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EM MEIO AO MAR DE LAMA, LIÇÕES DE HUMILDADE DE UM GÊNIO

Roberto Kalil Filho*
Sei muito bem que não precisaria lembrar aqui das grandes contribuições do professor Adib Jatene à medicina – elas já estão impressas nos melhores livros de medicina do mundo. Mas faço absoluta questão em fazê-lo aqui e sempre.
O professor Adib foi o primeiro médico a realizar a cirurgia de ponte de safena no Brasil. Foi o primeiro a desenvolver o coração-pulmão artificial do mundo. Também foi o primeiro a utilizar a técnica para corrigir artérias de bebês, método que ficou conhecido como cirurgia de Jatene. O professor Adib foi o primeiro, o primeiro, o primeiro…
A qualidade desse grande cardiologista que, de fato, marcou minha carreira e minha vida, entretanto, não está relacionada a nenhum desses feitos extraordinários. Aprendi com ele a importância de ser humilde na minha profissão. Isso ele me ensinou desde o primeiro instante em que o vi.
Conheci o professor Adib Jatene em 1986. Jamais vou me esquecer desse momento. Eu havia recém-chegado à Faculdade de Medicina, era residente médico. Era uma manhã bem cedo. Eu subia de escada até a UTI pós-operatória do InCor (Instituto do Coração), no terceiro andar do hospital. Eis que, de repente, quase trombo com ele, que descia os degraus. Fiquei paralisado. Afinal, o professor Adib, então titular da cirurgia cardiovascular da instituição, era um mito para mim.
Ele logo quebrou o silêncio constrangedor com uma simples pergunta: “Você é quem?”. Com a voz trêmula, expliquei que começara a residência e que faria prova para cardiologia naquele ano. Foi então que ele falou uma frase que me marcou para sempre: “Lembre-se sempre de uma coisa, menino. É importante ser respeitado pelo trabalho e pelos colegas, mas o que mais vale a um médico é ter o respeito dos pacientes”.
AGRADECIMENTO
Em 1991, a segunda lição de humildade. Eu havia acabado de voltar do doutorado na Universidade Johns Hopkins (EUA) e, na época, era cardiologista-assistente do InCor. Eis que um dia recebo um telefonema da diretoria. O professor Adib queria a minha opinião sobre um paciente dele que estava sendo mantido com suporte mecânico.
Uma semana depois, ele me ligou para dizer que tudo dera certo com o paciente e me agradeceu. E eu pensei: “O grande médico e cientista ligando para agradecer a um simples assistente”.
Ao longo da minha carreira, conversei muito com ele. Trinta segundos com o professor correspondiam a anos e anos de pesquisa. Ele sempre me estimulou a continuar na vida acadêmica.
Em 2010, comecei a me preparar para o concurso de professor titular de cardiologia no InCor. Por um ano, falei com ele semanalmente sobre o assunto. Pois em 5 de agosto de 2011, no dia do concurso, ele estava lá, me assistindo na primeira fila. No dia seguinte, ele me deu a terceira lição de humildade.
“Hoje você tem um consultório de sucesso e uma carreira acadêmica consolidada. Mas para ser um médico completo, tem de ter um compromisso com as pessoas carentes. E agora chegou a vez de isso acontecer.” Pois digo aqui que minha missão maior no InCor é exatamente essa, a de expandir e melhorar o hospital para o bem da população.
FRASES CÉLEBRES
Hoje, os ensinamentos do professor Adib fazem parte do meu dia a dia como médico. Uso diariamente suas frases célebres.
Por exemplo, quando um paciente me pergunta, por medo de um determinado exame, se é seguro deixar para depois o procedimento, eu respondo como ele: “Se eu soubesse quando sua artéria irá fechar eu chamaria você um dia antes”.
Outra: um paciente ao me questionar se pode ou não voltar a trabalhar depois de uma cirurgia, eu digo outra célebre frase dele: “O que mata não é o trabalho, é a raiva”. Mas a minha meta maior é me espelhar em sua humildade. Professor Adib me acompanhará para sempre.
*ROBERTO KALIL FILHO, 55, professor titular de cardiologia
da Faculdade de Medicina da USP. (artigo enviado por Mário Assis)

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