A Ponte JK, normalmente fechada para bikes, ficou tomada pelas bicicletas, que desceram do Eixo Monumental em direção ao Lago Sul
Milhares de brasilienses participam de manifesto para exigir
o cumprimento da lei que prevê ciclovias nas pistas do DF. Eles também pedem
respeito aos motoristas nas ruas da cidade
O dia começou cedo para os adeptos das bicicletas
ontem em Brasília. Mal o relógio marcava 8h, milhares de ciclistas já estavam a
postos com capacete e bicicleta prontos para o 13º Passeio Ciclístico Rodas da
Paz. O ponto de encontro, em frente ao Museu Nacional, marcou o início de uma
pedalada de 17 quilômetros que incluiu a Esplanada dos Ministérios, a Via L4 e
a Ponte JK— onde, em dias comuns, é proibido que os ciclistas atravessem
montados em suas bikes. O trajeto começou às 9h30 e, duas horas depois, estavam
todos de volta ao ponto de partida.
Este ano, a organização do passeio saiu mais do que satisfeita: segundo a Rodas da Paz, ONG que promove o passeio uma vez por ano, o número de participantes chegou a 10 mil. No entanto, a Polícia Militar fez estimativa de 4 mil a 6 mil participantes. No fim do trajeto, de volta ao museu, a coordenadora geral da organização, Renata Florentino, agradeceu com a voz embargada: “Enquanto ninguém mostrar uma imagem mais incrível do que essa, nós vamos divulgar que este é o maior passeio ciclístico do Brasil!”. Eles esperavam 5 mil presentes, a metade do público final.
Na concentração, o aquecimento começou com o som percussivo do Patubatê animando quem chegava para o passeio e seguiu com distribuição de brindes aos presentes que subissem ao trio para contar suas histórias com a bicicleta.
João Carlos Batista Pereira, de 61 anos, foi um
deles. Ele tem mal de Parkinson e, há um mês, quando começou a pedalar
diariamente, melhorou em 30% os sintomas da doença. “Pedalo há muitos anos, mas
agora intensifiquei por causa do Parkinson e estou me sentindo muito melhor”,
disse, brinde em mãos. Embaixo do carro de som, os ciclistas se preparavam
enchendo suas garrafas de água com o apoio de um carro da Caesb ou se
alimentando nos bike trucks que se espalhavam por entre o público.
O tema do passeio ciclístico deste ano foi “A bicicleta integra a cidade”. A intenção era chamar a atenção das autoridades e da população para a Lei Distrital 3.639, que prevê a construção de ciclovias nas rodovias que cortam o Distrito Federal e que são vitais para a ligação entre o Plano Piloto e o entorno. A lei completa 10 anos amanhã e até hoje não saiu do papel. “Essas ciclovias nunca foram feitas. O Plano Piloto tem quase 50% dos empregos do DF. Ciclovias em vias como a EPTG, por exemplo, ajudariam as pessoas a saírem de casa para ir ao trabalho de bicicleta com mais segurança”, argumenta Renata Florentino. Ela lembra ainda que, em Brasília, 2,3% dos deslocamentos são feitos de bicicleta, mais que o dobro da média de capitais como São Paulo e Belo Horizonte, onde essa taxa fica próxima de 1%. Durante o evento, nenhum representante do governo chegou a fazer pronunciamento. Renata diz que também não houve nenhum apoio oficial à manifestação. “A gente pediu as autorizações necessárias, mas não tivemos nenhum apoio. As pessoas estavam lá como cidadãs, não como autoridades, não houve nenhum tipo de pronunciamento”, diz.
Outra bandeira da Rodas da Paz é por um trânsito mais pacífico entre motoristas e ciclistas. No ano passado, 20 ciclistas morreram em decorrência da violência nas pistas. A expectativa é este ano o número seja menor. “Desde 2005, o número de acidentes vem caindo e queremos zerar essa conta, porque é possível”, acredita Renata. “As pessoas geralmente chamam de acidente, mas acidente é algo que não podemos controlar, como uma peça que se quebra ou uma árvore que cai no meio do caminho. Excesso de velocidade e imprudência são coisas que podem ser evitadas”, disse aos presentes, na saída do circuito. Nos primeiros metros de passeio, Daniel Higino Lopes, filho do ciclista João Lopes, que morreu na semana passada depois de ser atropelado por um motorista na contramão em Ceilândia, enquanto pedalava, deu um depoimento emocionado e prestou uma homenagem ao pai. “Daqui a duas semanas, é Dia dos Pais e eu não vou poder almoçar com o meu”, disse. Ele cobrou ainda mais políticas públicas que favoreçam a convivência pacífica entre motoristas e ciclistas.
