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#MEIOAMBIENTE » Pressão populacional sobre a água

Caminhões-pipa fazem captação irregular de água no Rio do Cortado, em Taguatinga. Após denúncia do Correio, a Adasa informou que vai multar proprietários sem licença

Localizado em área de nascentes, o DF, que não para de crescer de forma desordenada, tem sentido os efeitos no abastecimento. Em 10 anos, os custos mensais com tratamento duplicaram. E as autoridades se veem obrigadas a buscar alternativas

A mancha urbana do Distrito Federal cresce de maneira contínua. O movimento mais veloz de ocupação ocorreu entre 1989 e 2006 — passou de 30.962 para 65.690 hectares. Porém, a dinâmica ambiental e de infraestrutura não acompanhou esse crescimento. Segundo levantamento da Secretaria de Meio Ambiente, das 41 unidades hidrográficas locais, 16 estão operando em capacidade máxima sanitária e de abastecimento. É o caso, por exemplo, dos rios Samambaia, Pipiripau, Ponte Alta e Melchior (veja quadro). Dessa forma, qualquer incremento de população pode causar danos irreversíveis aos recursos hídricos locais.

Com a mesma quantidade de água disponível para abastecer uma população que não para de crescer, os custos com tratamento sobem. Em 10 anos, o gasto mensal por milímetro cúbico com esgoto duplicou — em 2005, a Caesb pagava R$ 0,61; em 2015, subiu para R$ 1,32. Por mês, as 15 Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) limpam mais de 10,7 milhões de m³ de matéria orgânica. Só este ano, a Caesb gastou mais de R$ 170,4 milhões  em tratamento- média de R$ 14,2 milhões mensais. “A qualidade da água que chega às estações influencia diretamente no custo de tratamento”, explica Fábio Bakker, gerente de Gestão de Bacias de Mananciais da Caesb. Para ele, Brasília cresce além da capacidade de suporte dos rios. Atualmente, a Caesb tem eficiência de 80% a 95% no tratamento.

O Distrito Federal está localizado em uma área de nascentes. Estima-se que, das 20 mil existentes em toda a região de cerrado brasileiro, 5 mil estejam em território distrital. “As vazões dos rios são pequenas, o que diminui a capacidade de diluir a poluição gerada”, explica Jorge Werneck, pesquisador da Embrapa e presidente do Comitê da Bacia do Paranoá. Dessa forma, o consumo excessivo do escasso recurso hídrico coloca em xeque a qualidade e a disponibilidade da água da capital do país — regiões como Ribeirão São Marcos, Ribeirão do Torto e Ribeirão Extrema já estão com baixa quantidade de água disponível. Por isso, a urbanização não planejada é um problema que precisa ser combatido para não faltar água no futuro. “Não é impedir a cidade de crescer. Não é um mapa de não pode, é um mapa de consciência”, defende Maria Silvia, subsecretária de Planejamento Ambiental e Monitoramento da Secretaria de Meio Ambiente.

A urbanização em si não é considerada um problema, mas ela deve ser mais bem planejada, apontam especialistas. Cerca de 25% dos domicílios do DF estão em áreas irregulares. “Águas Claras e Arniqueiras, por exemplo, estão em regiões de nascentes, não poderiam ter sido habitadas. Tanto que é comum os prédios ficarem drenando água”, afirma Maria Silvia. Ela critica ainda o excesso de outorgas para poços artesianos e captação direta concedido pela Agência Reguladora de Águas do DF (Adasa). “A quantidade de água outorgável é menor que a outorgada. A Adasa está sendo muito permissiva.” Camila Campos, coordenadora de Informações Hidrológicas da Adasa, explica que não houve excesso de autorizações, mas um erro no banco de dados da agência, que já está sendo corrigido.

Mesmo as construções com aval do Estado precisam ser mais bem analisadas. “O Paranoá Park, que foi inaugurado há pouco tempo, é regular, mas ninguém planejou para onde vai o esgoto daquela nova população”, exemplifica Bakker, da Caesb. Os condomínios às margens da DF-140, também regularizados, devem concentrar mais de 1 milhão de pessoas e são vistos com receio pelos especialistas. “A gente tem que encarar a realidade. A população está muito grande, precisa jogar os dejetos em algum lugar. Por isso, alguns rios vão ficar comprometidos. O que a Adasa tem feito é tentar minimizar o impacto”, justifica Camila Campos.

