O chefe de Investigação da
Receita Federal afirma que a Operação Lava Jato gerará multas bilionárias – e
seu gigantismo inibirá futuros sonegadores de impostos
Gerson Schaan, da Receita Federal.
“Transmitimos a mensagem de que, se pegamos as grandes empresas, podemos pegar
qualquer empresa”
Gerson Schaan é o chefe da Coordenação
de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (Copei), núcleo de “espiões”
especializados em combater crimes tributários. Ele comanda uma equipe de 180
pessoas. Apenas ele tem autorização para falar do próprio trabalho em público.
No dia da prisão de Renato Duque, ex-diretor de serviços da Petrobras, e de
vários empreiteiros, a equipe de Schaan esteve em nove construtoras, em busca
de documentos para comprovar os crimes investigados na Operação Lava Jato.
Schaan participou de tantas operações assim que perdeu a conta. Diz que nenhuma
se compara à Lava Jato. “Pelo volume de recursos envolvidos e efeito
pedagógico, é a operação mais importante da história da Receita”, afirma...
ÉPOCA – Quando e como começou o
trabalho da Receita Federal na Operação Lava Jato?
Gerson Schaan – Em meados de
novembro do ano passado, bem antes de a operação ser deflagrada. Com
autorização judicial, a Polícia Federal pediu que quebrássemos o sigilo fiscal
de algumas empresas com movimentações financeiras suspeitas. Na sequência,
conseguimos ligar essas empresas aos doleiros Alberto Youssef, Carlos Chater e
Nelma Kodama. Percebemos haver grande movimentação de dinheiro no Brasil e
remessas consideráveis para o exterior, a título de importação. Acontece que
eram empresas de fachada, não havia sentido em que fizessem tantas importações.
Algumas nem estavam autorizadas a operar com comércio exterior. Ficou claro que
as operações mascaravam outras irregularidades.
ÉPOCA – Como foi o trabalho a partir do
momento em que a operação foi deflagrada, em março deste ano?
Schaan – Entramos numa força-tarefa
coordenada pelo Ministério Público Federal. Começamos a identificar quem fazia
os pagamentos para as empresas de fachada e as ligações do doleiro Youssef com
o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A partir daí, chegamos às
atividades suspeitas que Paulo Roberto tinha como diretor da Petrobras e,
depois, como consultor. Ele e alguns parentes. Descobrimos que Paulo Roberto
tinha um patrimônio muito grande, a descoberto, no exterior.
ÉPOCA – Quando as empreiteiras passaram
a ser o foco da investigação da Receita?
Schaan – Quando Paulo Roberto foi preso
pela segunda vez, em junho, intensificamos o trabalho. Informações prestadas
nas delações premiadas dele e de Youssef nos ajudaram a confirmar a
participação das construtoras no esquema investigado. Mesmo sem as informações
das delações, pudemos provar que havia pagamentos sistemáticos das construtoras
a empresas ligadas aos doleiros, sem que houvesse razão para isso. Essas
empresas de fachada mandavam dinheiro para o exterior e para outras
finalidades.
ÉPOCA – O que a Operação Lava Jato
representa para a Receita Federal?
Schaan – É a operação mais importante
da história do país. Pudemos fechar o ciclo de investigação. Começa com os
crimes contra a administração pública, que passam pelo superfaturamento das
obras da Petrobras. Depois, vem o pagamento de propina a agentes públicos. Na
sequência, vem a lavagem de dinheiro. Nesses aspectos, ela se assemelha ao
mensalão. Só que o volume de dinheiro movimentado é maior. Seu principal legado
é inibir que grandes empresas cometam fraudes, porque ficou demonstrada a
capacidade de alcançá-las. Transmitimos a mensagem de que, se pegamos as
grandes empresas, podemos pegar qualquer empresa. É um grande recado.
ÉPOCA – Quanto foi desviado da
Petrobras?
Schaan – É difícil falar. As
empreiteiras investigadas têm R$ 59 bilhões em contratos com a Petrobras. Só
que são contratos que existem, têm lastro. Quanto foi superfaturado nesses
contratos? Cinquenta por cento? Dez por cento? Essa noção não temos. Isso deixa
a investigação mais complexa, porque há mistura de dinheiro legal e ilegal.
ÉPOCA – O que a Receita sabe sobre a
movimentação financeira do esquema?
