distrital”, explica. “Vamos acompanhar o desenvolvimento da questão e abordar o Governo do DF para negociar uma solução”, completa. 

Frequentadores da Quituart ficaram indignados com a possibilidade de a feira ser fechada. É o caso da empresária e moradora do Lago Norte Patrícia Leitão, 30 anos, que costuma visitar o local. “É um ponto de encontro tradicional não só para os moradores do Lago Norte, mas para todos os brasilienses. Não concordo com o fim da Quituart. Acredito que a feira é um espaço interessante para o convívio das pessoas”, diz.


O advogado Rafael Oliveira, 28 anos, tem opinião semelhante. “Sempre ouvi dizer que o espaço é irregular, por ser localizado no canteiro central do Lago Norte. De qualquer forma, já se tornou uma feira tradicional da cidade e não pode acabar. Como sou morador da região, costumo almoçar com a minha família quase todos os fins de semana na Quituart e lá tem restaurantes muito bons”, conclui Rafael.


O Correio entrou em contato com a Administração do Lago Norte, mas, até o fechamento desta edição, não obteve resposta.


O que diz a lei

De acordo com o artigo 3º da Lei Orgânica distrital, cabe “apenas ao poder executivo a administração dos bens do Distrito Federal”. Por isso, o governador é o único que pode propor leis a respeito da destinação de áreas públicas e do uso do solo. À Câmara Legislativa, compete votar a legislação apresentada pelo Executivo, mas ela não pode tomar a iniciativa de sugerir projetos de lei a respeito da ocupação do território do DF.


Memória

1989 
A Quituart é criada por um grupo de 20 senhoras que procuravam um espaço para vender artesanato. A estrutura, no entanto, era precária e começou a apresentar problemas desde cedo. Feita de madeira, a construção foi tomada por cupins. Quando chovia, o lugar ficava inundado e atraía ratos.

1996 
Os artesãos tinham licença para permanecer no local e alvará válido por tempo indeterminado, mas sem construir edificações. Por isso, a associação pediu a desafetação da área. Depois de uma audiência pública, conseguiram o direito de usar o espaço por 20 anos, prazo prorrogável por mais 20. Mesmo assim, não lhes foi permitido substituir o prédio de madeira por outro de alvenaria.

  2001 
Por sugestão da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), a área foi revertida para patrimônio da Terracap. Assim, o espaço pôde entrar para o Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Microempresas (Pró-DF) e ser comprado pelos artesãos. A associação se transformou na Cooperativa dos Artesãos Moradores do Lago Norte.

2002
O arquiteto Ataliba Teixeira fez o projeto de construção da Quituart. No entanto, a cooperativa precisava de um subsolo para usar como depósito, mas a construção era vetada pelas normas de edificação no local. Os artesãos recorreram de novo à Seduh, que concordou com a construção do subsolo. As obras começaram em outubro.

2003
Em fevereiro, 17 moradores do Lago Norte entraram com uma ação no Ministério Público do Distrito Federal contra a Quituart. Alegaram que não havia estacionamento, que as normas locais não aceitavam a construção de um subsolo e que a edificação estava muito perto da pista. O MP apenas recomendou a paralisação das obras. Então, os moradores entraram com uma ação popular e conseguiram embargar a construção.



Por: Paloma Suertegaray - Nathália Cardim - Correio Braziliense - 01/08/2014

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