Quando as urnas indicaram, no segundo
turno, que Rodrigo Rollemberg seria o novo governador da capital federal, os
brasilienses e, principalmente, os candangos suspiraram aliviados. Finalmente
um legítimo filho do cerrado (nascido no Rio de Janeiro em 1959, veio com a
família para Brasília em 1960) fora ungido com a nobre e árdua missão de
resgatar a cidade, depois de décadas, das mãos de forasteiros e alienígenas de
toda ordem.
Administrar uma cidade sui generis no mundo, patrimônio cultural da
humanidade, ícone do movimento modernista, erguida no momento de maior otimismo
dos brasileiros, era tarefa que cabia melhor a quem é do lugar e que habitou,
desde a infância, num gigantesco canteiro de obras e pôde assistir de perto
como se transforma sonhos e utopias em concreto armado.
Para aqueles que presenciaram o plantio das primeiras árvores, presas a
ligas de borracha a estacas de madeira da cor verde; do brotar dos gramados,
protegidos, com zelo, pelos fiscais DPJ, os graminhas, que muitas vezes
confiscavam a bola das peladas, sob protestos e sem cerimônias; para quem nadou
no Lago Paranoá ainda em formação ou mesmo o atravessava de jipe quando ainda
era só a cratera. Ou quem brincou nas areias junto às construções, nas
manilhas, e perambulou pela cidade, quase provinciana, tranquila e sob o céu
espetacular do cerrado; para todos esses que aqui experimentaram o idealismo
puro da juventude: e para os muitos anônimos que penaram os desvãos da vida,
despencando dos andaimes ou simplesmente sendo sepultados pelos desmoronamentos
de valas instáveis e profundas, numa época em que os direitos trabalhistas eram
solenemente ignorados.
É para todos esses que retirastes a espada encravada na rocha.
Governador é, antes de tudo, um saco de pancada, sujeito à ira constante da
população e sempre aquém dos desejos infinitos do cidadão. De toda forma, é
preciso ficar atento a um ponto essencial: nenhuma qualidade se destaca mais
num administrador, seja ele quem for, do que o amor verdadeiro pelo lugar. Esse
sentimento é mais intenso ainda quando ambos crescem juntos, atravessando
infância, adolescência e juventude. Há a necessidade do fazer, do aparecer, do
mostrar, do realizar. Quem votou com consciência precisa se convencer de que
votou bem.
A cidade se transformando além da janela, enquanto o espelho assiste
silente às modificações físicas do corpo e da alma. É essa identidade entre a
sua pessoa e a cidade que levou a maioria dos brasilienses a reconhecer em você
alguém qualificado para essa tarefa, que, muito mais do que uma posição de
destaque pessoal, é um lugar de onde o fogo arde com mais intensidade e onde o
sucesso e a ruína estão separados apenas pelo fio de navalha.
As chaves da cidade, depositadas em suas mãos, servirão tanto para abrir
portas de oportunidades para todos, como servirão também com serrar a passagem
dos aproveitadores, políticos oportunistas, especuladores e demais mercadores
de ilusões que sempre enxergaram a cidade como uma mercadoria de lucro rápido e
fácil. Cuide da cidade com se cuidasse de si, afinal ambos fazem parte do mesmo
conjunto, têm a mesma história. A diferença é que um é a semente e o outro, a
árvore frondosa de muitas sementes que virão.
A frase que foi pronunciada
“Se nos esquecemos de quem somos, o outro nos fará ser qualquer coisa.”
(Reni Szajnbrum)
Por: Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” –
Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google