Para reforçar o sistema de abastecimento do DF, os pontos de captação devem crescer e sair das fronteiras do quadrilátero. A partir do ano que vem, o DF terá abastecimento de água do Ribeirão Bananal; em 2017, haverá a implantação do Corumbá IV, em parceria com o estado de Goiás. A partir de 2018, o Lago Paranoá também será outorgado para abastecimento. “Mas o DF precisa melhorar a condição dos rios, porque esses rios desembocam tanto no Paranoá quanto no Corumbá, que servirão para o abastecimento”, comenta Werneck.
O bairro de Arniqueiras foi construído em cima de nascentes. No Ribeirão Ponte Alta, do Gama, bombas irregulares captam água. O lixo nas margens dos mananciais contribui para o assoreamento



Recarga dos aquíferos
Além de os rios serem pequenos, a capacidade de recarga desses mananciais está comprometida. Segundo Maria Silvia, a mancha urbana cresceu nas superfícies planas do DF, no sentido sul, justamente onde a água da chuva deveria infiltrar com mais facilidade. “Do ponto de vista da construção civil, construir em área plana é muito melhor, mas nessas áreas  os aquíferos são abastecidos. Com a impermeabilização, a água não entra; por isso, quando chove, vêm as enchentes”, explica. Cidades como Ceilândia, Taguatinga, Samambaia e Gama foram construídas no anel prioritário de recarga. Maria Silvia defende também mudanças na drenagem. Ela explica que o modelo de tubulões é antigo e precisa ser repensado. “Os tubos levam a água suja da chuva para os rios mais distantes. Na verdade, o correto é que as próprias regiões absorvam a água que choveu nelas. Por isso, estamos na briga para as casas de Vicente Pires terem 20% de área verde e para que as chácaras sejam mantidas.”

O secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade, afirma que a política habitacional dos próximos anos vai centrar na economia de recursos naturais. “Nossa diretriz será a de ocupar os espaços vazios que o DF ainda tem, para só depois começar novas regiões habitacionais.” De acordo com o secretário, todas as políticas de fiscalização serão centradas em ocupações irregulares que estejam em áreas de proteção ambiental, como ocorreu com o Nova Jerusalém, em Ceilândia, e a desocupação da orla do Lago Paranoá.

Captação irregular
O consumo irregular da água, o despejo direto de dejetos e o lixo à beira dos rios tornaram-se preocupação de especialistas. Como a disponibilidade é baixa, o planejamento de uso da água deve ser bem orquestrado para os múltiplos usos humanos. Por isso, quem usa a água sem a documentação necessária afeta todo o abastecimento e o tratamento de esgoto. “A Caesb projeta um tratamento para uma demanda.Aí vêm aos lançamentos clandestinos e jogam os dejetos, sujando toda a água tratada”, explica Bakker.

A captação irregular à beira do lago e dos rios que cortam o DF e os poços artesianos ilegais são comuns, o que contribui para diminuir a vazão do rio e a oferta de água. Em apenas uma manhã, o Correio flagrou uma bomba na beira do Rio Ponte Alta, no Gama, e dois caminhões-pipa tirando água do Rio do Cortado, próximo à Avenida Elmo Serejo, em Taguatinga, onde apenas um deles tinha autorização da Adasa. Após a denúncia, o órgão informou que vai notificar e multar o caminhão sem autorização.

Alerta - Unidades hidrográficas que operam no limite
» Alto Rio Samambaia
» Alto Rio Maranhão
» Alto Rio Preto
» Alto Rio São Bartolomeu
» Córrego São Bernardo
» Médio Rio São Bartolomeu
» Ribeirão do Torto
» Ribeirão Extrema
» Ribeirão Papuda
» Ribeirão Ponte Alta
» Ribeirão Rodeador
» Ribeirão Sobradinho
» Rio Alagado
» Rio Jardim
» Rio Melchior
» Rio Pipiripau

Ranking - Campeões de consumo de água por litros/habitante/dia

» 1º Rio de Janeiro: 253
» 2º Maranhão: 231
» 3º Amapá: 195
» 4º Espírito Santo: 191
» 5º Distrito Federal: 190
» 6º São Paulo: 188
» 7º Rondônia: 184
» 8º Mato Grosso: 165
» 9º Minas Gerais: 159
» 10º Amazonas: 159

R$ 14,2 milhões - Valor gasto por mês pela Caesb com tratamento de esgoto

Para saber mais - A importância do Cerrado 
O Cerrado está localizado no meio da região do Planalto Central. Por ser uma parte alta, o bioma funciona como uma espécie de guarda-chuva para o território, além de ser um grande reservatório. Por isso, o Cerrado é conhecido como “pai das águas do Brasil” ou “berço das águas”. Pelas características do solo, o bioma tem boa capacidade de infiltração da água da chuva e de armazenamento dessa água. 

No cerrado, há duas estações bem definidas: uma chuvosa e outra seca, com pouquíssima chuva. Então, graças a essa capacidade do solo de infiltrar e armazenar a água e de liberá-la de forma mais lenta, o bioma acaba funcionando como um grande reservatório e consegue abastecer os rios, inclusive no período seco. Por estar na região alta e central, o Cerrado tem papel fundamental também na distribuição dessa água pelo território brasileiro e sul-americano, principalmente na Bacia do Rio da Prata. As bacias do São Francisco, do Rio Paraná e de Tocantins, além do Pantanal, acabam recebendo água do Cerrado.


Fonte: Flávia Maia – Fotos: Gustavo Moreno/CB/D.A.Prees – Daniel Ferreira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense




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