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O destino de Cunha

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/08/2015


Câmara aguarda a denúncia de Janot para saber qual será a reação de Cunha. Especulava-se que a disposição dele seria “afundar atirando”

O clima na Câmara de Deputados ontem era de grande expectativa em relação ao teor da denúncia a ser oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por suposto envolvimento no esquema de desvio de recursos da Petrobras investigado na Operação Lava-Jato. Petistas e aliados do governo aguardam a denúncia para pedir o afastamento de Cunha do comando da Casa.

O próprio presidente da Câmara alimentou as expectativas em conversas reservadas com deputados aliados, aos quais disse que a denúncia poderia ocorrer ainda hoje. Em declarações dadas no Salão Verde da Casa, ao deixar seu gabinete em direção ao plenário, Cunha avisou que não pretende renunciar ao comando dos trabalhos: “Eu não farei afastamento de nenhuma natureza. Vou continuar exatamente no exercício para o qual fui eleito pela maioria desta Casa. Estou absolutamente tranquilo e sereno com relação a isso.”

Cunha mantém o ritmo frenético de trabalho na Câmara em plenário, com votações de terça a quinta-feira, que, muitas vezes, varam a madrugada. Ontem, pautou a segunda votação da polêmica emenda constitucional que reduz a maioridade penal para 16 anos, em casos de crimes hediondos e outras infrações graves. Matéria polêmica, dividiu a base do governo e a oposição.

Ou seja, diante da ameaça de se tornar réu da Operação Lava-Jato, Cunha mantém a Casa em alta rotação, submetendo o governo a sucessivas derrotas ou recuos, como ocorreu na terça-feira, quando foi aprovada a mudança na correção dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que passará a ter o mesmo cálculo da caderneta de poupança, com implantação escalonada em quatro anos.

“Eu não misturo o meu papel de presidente da Casa com as eventuais situações que possam envolver a minha pessoa. Exercerei o meu papel de presidente da forma que, institucionalmente, eu tenho que exercer. Eu não faço papel de retaliação nem tomo atitudes por causa de atitudes dos outros”, justificou-se. Não é o que pensa, porém, a maioria dos deputados, seja seus aliados, seja os desafetos.

A denúncia da PGR contra Cunha deverá ser feita com base em depoimento do ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo no acordo de delação premiada. Ele disse que foi pressionado pelo peemedebista a pagar propina de US$ 10 milhões para que a Petrobras contratasse navios-sonda da Samsung. Do total do suborno, contou o delator, Cunha supostamente se consideraria “merecedor” de US$ 5 milhões. O presidente da Câmara nega a denúncia. Uma operação de busca e apreensão teria obtido provas de que alguns requerimentos da ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ) foram elaborados no gabinete de Cunha para  supostamente pressionar fornecedores da Petrobras.

A espera de Janot
A maioria dos deputados costuma transformar em cadeira elétrica a presidência da Casa em casos de denúncias graves contra seus ocupantes. Por muito menos, foram defenestrados os deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), no auge de seu prestígio, embora injustamente, sabe-se hoje, e o polêmico Severino Cavalcanti (PP-PE). O primeiro, na CPI do Orçamento, durante o governo Itamar Franco, uma crise restrita ao parlamento; e o segundo, durante o governo Lula, logo após a CPI dos Correios, numa situação em que não havia crise nenhuma.

Agora, o país está mergulhado numa crise tríplice — econômica, política e ética —, cujas vertentes se retroalimentam. Há dezenas de políticos sob investigação do Ministério Público, com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), contra os quais não foram oferecidas ainda quaisquer denúncias. Além dos senadores Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI) — que já foram objeto de operações de busca e apreensão em seus escritórios e residência, e que também podem ser denunciados hoje —, estão entre os investigados o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara.

É aí que a confusão se estabelece. Ninguém tira da cabeça de Cunha que o acordo feito entre a presidente Dilma Rousseff e Renan para recondução do procurador-geral, Rodrigo Janot — que precisa ser aprovada pelo Senado —, inclui o arquivamento da investigação contra o senador e uma denúncia pesada contra o presidente da Câmara, acompanhada de um pedido de seu afastamento do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Recentemente, acolhendo ação impetrada pela senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), com respaldo do Palácio do Planalto e do próprio Renan, o ministro do STF Luís Roberto Barroso decidiu que as prestações de contas dos presidentes da República passariam a ser votadas em sessões do Congresso, e não separadamente pela Câmara e pelo Senado, como ocorreu até agora. Com isso, a iniciativa de pautar a matéria saiu das mãos de Cunha e passou a ser uma atribuição de Renan.

O presidente da Câmara viu a decisão como uma manobra urdida pelo Planalto, assim como seria parte do acordo a indicação do desembargador federal Fernando Navarro, por Dilma, a uma vaga de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele era o segundo da lista, mas fora apadrinhado pelo presidente do Senado.



Nesse cenário, a Câmara aguarda a denúncia de Janot para saber qual será a reação de Cunha. Especulava-se que a disposição dele seria “afundar atirando”. Nesse caso, seu maior petardo seria pôr na pauta da Câmara um dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff que mantém na gaveta. É aí que o circo pode pegar fogo.

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