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(Câncer) Em busca do diagnóstico precoce

Priscila insere o aparelho que criou (seguro por pinça) em amostra de sangue

Pesquisadora brasiliense cria técnica que pode ajudar a detectar diferentes tipos de câncer na fase inicial de desenvolvimento

O câncer continua uma doença repleta de mistérios para a ciência, mas, pelo menos, uma certeza especialistas têm: quanto mais cedo os tumores forem identificados, maiores são as chances de cura. Uma ferramenta que tem grande potencial para ajudar na detecção precoce do mal acaba de ser criada pela pesquisadora brasileira Priscila Monteiro Kosaka, que iniciou a carreira acadêmica no Departamento de Química da Universidade de Brasília (UnB) (leia Três perguntas para). Hoje pesquisadora do Bionanomechanics Lab, no Instituto de Microeletrônica de Madri (IMM), a cientista desenvolveu um método que poderá, no futuro, identificar diferentes tipos de câncer na fase inicial, por meio de um simples exame de sangue.


O estudo, apresentado recentemente na revista especializada Nature Nanotechnology, surgiu durante a especialização de Kosaka, que, depois de se interessar pela área de nanotecnologia, buscou aplicá-la na oncologia. “Nas primeiras entrevistas com meus atuais chefes, conversamos sobre os projetos em que poderia estar envolvida, e um deles era um sensor para a detecção precoce do câncer. Nesse mesmo momento, eu me apaixonei pelo tema e pela possibilidade de não apenas seguir aprendendo, mas também de poder ajudar muitas pessoas com o meu trabalho”, conta ao Correio.

A especialista explica que a estratégia buscada foi criar uma maneira de identificar proteínas que surgem no princípio do desenvolvimento da doença — os chamados biomarcadores. “Atualmente, não existe nenhuma tecnologia com sensibilidade e especificidade suficientes para detectar proteínas de baixa abundância no sangue. Esse foi o nosso objetivo, desenvolver uma técnica altamente sensível e confiável”, diz.

O método utiliza um minúsculo transdutor mecânico, aparelho cuja vibração é modificada quando ocorre o acúmulo de uma substância em sua superfície. Esse dispositivo é imobilizado com um anticorpo que reconhece o biomarcador do câncer. Quando o transdutor entra em contato com uma amostra de sangue com as proteínas, elas são capturadas pelos anticorpos presentes na superfície do transdutor.

Após a captura dos biomarcadores, o transdutor é colocado em uma solução com nanopartículas de ouro que também conta com o anticorpo. Assim, o sangue com biomarcadores atrai o metal nobre para o dispositivo. “A presença das nanopartículas de ouro na superfície do transdutor produz uma mudança na frequência, e isso faz com que essa superfície, que antes era escura, brilhe muito”, esclarece a autora. Ou seja, se ao final do processo, o transdutor brilhar, é sinal de que o paciente cujo sangue foi colhido tem biomarcadores de câncer, logo, provavelmente, está com a doença.

Primeiros passos
Até agora, Kosako apenas mostrou que a tecnologia é viável. Ela utilizou no protótipo experimental dois biomarcadores tumorais bastante conhecidos: o CEA (do câncer gastrointestinal) e o PSA (do câncer de próstata). “É muito importante ressaltar que nossa tecnologia não apresenta qualquer vantagem em relação à tecnologia atual para exames de sangue de CEA e PSA, que não são específicos e não são usados para indicar o início do desenvolvimento do tumor. Nós desenvolvemos uma técnica com a sensibilidade necessária para encontrar futuros biomarcadores que podem ser usados para detectar o câncer bem no início, não descobrimos um biomarcador”, destaca a cientista. Em outras palavras, a nova metodologia poderá ajudar a descobrir biomarcadores e, depois, ajudar na sua identificação em pacientes.

Na avaliação de André Márcio Murad, coordenador do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho se destaca pela sensibilidade, mas, de fato, para ser útil, necessita que biomarcadores que surgem na fase inicial da doença sejam descobertos. “Para aplicar essa tecnologia, é preciso estudar os tumores um por um e achar uma substância que mostre o tumor em seu início de formação”, afirma o médico, que não participou do estudo.

Para Igor Morbeck, oncologista do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, se forem encontradas substâncias que acusem o câncer inicialmente, o dispositivo criado por Kosaka trará um grande ganho para a medicina. “Hoje, o câncer é diagnosticado em um tamanho maior. Raramente, ele é encontrado em forma reduzida, com cerca de 5mm por exemplo. A nanotecnologia permite que células muito pequenas seja detectadas, o que pode representar uma vantagem no diagnóstico”, destaca.

Priscila Kosaka sabe que o caminho a ser percorrido ainda é longo. “Nosso objetivo sempre foi desenvolver um sensor ultrassensível, muito específico e barato. Agora, estamos trabalhando para validar a técnica. Conseguir a aprovação do sensor pode levar muitos anos”, esclarece. “Vamos escrever projetos para conseguir financiar a pesquisa e estamos em contato com pesquisadores que se dedicam à descoberta de biomarcadores de câncer para trabalharmos juntos, aplicando nossa tecnologia para colaborar na busca dessas substâncias, permitindo que elas sejam identificadas com um simples exame de sangue.”

Três perguntas paraPriscila Monteiro Kosaka, pesquisadora do Instituto de Microeletrônica de Madri

Como surgiu seu interesse pela ciência?
Entrei na Universidade de Brasília (UnB) no início de 1998 e me formei em maio de 2002. Depois de me graduar em química, queria continuar aprendendo e, como havia gostado de trabalhar em laboratório, achei que esse era o meu caminho. Minha irmã estava fazendo mestrado na Universidade de São Paulo (USP) e me incentivou a tentar uma pós-graduação lá. Fiz a prova para entrar no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Química, passei e, em fevereiro de 2003, me mudei para São Paulo. Nesse período, eu me apaixonei pela pesquisa. Ela preenche minha necessidade de ter desafios sempre. Além disso, como já disse Marie Currie: “Um cientista em seu laboratório é não só um técnico, ele também é uma criança colocada diante de fenômenos naturais que lhe impressionam como um conto de fadas”. A pesquisa mantém uma criança em mim, me faz sonhar e pensar que os sonhos podem ser realidade.

Por que a senhora resolveu sair do país para continuar seu projeto?
Tinha interesse em aplicações biomédicas, e o campo de biossensores nanomecânicos me chamou a atenção. Infelizmente, naquele período, ninguém no Brasil trabalhava nessa área. Acho que, nos últimos dois ou três anos, alguns pesquisadores começaram a se interessar, mas não sei se já existe alguém trabalhando com sensores nanomecânicos no país. Esse campo é forte aqui na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e na Coreia. Também existem pesquisadores na Índia trabalhando com isso. Os sensores nanomecânicos começaram na década de 1990 e começaram a chamar a atenção em 2000, ou seja, é recente.

Acredita que são necessários mais incentivos no Brasil para essa área?
Incentivo em pesquisa é preciso sempre. Conheço muitas pessoas no Brasil com muito potencial e tenho certeza de que ele pode ser um país muito forte na pesquisa. 


Por: Vilhena Soares – Correio Braziliense 

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