"Fiz um acordo com a empresa aérea e ela me devolveu R$ 4 mil dos R$ 5,2 mil que eu tinha pagado de passagem. Eu queria uma devolução mais justa, porque o trecho Brasília-Guarulhos não custa R$ 1,2 mil" Marina Bezerra Tavares, 28 anos, estudante.
O passageiro fica perdido entre as normas que regem o
cancelamento ou a remarcação de bilhete aéreo. As empresas optam pelo que é
mais conveniente e deixam de lado o Código. O cliente quase sempre fica no
prejuízo ante as tarifas arbitradas pelas companhias
Cancelar ou remarcar uma passagem aérea tornou-se tormento
para o consumidor brasileiro. E não é por falta de regras, mas, sim, por causa
da ausência de consenso sobre qual é a norma a ser aplicada. A Agência Nacional
de Aviação Civil (Anac) tem as resoluções; os Procons entendem que o Código de
Defesa do Consumidor deve prevalecer; o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), uma das principais associações de defesa do país, defende
que o Código Civil brasileiro deve ser o exigido. A Associação Brasileira das
Empresas Aéreas (Abear) acredita no regime de liberdade tarifária. Enquanto o
tema não é pacificado, quem perde é o passageiro, que não sabe realmente o que
está contratando e quais são as negativas em caso de cancelamento ou de
remarcação por conveniência própria.
Uma das
principais confusões ocorre porque a resolução da Anac que regula a questão
(Portaria nº 676/2000) determina que, se o passageiro cancelar o bilhete aéreo,
ele deve pagar taxa de 10% como multa ou US$ 25. Porém, a portaria deixa brecha
para as companhias aéreas quando a tarifa é promocional. Nesse caso, vale o que
estiver no contrato firmado entre a empresa e o passageiro. Para alguns tipos
de passagem, não compensa a remarcação, ou então, a taxa de cancelamento é tão
alta, que compensa mais o passageiro não cancelar e não comparecer. “O problema
é que boa parte do comercializado pelas companhias é considerada promocional, e
as empresas estipulam multas absurdas. Uma pesquisa feita pelo Idec mostrou que
algumas empresas chegavam a cobrar 60% do valor da passagem de taxa”, afirma
Claudia Almeida, advogada do Idec.
As
companhias aéreas alegam que a taxa de cancelamento ou dereembolso serve para
diminuir o prejuízo causado pelo não embarque do passageiro. Segundo nota
enviada pela Abear, a flexibilidade para fazer alterações é inversamente
proporcional ao valor pago. Por isso, bilhetes mais baratos dão menos direitos
a fazer alterações. “Tudo depende essencialmente de julgamento pessoal de
conveniência e da possibilidade de se aproveitar o preço promocional, econômico
(mas com percentual restrito de reembolso em caso de cancelamento da viagem ou
com uma multa em caso de alteração do bilhete), ou o preço regular, mais
elevado (mas com um reembolso praticamente integral e sem multa para
remarcações)”, diz a nota.
Para
Leila Cordeiro, assessora técnica do Procon de São Paulo, o que não fica claro
para o passageiro, nem para os Procons, é o critério para o cálculo de
porcentagem de multa a ser paga. “As empresas nunca demonstraram para o Procon
o real custo da remarcação de passagem que justifique aquele índice para a
multa compensatória. A gente tem que entender o que é abusivo ou não. Por
exemplo, multa mais cara do que a passagem é considerado abusivo.”
Dessa
forma, diante do cenário de incertezas, o cliente pode encontrar as mais
diversas respostas. Se ele for diretamente à empresa aérea para cancelamento ou
remarcação, as regras contratuais vão mudar de companhia para companhia. Caso
tenha problemas e procure o Procon, a orientação será de que o cancelamento
pode ser feito sem custo até sete dias depois da compra, pelo direito de
arrependimento de compras feitas a distância. Passado esse prazo, vale a multa
estabelecida pela Anac. “O que a gente percebe é que os consumidores que vêm ao
Procon não perguntam se tem diferença entre passagem promocional ou não. Por
isso, tantos conflitos”, analisa Victor Cabral, conciliador do Procon-DF.
Se o
passageiro preferir buscar o apoio de uma associação de consumidores, como o
Idec, vai ter a resposta que a multa máxima para cancelamento e para remarcação
que uma companhia aérea pode exigir é de 5% — percentual previsto no Código
Civil para contratos de transporte. “A postura das empresas é de descumprir
descaradamente a hierarquia das normas brasileiras. Como é mais cômodo cumprir
a resolução da Anac, as companhias preferem cumprir uma resolução, que é
inferior ao Código Civil como norma”, argumenta Claudia Almeida, do Idec. Por
enquanto, não há entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o que deve
ser aplicado no contrato de aviação civil. Por isso, há tribunais que usam o
Código Civil como referência, e outros, a regra da Anac.
Reclamações -
Principais
queixas contra companhias aéreas em 2014:
1.
Cobrança indevida/abusiva 217
2.
Contrato – Rescisão/alteração unilateral 172
3.
Desistência do serviço (artigo 49 – descumprimento) 154
4. Dúvida
sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 90
5.
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da
oferta/contrato) 89
*Fonte: Procon-DF
Para saber mais - Mudanças no CDC
Um dos itens mais polêmicos no projeto de modernização do Código de Defesa do Consumidor entre as associações de consumidores, entidades civis e representantes das empresas é que o texto a ser votado dá à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a atribuição de regulamentar o direito de arrependimento das passagens aéreas. Para os especialistas em direito do consumidor, o temor é um retrocesso nas garantias do passageiro, que, hoje, já encontra dificuldades para o cancelamento, a remarcação e o reembolso.
Para as empresas, a regulação da Anac será um alívio porque a agência levará em conta as peculiaridades do setor. A Anac limita-se a dizer que cumprirá as determinações legais que lhe forem atribuídas. Toda a polêmica se dá porque hoje o arrependimento na aviação civil – remarcação, reembolso e cancelamento – depende de empresa para empresa, de contrato para contrato e de tarifa para tarifa. Em casos de tarifas promocionais, algumas companhias cobram taxas de até 80% do valor pago no bilhete, o que deixa o consumidor perdido entre tantas regras e porcentagens.
Sem assistência e sem reembolso
A estudante Marina Bezerra Tavares, 28 anos, sabe bem o que é
ter problema com cancelamento de passagem e conviver com regras diferentes —
que mudam todos os dias e de acordo com o atendente. Ela conta que, no fim de
junho do ano passado, viajaria de Brasília a Nova York (EUA) para fazer um
curso em uma universidade americana. O itinerário do voo era
Brasília-Guarulhos-Nova York pela companhia aérea TAM. Quando chegou a São
Paulo, Marina passou mal e não conseguiu embarcar. Na ocasião, os funcionários
de terra comunicaram para Marina que ela não precisava se preocupar porque
receberia o reembolso. “Eu não estava bem e acabei deixando o bilhete com o
atendente que tinha me pedido. Ficar sem a passagem deu-me muitos problemas
porque tive que ir à Polícia Federal pegar o meu registro de entrada e saída do
país para ver o reembolso.”
Marina
conta que passou por vários atendentes, protocolos e cada um dava uma
orientação diferente. “O certo é que a companhia não queria devolver o trecho
que eu não voei entre São Paulo e Nova York. Explicaram-me que era o mesmo voo,
então, se eu voei de Brasília para São Paulo perdia tudo.” Sem paciência com a
demora da situação, Marina resolveu contatar o Procon. “Aí fiz um acordo com a
empresa aérea e ela me devolveu R$ 4 mil dos R$ 5,2 mil que eu tinha pagado de
passagem. Eu queria uma devolução mais justa, porque o trecho
Brasília-Guarulhos não custa R$ 1,2 mil, mas estava tão cansada da situação,
que tudo foi resolvido seis meses depois”, contabiliza.
Fonte: Flávia Maia – Correio Braziliense – 06/04/2015