Schaan – Ao menos seis empresas de
fachada foram usadas. Elas movimentaram R$ 540 milhões entre 2009 e 2013. Neste
momento, trabalhamos na identificação de outras empresas de fachada. Somaremos
os pagamentos feitos a essas empresas que não tinham razão de ser. Essas
empresas podem até apresentar notas fiscais e contratos, mas sabemos que querem
burlar a fiscalização. Ninguém de boa-fé faz contrato com empresa de fachada.
ÉPOCA – De quanto serão as multas
aplicadas às empresas?
Schaan – Estimamos em mais de R$ 1 bilhão.
ÉPOCA – As multas são tão importantes
quanto as prisões na Lava Jato?
Schaan – As multas agravam a situação
dos criminosos. Elas têm o caráter pedagógico. A função é desestimular aquela
pessoa ou empresa a reincidir no crime.
ÉPOCA – Apanhar as grandes empreiteiras
nesse esquema mudará a imagem de que a Receita Federal só pega pequenos
contribuintes?
Schaan – Essa é uma falsa visão.
Concentramos nosso trabalho em grandes contribuintes. A maior parte da
população só fica próxima da Receita quando cai na malha fina do Imposto de
Renda. Quando faço uma autuação numa grande empresa, não tenho razão para dar
publicidade a isso. Temos questões de sigilo fiscal. Numa investigação como a
Lava Jato, nosso alcance aumenta por trabalharmos com a Polícia Federal e o
Ministério Público.
"As multas desestimulam pessoas ou
empresas a reincidir no crime"
ÉPOCA – Quanto tempo a investigação da
Lava Jato levará?
Schaan – Outras operações grandes
levaram cerca de um ano. A Lava Jato pode durar mais que isso.
ÉPOCA – Os crimes fiscais estão mais
sofisticados? Como vocês se preparam para combatê-los?
Schaan – Os sonegadores mudam as
práticas assim que fechamos as portas. Nos últimos anos, aumentou o número de
intermediários para que o dinheiro ilícito seja enviado para fora. Antes eram
quatro. Hoje costumam ser oito, nove.
ÉPOCA – As investigações no Brasil
estão no nível das realizadas nos Estados Unidos e na Europa?
Schaan – Nossos métodos e treinamento
estão atualizados, mas temos menos gente. Os Estados Unidos contam com 8 mil
agentes especiais de investigação, com atribuição de polícia judiciária: eles
investigam, fazem escutas telefônicas, bloqueiam bens e prendem. Temos 180
agentes. Para mim, a questão principal nem é essa. Há demora excessiva na
condenação dos infratores e no recebimento dos valores das multas. Essa
situação estimula o mau pagador a não pagar. É injusto com quem paga impostos
em dia.
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ÉPOCA – A Lava Jato pode mudar isso?
Schaan – Tomara. Já existem condenações
na primeira instância. Mas essa não é a regra. Trabalhamos em outras operações
em que as empresas dificilmente são punidas. A diferença crucial entre o Brasil
e os Estados Unidos é essa. Lembro bem o caso de um brasileiro (o apóstolo
Estevam Hernandes, da Igreja Renascer) detido nos Estados Unidos (com US$ 56
mil numa Bíblia em 2007) e condenado rapidamente. No Brasil, há casos de
grandes empresas autuadas há mais de cinco anos que ainda não pagaram multa. Os
envolvidos nos crimes, quando demoram a ser punidos, voltam a praticar crimes.
É importante frisar que as multas não têm caráter de arrecadação, e sim de
punição.
ÉPOCA – É possível esconder dinheiro no
exterior?
Schaan – Ainda é, mas a cada dia fica
mais difícil. Existem mecanismos para rastrear o dinheiro. Acordos de
cooperação são firmados para troca de informações. Uma lei americana revolucionou
esse cenário: ela sobretaxa as instituições financeiras, com negócios nos
Estados Unidos, que resistam em repassar informações sobre cidadãos americanos.
E haverá reciprocidade. Poderemos ter acesso a informações de brasileiros. Há
uma enorme pressão para o Brasil assinar esse acordo com os Estados Unidos. Até
a Suíça e alguns paraísos fiscais, difíceis de lidar, estão mais dispostos a
colaborar.
ÉPOCA – Foram os atentados de 11 de
setembro que contribuíram para um maior controle sobre as movimentações
financeiras internacionais?
Schaan – O que apertou mesmo a
fiscalização foi a crise econômica de 2008. Como não havia jeito de aumentar os
impostos num cenário econômico ruim, Estados Unidos e Europa foram procurar os
sonegadores em todo canto do mundo. Isso permitiu um maior fluxo de
informações, que também nos beneficia.
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Fonte: Revista Época - Por Murilo Ramos - Foto:
Cândido Neto/Época - 01/12/2014