Fábio Gondim Pereira da
Costa expõe problemas decorrentes da falta de verba e diz analisar "todas
as hipóteses"
Em sete meses, a Secretaria de Saúde,
uma das mais frágeis pastas do DF, mudou de gestor por duas vezes – o primeiro
nome indicado sequer assumiu. O único sem formação em Medicina, Fábio
Gondim Pereira da Costa é especialista em orçamento e recebeu a unidade em meio
a um cenário caótico. Em pouco mais de dois meses, ele diz que “a saúde do DF
está sendo bem tratada e vai sair da UTI” graças à gestão, embora problemas se
evidenciem constantemente. Faltam contratos de manutenção para 80% dos
equipamentos da rede, o dinheiro em caixa para investimento é “quase nada”, e o
déficit de profissionais só aumenta. Apesar de nada estar definido, o
secretário revela: terceirizar a saúde é uma hipótese estudada.
Um bebê
não conseguiu atendimento no Hospital de Base por falta de tomógrafo. Há como
mensurar quantos equipamentos estão sem manutenção?
Iniciamos o
ano com 12 mil equipamentos da rede com contrato de manutenção, quando temos
58.006 equipamentos no DF.
Por que
estão sem esses contratos?
Não sei, foi
herdado dessa forma. Não foram feitos contratos ainda porque tivemos que fazer,
em um primeiro momento, um mutirão de regularização e aquisição para o estoque
de medicamentos e materiais, que era o mais urgente.
Qual a
solução para esses problemas com manutenção?
Preparamos
um mutirão para fazer um termo de referência. Temos que prever toda a regra de
manutenção, como acontecerá, quem fornecerá peças, enfim, todo um arcabouço
jurídico para a gente não fazer um contrato ruim. Estamos passando por um
momento difícil, atenuado agora com o crédito referente às emendas
parlamentares, que permite o pagamento do que já assumi. Essas, de manutenção,
eu não assumi ainda. Então, teremos dificuldade. Enquanto não se regulariza,
faremos uma demanda pontual a cada caso, como uma empresa privada.
Essa é a
solução?
Isso é o que
dá para fazer. Nós temos dois problemas: estar sem contrato de manutenção
e a frequência que os equipamentos quebram. A gente fica na dúvida se a
manutenção está sendo bem feita ou se há problemas com as redes elétricas, por
exemplo. Há toda uma gama de problemas. Não tenho que resolver apenas o caso do
tomógrafo do Hospital de Base. Se fosse só isso, seria fácil.
E como
resolver?
Com gestão
competente de médio prazo. Temos casos de equipamentos nunca instalados e
instalados que não funcionam. Isso é um absurdo, um desperdício. O dinheiro
falta porque foi usado errado.
Quanto a
pasta tem em caixa, hoje, para investir?
O que temos
autorizado no orçamento para 2015 é 2%, cerca de R$ 1,5 milhão, mais conhecido
como quase nada. Não tem dinheiro para investir. Temos que buscar recursos de
emendas federais, por exemplo. Temos recursos que vêm do Ministério da
Saúde e que têm tido baixa execução. Tendo em vista o grau de sucateamento,
acaba que esse recurso pode ser muito útil e, de fato, será. Temos postos de
saúde muito ruins em relação à estrutura física. Esse recurso pode ser usado
para essas reformas e as faremos. Queremos terminar até dezembro em todas as
unidades.
De quanto
é a dívida de restos a pagar?
As despesas
de 2014 são de centenas de milhões de reais. Muitas delas
indenizatórias, sem contratos. É uma herança muito ruim.
Mas essa
herança é de quanto?
Nosso
levantamento é de R$ 477 milhões.
Como
gerir essas contas, com pouco dinheiro e muito a pagar?
Temos que
cuidar dos nossos estoques. Temos que parar de ter desperdício, de perder
prazo de validade, cuidar da logística para que material não falte na ponta,
cuidar do faturamento. Estamos fazendo um trabalho profundo, de base, de
conhecimento de todos os problemas. O Ministério da Saúde sabe muito
menos do que de fato é feito. Com isso, não temos argumentos para pleitear um
aumento do teto. Deixaram muitos serviços serem desabilitados e, quando isso
acontece, eu presto o serviço, mas não recebo nem posso faturar. A
questão de escalas de trabalho também é um problema. E não com um viés de
fiscalização, mas de produtividade. Nós gastamos R$ 4,5 bilhões com recursos
humanos. Temos que ter os profissionais trabalhando onde tem demanda, com
escalas otimizadas para ter o menor número de horas extras possível. Dá para a
gente encontrar uma solução dentro da própria Saúde.
No começo
do ano, o JBr. mostrou que a pasta pediu um adiantamento do Ministério da Saúde
quando a estimativa de desperdício era de R$ 5 milhões mensais porque os
serviços não se enquadravam às exigências do órgão. O desperdício
diminuiu?
Eu acho que
em R$ 5 milhões e pouco. Acho que tem mais. Não é desperdício, é a falta de
habilitação. Temos priorizado trabalhos que venham a resultar na habilitação ou
qualificação dos serviços. Fizemos o levantamento de todas as obras que
precisamos fazer para aumentar o nível de qualificação. Tivemos a primeira
habilitação. Serão mais R$ 2,7 milhões por ano.
Quantas
são essas obras?
As obras
variam desde uma pequena infiltração a uma unidade inteira que tem de ser
refeita, como no Guará. Reparos deveriam ser feitos em toda a rede pelo menos a
cada dois, três anos.
Ainda
faltam muitos medicamentos e insumos?
Faltam 50 e
poucos itens, entre 4 mil. Há manobras no sentido de laboratórios que se
recusam a vender, por exemplo. É um problema ou outro, mas todos muito pontuais
e que não chegam a interferir no funcionamento da rede.
A
situação das UPAs é polêmica. A de Sobradinho chegou a
fechar. Como elas serão administradas sem os temporários?
É algo que
deveriam ter pensado quando as fizeram. Já que não pensaram, pensaram errado ou
pensaram certo e a economia despencou, o fato é que herdamos um quadro sério em
que todas as UPAs, sem exceção, foram criadas com a utilização de contratos
temporários cuja vigência terminava neste ano. Não pudemos renovar, concursados
chamados não vieram e tivemos a inciativa de transformar a carga horária de 20h
para 40h semanais. Acho uma das melhores soluções. Estamos condicionando essas
20h a mais à prestação de trabalho nas UPAs, especificamente.
Os
problemas no DF podem ser resolvidos com as organizações sociais de
saúde?
O caso do
Hospital da Criança assumir a pediatria do Hospital de Base gerou toda uma
polêmica. Lá não há novidade. Em 2011, o contrato foi assinado prevendo tudo o
que está acontecendo. Isso só não aconteceu antes porque a ampliação do
Hospital da Criança atrasou. Percebendo a fragilidade do sistema e conhecendo a
capacidade de trabalho, organização e velocidade que uma OSS, dá. Achamos justo
para a população permitir que seja atendida com o nível de qualidade.
Há
previsão de ampliar o uso de OSSs para outros setores da rede?
Há um
entendimento, ainda estudado, no âmbito da governança do governo. Não há nada
definido, mas a hipótese é estudada, como todas devem ser. Eu acredito que as
instituições podem muito bem funcionar sendo públicas, mas, quando se precisa
de agilidade, uma das formas é recorrer a uma instituição dessas.
Que ações
serão feitas a curto prazo para resolver problemas de pagamentos, compra
de insumos e redução das filas de espera?
A compra de
insumos, como é muito pontual, até a própria judicialização nos ajuda. Como são
produtos de pouco consumo, dá para contornar. Por isso, digo que hoje não tenho
problema. As questões de pagamento de servidores estão praticamente resolvidas,
para nosso alívio. O uso do superávit do Iprev, aparentemente, teria resolvido o
problema até dezembro. Os contratos da Sanoli, de vigilância e de limpeza
são os maiores e contabilizam mais de R$ 500 milhões. Como foi um ano
complicado e não conseguiu disponibilizar a dotação orçamentária
suficiente para fazer essas licitações, enrolou o ano todo. Estou
preparado para, agora no fim do ano, iniciar os processos licitatórios.
As filas são o problema mais sério. Na hora que eu resolver isso,
significa que resolvi os problemas da Saúde toda. Algumas filas maiores, como
mamografia, faremos mutirões para reduzir ao menos duas mil das cinco mil
pacientes.
O senhor
é o terceiro a ser anunciado na pasta e o segundo a assumir, de fato, a
cadeira. Isso traz problemas para a gestão?
Sim, cada
mudança de gestor traz várias mudanças que, ainda que sejam para melhor, mudam
o ritmo. E mostram o quanto a cadeira é difícil, pois são muitos
problemas e há uma gestão política imensa.
É,
também, o primeiro que não é médico.
Isso tem
vantagens e desvantagens. A vantagem é que não tenho o vício de achar normal o
que as pessoas têm visto ano após ano e nunca perceberam que era fora do
parâmetro. Não vou fazer cirurgia no coração de ninguém, então, não preciso ter
esse conhecimento. Preciso entender de norma do SUS, de como buscar
recursos. A saúde está sendo bem tratada, vai sair da UTI e vai
sobreviver, mas temos que tomar muito cuidado. Vai melhorar.
Fonte: Jornal de Brasília - Jéssica Antunes - Foto/Ilustração: Blog - Google