Governo anuncia corte de R$ 69,9 bilhões e, agora,
espera apoio do Congresso para aprovação do pacote fiscal. Para ajudá-lo na
articulação, ministro da Fazenda recruta Cláudia Lyra, técnica com 33 anos de
experiência no Legislativo
Por: Josie Jeronimo - IstoÉ
Na tarde de sexta-feira 22, o governo anunciou um
corte de R$ 69,9 bilhões no Orçamento. A tesourada do Planalto, medida
emergencial necessária para recompor as contas públicas, atingiu todas as áreas
da administração federal, incluindo setores como Educação e Saúde. A
expectativa é de que, com a divulgação do corte, o caminho para a aprovação do
pacote do ajuste fiscal, enviado pelo governo ao Congresso, fique mais fácil. O
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no entanto, parece não contar somente com isso.
Precisando dos votos dos parlamentares em meio a um Congresso conflagrado, Levy
decidiu seguir a máxima de Pinheiro Machado, influente senador da República
Velha. Acossado por uma multidão, Machado disse ao cocheiro que lhe perguntara
como deveria agir para se livrar da turba. “Nem tão devagar que pareça afronta,
nem tão depressa que pareça medo”. O meio termo encontrado por Levy para não
afrontar os políticos e, ao mesmo tempo, não demonstrar temor foi a contratação
de uma velha conhecida dos parlamentares, experimentada nos gabinetes
legislativos. Desde a semana passada, a analista legislativa Cláudia Lyra, 33
anos de carreira, sete dos quais como secretária-geral da Mesa Diretora, atua
na Câmara e no Senado como assessora de Levy. Especialista em processo
legislativo, Cláudia, quando era servidora do Senado, ganhou a admiração dos
parlamentares graças ao profundo conhecimento do regimento interno e,
principalmente, à sua intimidade com os escaninhos do poder. Galgou degraus até
a se tornar braço-direito do ex-presidente José Sarney e do atual, Renan
Calheiros. Agora, do outro lado do balcão, está imbuída da missão estratégica
de evitar que as MPs 665 e 664 sejam rejeitadas e comprometam os planos de
corte de Levy. Mas a quantidade de incêndios que ela teve que apagar já na sua
primeira semana de trabalho mostra que o trabalho será árduo.
NA BATALHA
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, precisa evitar que as MPs 665 e 664 sejam rejeitadas no Congresso e, com isso, comprometam o ajuste fiscal idealizado pelo governo
Por
exemplo, ficou claro nos acontecimentos da última semana que os problemas do
ministro da Fazenda e da sua nova articuladora política estão longe de se
limitar à rebelde bancada do PMDB, capitaneada por Renan e pelo presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Antes de pacificar o PMDB, a dupla precisará
arrumar a própria casa. Na quarta-feira 20, onze senadores da bancada
governista, liderados pelos petistas Lindbergh Farias (RJ) e Paulo Paim (RS),
lançaram um manifesto contrário às medidas de ajuste fiscal defendidas pelo
Planalto. “Eu vou votar contra porque eu acho que o ajuste tira direitos dos
trabalhadores e não foram os trabalhadores que geraram esse desequilíbrio
fiscal”, declarou Lindbergh. O líder do governo na Câmara, José Guimarães
(PT-CE), traduziu a preocupação do governo com as defecções não só na base de
apoio como no próprio partido da presidente Dilma Rousseff. “Se o Senado
rejeitar uma das medidas do pacote fiscal, o país quebra”, disse Guimarães. O
manifesto dos parlamentares avaliza um texto divulgado recentemente por
personalidades como o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o ex-governador do Rio
Grande do Sul, Tarso Genro, o ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), Márcio Pochmann. Segundo o documento, “o ajuste fiscal é
recessivo” e “somente com o crescimento econômico haverá equilíbrio fiscal e
desenvolvimento”. O texto está em sintonia com discurso entoado nos últimos
dias pelo ex-presidente Lula. Em pronunciamento feito durante seminário
promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro
(Contraf) na última quarta-feira 20, Lula afirmou sem meias palavras que o
governo erra no remédio adotado para restaurar as contas públicas. “Claro que o
Lula, ao agir assim, contamina os aliados. É como se desse aval para que outros
fizessem o mesmo”, lamentou um ministro de Dilma.
