“O Brasil não perde oportunidade de perder
oportunidades.” A frase, repetida por Roberto Campos, traduz tendência
inapelável da burocracia verde-amarela. Exemplos não faltam. O mais recente
figura no decreto que reduz despesas com viagens e carros oficiais. A crise que
joga o país em tsunami de incertezas seria ocasião para promover mudanças
substanciais na administração pública.
Não é o que se viu. Remendos tomaram o lugar de guinada efetiva. Em vez
de novo paradigma, o governo manteve o modelo. Mudou para deixar tudo como
está. Classe executiva substitui a primeira classe. Ora, se a viagem é
indispensável, o servidor deve receber passagem na classe econômica. Se quer
regalias, ninguém o proíbe. Basta desembolsar a diferença.
Números divulgados pelo Ministério do Planejamento falam alto. No ano
passado, a União gastou quase R$ 500 milhões em idas e vindas aéreas de
funcionários. Do total, R$ 470 milhões na classe econômica; R$ 12,4 milhões na
executiva e R$ 280 mil na primeira. À primeira vista, a diferença parece pouco
significativa. Mas, mais do que valores, conta a simbologia — a determinação
efetiva de pôr ponto final em vantagens que caracterizam o subdesenvolvimento.
Outro emblema do atraso é o carro oficial. Nada menos contemporâneo do
que veículo, motorista e combustível sustentados pelo contribuinte. Eles
funcionam como a velha carteirada sintetizada no “sabe com quem está falando”?
No caso, não há necessidade nem de perguntar nem de se expor à justa indignação
de brasileiros submetidos a uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo
sem receber a necessária contrapartida. Sentar-se no banco de trás é
suficiente.
Os recursos, sempre escassos, precisam ser aplicados em rubrica que
atenda o bem comum. País cuja educação pede socorro, cuja saúde agoniza, cuja
mobilidade imobiliza, cuja segurança é mais precária que a de nações em guerra
não tem o direito de conjugar o verbo desperdiçar. A qualidade dos gastos tem
de ser obsessão do administrador.
Em vez de lustrar o ego de ministros, secretários ou diretores, o
dinheiro arrecadado da sociedade tem de servir à sociedade, não se servir dela.
O governo, se quer mudar de verdade, deve acabar com o carro oficial e
moralizar as viagens de servidores. Em primeiro lugar, proibir o pagamento de
tarifa cheia. Em segundo, apropriar-se das milhas acumuladas. Elas pertencem ao
Estado. Com os pontos, outros viajarão sem onerar o Tesouro. A crise impõe
mudanças radicais. Puxadinhos não valem.
Fonte: “Visão” do Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog/Google