A artista sob a sua principal criação: os vitrais da Catedral de
Brasília. A obra foi desenhada em tamanho natural no chão do ginásio Nilson
Nelson
Aos 87 anos, a artista plástica franco-brasileira será homenageada com o
lançamento de um catálogo da sua obra. Única mulher a integrar a equipe de
Niemeyer, Marianne é autora de esculturas e painéis que embelezam monumentos da
capital
Autora de vitrais, esculturas e painéis que deram
cor ao concreto dos principais monumentos de Brasília, Marianne Peretti foi a
única mulher a fazer parte da equipe do arquiteto Oscar Niemeyer durante a
construção da capital. Com o lançamento do livro A Ousadia da Invenção (B52
Desenvolvimento Cultural e Edições Sesc-SP), a obra da artista plástica
franco-brasileira finalmente começa a ser colocada no mesmo patamar do trabalho
de homens com quem ela trabalhou durante a construção da cidade. “Com esse
projeto, os grandes especialistas do vitral na França reconhecem que a obra
dela tem a mesma importância e valor que a de outros mestres modernistas já
consagrados mundialmente, como Matisse e Chagal”, afirma Tactiana Braga,
organizadora do livro.
Além disso, garante, esta é a chance de os
brasilienses conhecerem o que Peretti produziu além dos vitrais que dão vida à
Catedral. “Acho que Brasília ganha uma oportunidade especial de tirar o véu dos
olhos e perceber a Marianne que está todos os dias no cotidiano da cidade,
assim como tantas outras grandes artistas, engenheiras, arquitetas e
professoras”, comenta Tactiana. O lançamento será celebrado amanhã, por
iniciativa do embaixador da França no Brasil, Laurent Bili. Em 348 páginas, a
produção da artista é mostrada não somente em imagens do que está na capital,
mas também nas palavras de quem estuda seu trabalho. Inclusive, há uma carta de
Niemeyer – até então inédita.
O trabalho de Peretti pode ser apreciado em espaços públicos e
monumentos da cidade, como o Teatro Nacional, o STJ e o Congresso
“Vou dizer como me emocionava vê-la durante meses
debruçada a desenhar os vitrais da Catedral de Brasília. Eram centenas de
folhas de papel vegetal que, coladas, representavam um gomo da Catedral. Um
trabalho que diria corresponder aos velhos tempos do Renascimento, quando,
apoiados pelos príncipes daquela época, os pintores e escultores executavam
obras extraordinárias. Não acredito que, mesmo naqueles velhos tempos, um
vitral de tal vulto tenha sido realizado”, escreveu o arquiteto. Laurindo
Pontes, também organizador do projeto, explica que a falta de publicações
direcionadas ao trabalho de Peretti foi um dos principais motivos para o início
dos estudos.
Ainda na ativa, aos 87 anos, a artista abriu sua
casa, em Olinda (PE), aos produtores do livro. Ela deu depoimentos, além de
apresentar fotos e croquis de suas obras – entre murais, vitrais e esculturas.
“Era preciso registrar a riqueza do que Marianne fez. Ela foi arredia no
início, não deixava que abríssemos as gavetas”, recorda Laurindo, “mas, com o
tempo, permitiu que conhecêssemos mais do seu desenho moderno e contemporâneo”.
Para Tactiana, ao reforçar a importância do que foi produzido por Peretti, o Brasil
não garante somente um ícone na arte mundial, mas ganha um exemplo de quem usou
o talento para repassar uma mensagem. “Um sentido maior e idealista de uma
mulher que fazia uma obra libertária em pleno apogeu da ditadura, como um grito
de guerra sutil, mas verdadeiro”, exemplifica a organizadora da publicação.
Obra-prima
Não foi fácil convencer Marianne Peretti a criar
sua obra mais conhecida: os vitrais da Catedral Nossa Senhora Aparecida. A
artista conta que foi preciso muita insistência de Oscar Niemeyer para que o
projeto se concretizasse. Afinal, junto a todo o esforço necessário para tirar
a ideia do papel, era preciso vidro soprado suficiente para cobrir uma área de
dois mil metros quadrados.
Mas a grandiosidade do projeto não era o único
obstáculo. Além de ter sofrido com grupos de arquitetos que não aceitavam os vitrais,
Peretti ainda teve de encontrar um local com o mesmo tamanho da Catedral: a
artista desenhou tudo em tamanho natural, no piso do ginásio Nilson Nelson.
“Ela tem um problema na coluna até hoje por conta disso”, frisa Laurindo
Pontes.
Niemeyer também escreveu sobre a Catedral.
“Marianne Peretti é uma artista de excepcional talento. Os vitrais maravilhosos
que criou para a Catedral de Brasília são comparáveis, pelo seu valor e esforço
físico, às monumentais obras da Renascença. Sua preocupação invariável é
inventar coisas novas, influir com seu trabalho no campo das artes plásticas.
(...) E o desenho magnífico, livre, solto, coberto de coragem e fantasia”. Além
da Catedral, seus vitrais em Brasília podem ser encontrados no Panteão da
Pátria, Palácio do Jaburu, Superior Tribunal de Justiça, na Câmara dos
Deputados e no Memorial JK.
“Só o legado que ela dedica à capital do Brasil,
com obras monumentais e toda a força de um vitral moderno, é suficiente para o
vasto trabalho que tivemos ao assumir esse desafio. Ainda fico constrangida ao
abrir os livros de história da arte do Brasil e ver que, no capítulo do
modernismo, não há nenhuma citação à Marianne”, finaliza Tactiana Braga.
Por:
Rafael Campos – Fotos: Daniel Ferreira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense