Cunha nega qualquer irregularidade e até a
existência de contas em nome dele no exterior: procuradores suspeitam do
pagamento de propina
E-mail apreendido pela Polícia Federal aponta que delator do esquema de corrupção enviou US$ 3 milhões para o exterior dois dias depois de reunião com o atual presidente da Câmara na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro
Documentos recolhidos pela Operação Lava-Jato
apontam que o lobista e delator Júlio Camargo — que diz ter sido cobrado a
pagar US$ 5 milhões ao deputado presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) —
retomou pagamentos de propina atrasados exatamente dois dias depois de uma
reunião do parlamentar na Petrobras. Ele iniciou a operação de remessa de US$ 3
milhões em suborno após encontro do peemedebista com o então diretor da Área
Internacional da petroleira, Jorge Zelada, um dos presos da Operação Lava-Jato.
A sequência de fatos consta de
mensagens de correio eletrônico da secretária de Zelada, de comprovantes de
pagamento exibidos pelo lobista e de depoimentos de outro operador do esquema
de corrupção na estatal: Fernando “Baiano” Soares.
O e-mail em questão pede
autorização para que Cunha entre pela garagem da sede da Petrobras, no Rio de
Janeiro, para se encontrar com o então diretor no heliponto da estatal. De
acordo com a mensagem eletrônica, o encontro ocorreu em 12 de setembro de 2010.
Informações contidas no Inquérito nº 4.146, instaurado pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) para investigar Cunha, apontam que Camargo deu início às
operações fraudulentas de câmbio para efetuar as remessas de dólares em 14 de
setembro daquele ano.
No e-mail, que confirma a reunião,
é mencionado também o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB). Ele
afirma, no entanto, que não conhece Zelada e que nunca esteve com ele. “Para
diminuir as cobranças, ainda em 2010, com o intuito de dar continuidade aos
pagamentos das propinas das sondas, entre 14 de setembro de 2010 e 29 de
dezembro de 2010, Julio Camargo promoveu a evasão e posterior reintegração de
US$ 3.074.498,87, através de três operações de câmbio, sob a falsa rubrica de
investimento no exterior, com o intuito de ter disponibilidade de valores em
‘caixa dois’ para pagamento de propina”, atesta a denúncia da
Procuradoria-Geral da República (PGR).
Eduardo Cunha nega qualquer
irregularidade e até a existência de contas em nome dele no exterior. A
Procuradoria-Geral da República (PGR) suspeita que o congressista recebeu
propina de dois esquemas diferentes na estatal. No primeiro, acusam o deputado
de embolsar pelo menos US$ 5 milhões de Júlio Camargo, que conseguiu que a
Petrobras comprasse dois navios do estaleiro Samsung em 2006 e 2007 por US$ 1,2
bilhão. No segundo caso, a suspeita é receber 1,3 milhão de francos suíços do
lobista João Augusto Henriques, que conseguiu fazer a petroleira comprar metade
de um campo de petróleo em Benin, na África, por US$ 34 milhões.
Navios-sonda
A sequência de fatos recolhidos pela Lava-Jato, ao menos num primeiro
momento, parece unir os dois esquemas. Em depoimento em colaboração premiada
com o Ministério Público, Baiano disse que Cunha lhe pediu doações eleitorais
em 2010. Em resposta, propôs a ele usar o nome do deputado para cobrar a dívida
de Camargo referente à venda dos navios-sonda. O deputado aceitou, segundo o
colaborador dos investigadores. Metade do dinheiro ficaria com Cunha, pelo
acordo entre os dois.
Camargo estava atrasando os
pagamentos da propina, que se arrastavam desde 2006. O último tinha sido feito
em meados de 2009. Em 2010, no ano da conversa com Cunha, os subornos voltaram
a ser pagos em 14 de setembro. Era exatamente dois dias depois que, “de ordem
de Jorge Luis Zelada”, segundo e-mail da secretária do ex-diretor, o deputado e
o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), usam o heliponto da estatal.
Era 12 de setembro, um domingo, e houve, “provavelmente, reunião de Eduardo
Cunha e Jorge Zelada”, segundo parecer do Ministério Público. A autorização era
para que o prefeito e o parlamentar voassem em helicóptero entre as 10h45 e
11h.
Paes disse ao jornal O Globo que
naquele domingo tinha agenda de campanha com Cunha naquele horário, mas não se
recorda de terem voado de helicóptero e disse desconhecer Zelada. O deputado
não comenta o assunto. O Correio tentou entrar em contato com o advogado de
Zelada, Alexandre Lopes/ no entanto, ele não respondeu ao recado deixado.
Dois dias depois do encontro,
Júlio Camargo inicia série de três depósitos no exterior de total US$ 3,07
milhões para quitar os compromissos com Baiano, que disse já utilizava o nome
de Cunha para fazer as cobranças. As remessas foram feitas em contas do próprio
Camargo no Banco Merril Lynch, nos EUA. Mas, com o dinheiro lá, ele tomou
empréstimo na instituição em nome de uma empresa do doleiro Alberto Youssef.
Segundo Camargo, o doleiro lhe entregou dinheiro em espécie no Brasil, que foi
repassado a Baiano. Já Baiano afirmou que os valores em espécie eram entregues
ao deputado Eduardo Cunha.
Cronologia
2010
Segundo o lobista Fernando Baiano,
o deputado Eduardo Cunha concorda com a proposta de obter doações eleitorais
por meio do uso de seu nome para cobrar o lobista Júlio Camargo por uma dívida
de US$ 16 milhões.
12 de setembro de 2010
E-mail mostra encontro entre o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha; o prefeito do Rio, Eduardo Paes; e o então
diretor da Petrobras Jorge Zelada na petroleira. Era época de uma negociação
para compra de poço petrolífero em Benin, costa oeste da África.
14 de setembro de 2010
O lobista Júlio Camargo retoma os pagamentos atrasados com Fernando
Baiano. Para isso, envia US$ 3,07 milhões para contas do exterior indicadas
pelo lobista que, a essa época, já estava em parceria com Eduardo Cunha.
Fontes: depoimentos
de Fernando Baiano e Júlio Camargo e e-mail da Petrobras
O caminho do dinheiro
Para investigadores da Lava-Jato, o encontro de
Cunha no heliponto da Petrobras é um dos principais caminhos para se comprovar
que o parlamentar praticou corrupção no caso do poço de petróleo em Benin. Para
outros crimes dos quais ele é suspeito — evasão de divisas, sonegação e lavagem
de dinheiro —, a existência de quatro contas na Suíça não declaradas já é
considerada prova robusta da participação do deputado nessas condutas
criminosas.
Para provar o crime de corrupção — o que normalmente é mais difícil —, a ideia é considerar que provável reunião de Zelada e Cunha no episódio do heliponto da estatal acontece em meio a uma sequência de decisões internas da companhia sobre a compra do campo de petróleo.
Em junho de 2010, a Petrobras fez várias avaliações técnicas para saber se compraria metade do bloco 4, que pertencia à Companhia Beninoise de Hydrocarbures (CBH), do português Idalécio de Oliveira, também dono da Lusitânia Petroleum. Em 12 e 23 de novembro de 2011, após o episódio do helicóptero, a petroleira brasileira envia propostas de compra às empresas do empresário português. Em 26 de novembro, Idalécio aceita o negócio. A diretoria e o conselho de administração da Petrobras autorizam a compra em dezembro de 2010 e janeiro de 2011, respectivamente.
Em 3 de maio de 2011, a Petrobras paga US$ 34,5 milhões à CBH. O dinheiro segue para a Lusitânia Petroleum, dali para o lobista Henriques e, a seguir, para uma conta de Cunha na Suíça. Tudo acontece entre maio e junho daquele ano.
Fonte: Eduardo Militão – João
Valadares – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google