ALIADA NAS COSTURAS
Nova auxiliar de Joaquim Levy, Cláudia Lyra transita com desenvoltura entre os parlamentares e conhece como poucos os atalhos do Congresso
A
equipe econômica tinha pressa em ver aprovada a MP 665, que altera regras na
concessão de seguro-desemprego. Mas esse comportamento da base aliada fez com
que o governo desistisse de colocar a medida em votação no fim da semana. A
decisão do adiamento ocorreu porque líderes da base do Planalto detectaram que
teriam margem pequena para votos favoráveis. Nos bastidores, os parlamentares
governistas alegam que a insatisfação decorre da postura do ministro da Casa
Civil, Aloizio Mercadante. Ele é acusado de segurar a nomeação de indicações
partidárias para cargos de segundo escalão.
A
ideia de Dilma era anunciar os cortes no Orçamento somente depois da aprovação
da MP. Nesse caso, a tesourada seria menor, O atraso, no entanto, atrapalhou os
planos do Planalto. O corte foi anunciado na sexta-feira 22 sem a garantia de
aprovação do projeto no Senado. Agora, a preocupação do governo é com a
validade da medida. Se não for aprovada até o dia 1º de junho, a MP caduca e a
presidente terá de editar outra se quiser que seus efeitos entrem em vigor.
Até mesmo governadores do PT não pouparam o governo de críticas. Reivindicação é pela distribuição de recursos
Mas
para obter sucesso em votações futuras no Congresso, o governo também terá de
amansar os governadores. Reunidos com Cunha e Renan no Salão Negro do
Congresso, na tarde de quinta-feira 21, os chefes dos Executivos estaduais
desfiaram um rosário de críticas ao Planalto. Queixaram-se que a União não
repassa receitas devidas, paralisou a assinatura de convênios e, paralelamente,
tem apertado a cobrança de tributos. Em confronto aberto com o governo, Renan
orientou os governantes a encontrar uma forma de forçar a União a repartir as
riquezas justamente em um momento que o governo tem um único objetivo:
concentrar receitas. As críticas à centralização dos recursos partiram até
mesmo de governadores do PT. “Somos herdeiros de uma política que seqüestrou
recursos dos Estados para a União. Com isso, cada Estado caminha para o abismo.
Contamos com a ajuda do parlamento para proceder a descentralização”, afirmou o
governador do Acre, Tião Viana (PT).
CLIMA HOSTIL
Em reunião com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, governadores (abaixo) desfiaram um rosário de críticas ao governo. Na quarta-feira 20, Planalto (acima) preferiu adiar votação da MP do ajuste por não ter garantia de aprovação
Na
última semana, a única vitória alcançada pelo governo foi a aprovação do
jurista Luiz Edson Fachin para a vaga deixada por Joaquim Barbosa no Supremo
Tribunal Federal (STF). Por 52 votos a 27, os senadores referendaram o nome
indicado por Dilma para assumir a máxima Corte. Apesar da forte ligação com o
PT e com o governo, o currículo e o bom desempenho do jurista na sabatina da
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no dia 12 tiraram dos senadores
contrários à indicação argumentos para rejeitar o nome de Fachin. Também pesou
favoravelmente à aprovação do candidato de Dilma ao STF o apoio explícito da
representação parlamentar de seu Estado, o Paraná, simbolizado pela atuação do
senador tucano Álvaro Dias, normalmente um ferrenho oposicionista,e a
solidariedade de seus futuros colegas de Supremo, em especial o presidente
Ricardo Lewandowski. Portanto, o triunfo de Fachin não pode ser atribuído
somente a uma articulação governista. Mesmo assim, o governo não saiu da
votação sem arranhões. Ao apreciar outra indicação – a do embaixador Guilherme
Patriota – para chefiar representação brasileira na Organização dos Estados
Americanos (OEA), os parlamentares disseram um sonoro não a Dilma. Patriota
trabalhou com o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia no
Planalto e seu nome foi associado a um apadrinhamento do petista.
Fotos:
Jane de Araújo/Agência Senado; Sergio Lima/Folhapress, André Dusek/Estadão
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