Clima de festa
Marcado pelo tom político, o passeio organizado pela ONG teve ares de programa familiar. O sol forte e o céu limpo, típicos da seca da capital, deixaram o cenário de milhares de bicicletas ocupando algumas das principais vias de Brasília ainda mais bonito. Pela segunda vez consecutiva, o passeio teve um trecho menor, o Rodinhas, para crianças, em volta da Esplanada dos Ministérios. No trajeto tradicional, o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar e alguns batedores fecharam o trânsito nos pontos em que os ciclistas passariam e garantiram a segurança no percurso. Além disso, 100 batedores da própria organização, voluntários experientes, ajudaram a guiar a multidão pelas vias. O passeio ganhou dimensão na altura do Congresso Nacional: quase 20 minutos depois do início, o mar de gente ia do Eixo Monumental à Rodoviária. “Já não sei mais contar quantas pessoas estão aqui!”, gritava Renata ao microfone.
O trânsito chegou a ficar um pouco lento na Ponte JK, quando o passeio atravessava o local. Os motoristas, no entanto, não se incomodaram em esperar alguns minutos até que os últimos ciclistas completassem o trajeto por ali. Eles buzinavam, filmavam e acenavam para os ciclistas em apoio à passeata. Apenas na L4, no trajeto de volta ao museu, dois carros furaram o bloqueio policial e tentaram fazer o retorno na via, mas nenhum acidente aconteceu.
Entre os ciclistas que acompanharam o passeio do Rodas da Paz estavam pessoas que utilizam a bicicleta a passeio, grupos que têm a pedalada como esporte e pessoas que passaram a adotar o veículo como transporte substituto ao carro.
Buscando soluções
Segundo a coordenadora de sustentabilidade da Secretaria de Estado de Mobilidade do DF, Cecília Martins, os problemas enfrentados pelos ciclistas estão em fase de estudos para verificar quais áreas das ciclovias precisam ser revitalizadas ou reconstruídas. Um levantamento que contou com a participação de cinco grupos de ciclistas de Brasília foi realizado em maio deste ano, mas ainda não há previsão para que melhorias sejam implantadas. “Nós sabemos dessa reclamação e estamos identificando onde é preciso atuar. As demandas desses grupos estão sendo analisadas e o problema da conectividade é uma prioridade”, afirmou Cecília. A coordenadora destacou ainda que uma campanha voltada para o respeito dos motoristas ao ciclista está sendo veiculada e que a secretaria pretende realizar novas ações de conscientização.
Depoimentos
Aldem
Bourscheit, 42 anos, jornalista, e o filho Gabriel “Moro e
trabalho no Lago Sul e utilizo bastante a bicicleta. Acho importante incentivar
desde cedo. Eu tenho esse costume, a bicicleta sempre esteve presente na minha
vida. Acredito que ainda falta incentivo para que mais pessoas escolham a
bicicleta no dia a dia. Muita gente não tem, por exemplo, chuveiro nos locais
de trabalho ou um lugar para estacionar. Acho que estamos num momento de
transição do entendimento dos motoristas em relação às bicicletas. Muitos estão
começando a respeitar o nosso espaço e outros ainda não entenderam que a
bicicleta também é um veículo. A infraestrutura adequada para o ciclista com
mais campanhas de conscientização é o melhor caminho para que todos convivam
bem no trânsito.”
Silvana
Correa, 35 anos, analista de sistemas“Moro no
Noroeste, que é uma região nova, e o que vejo é que não há essa preocupação com
o espaço do ciclista no projeto da cidade. Não há infraestrutura de ciclovias
nem estacionamento para as
bicicletas. Com mais campanhas de conscientização e ciclovias, as próximas
gerações terão esse cuidado com o ciclista e a consciência de que é possível
reduzir o número de carros”.
Ednalva de
Freitas, 48 anos, assistente administrativa, e a filha Nathalie “Moro em
Ceilândia, e tem duas semanas que aderi à bicicleta para ir ao trabalho, por
influência da minha filha. Ainda sou iniciante, mas já vejo problemas no
trajeto que faço. Alguns motoristas respeitam, mas a maioria não considera o
ciclista. Algumas pessoas que utilizam a bicicleta também são descuidadas,
andam no meio da pista. Falta conscientização dos dois lados. Acho que muita
gente pensa em parar de usar tanto o carro, mas tem medo de ser atropelada, da
segurança mesmo.”
Mauro Castro,
54 anos, professor “Moro e
trabalho na Asa Norte, e a bicicleta é meu principal meio de locomoção. No
Plano Piloto, muita gente faz caminhada nas ciclovias. É perigoso tanto para o
ciclista quanto para o pedestre. As pessoas não sabem mesmo que ali tem uma
faixa para o ciclista. outro problema é que as ciclovias não são contínuas.
Aqui mesmo na terceira ponte, onde o trajeto do passeio está sendo feito, a
ciclovia termina e o ciclista precisa descer da bicicleta para atravessar o
lago. Isso não acontece com o carro, por exemplo. Em nenhum momento, o
motorista precisa descer para concluir um trajeto. Falta ver a bicicleta
realmente como uma alternativa de transporte”
Fonte: Carolina Samorano – Paula Braga – Correio Braziliense –
(Fotos: Antonio Cunha/ CB/D.A Press)