Márcio Garcia Vilela
O Tempo
O Tempo
Getúlio
Vargas foi a mais singular das personalidades históricas da vida política do
Brasil. Singular e complexa, múltipla e polivalente. Não era apenas um ser
humano, muito menos um homem apenas convencional, com seus defeitos e suas
qualidades, que às vezes oscilam entre a grandeza e a mediocridade.
Visceralmente retilíneo nas suas crenças e convicções, em seus passos pelo
mundo fez profundo e devastador pacto com a vida e a morte, que o guiou até aos
extremos a que permaneceu fiel até o último momento, sereno e pacificado, creio
eu. Assim ilustrou, com o autoextermínio, que a morte não lhe significava
nenhum sacrifício senão o ato redentor da dignidade, que lhe restituía a honra
arrancada, elevando-o para a eternidade.
Não
lhe exprimia apenas a perda da vida, cujo valor não aferia por critérios
puramente humanos; a vitória sobre a morte, de que falou o apóstolo Paulo, era,
enfim, o triunfo final e definitivo sobre as misérias humanas, das quais nada
mais sobrava, antes reafirmava a divindade e a autonomia do ser humano,
pacificando-lhe as atribulações terrenas, que ficavam para trás e lhe permitiam
traçar novos caminhos.
Imagino
que Getúlio tinha da vida a certeza do seu papel de mera passagem para a morte.
Esta, enfim, cuidava de curar as ofensas e os desenganos. Quando tardava ou não
chegava, o suicídio era a decisão mais nobre para libertar o homem e
restituir-lhe a autonomia recebida no Éden, assim transformando-se em exclusivo
árbitro do destino, da derrota ou da glória.
A SUA CRUZ
Registros
históricos testemunham essa crença de Getúlio, em documentos legados à
posteridade, deitados ao papel em momentos de perigos de desonra. Essa era a
sua cruz, o suicídio lhe era a glorificação eterna, que só dependia dele.
Senhores
altíssimos dirigentes do nosso país: este artigo se exime de qualquer alusão a
Vossas Excelências por um único e decisivo motivo: respeito a individualidade
das pessoas, sejam quais forem as funções que exerçam, por mais altas que
sejam, assim como as do trabalhador mais humilde. O brando norte assopra em
minha vida aquele lindo verso do poeta d. Marcos Barbosa: “Varredor que varres
a rua/ varres o reino de Deus”.
Creio
em Deus, não faço qualquer apologia do suicídio. Comecei este artigo citando
Getúlio Vargas – de quem Vossas Excelências talvez estejam a uma distância
sideral – porque o admiro como homem público e estadista. Isso não quer dizer
apoio aos seus longos anos de governo, embora o aplauda por medidas pontuais
mais profundas. Todavia, seu notável sentimento de honra e dignidade é luz e
clarão para os brasileiros. Tomo a liberdade de clamá-los por inspirar-se nele.
Repito, não falo de suicídio, mas de inspiração na honra e na dignidade. Não
raro, a renúncia gera a glória de resgatá-las. O tempo é caprichoso e curto.
Ouçam
os sussurros da nação, enquanto o fio d’água está luzindo o seu murmúrio. Não
permitam que a sua mansa água se transborde pela força das tempestades. Não
faltem com os compatriotas na hora trepidante.
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