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DIREITO DO CONSUMIDOR >> ENTREVISTA: JULIANA PEREIRA » Telecomunicações estão na mira

"Com as redes sociais, individualmente, a pessoa faz um estrago na imagem da empresa. Temos consumidores mais ativos e o sistema de defesa do consumidor também está mais fortalecido"

Segundo a secretária Nacional do Consumidor, o alvo do órgão este ano será a relação do cliente com as novas tecnologias. A paulista afirma que não falta punição no país, mas a execução real das multas de empresas recorrentes

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) tem uma cara desde 2012, quando foi criada pelo Ministério da Justiça (MJ). A paulista Juliana Pereira teve a responsabilidade de coordenar os trabalhos e exerce a função até hoje. A carreira da secretária começou no Procon de Franca, interior paulista. Em 2003, ela veio para Brasília trabalhar no MJ como assessora especial da Secretaria de Direito Econômico. Mais tarde, assumiu a coordenadoria-geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) e, depois, acabou nomeada diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, cargo em que ficou de novembro de 2010 a julho de 2012, quando assumiu a Senacon.

Desde então, trabalha protegendo as relações de consumo. Em entrevista ao Correio, Juliana se lembra do desafio de criar políticas públicas eficientes para um consumidor cada mais complexo, exigente e multifacetado. A secretária defende a modernização do Estado na prestação dos serviços públicos e ataca o caráter protelatório das empresas em questionar na Justiça as multas milionárias aplicadas pelo órgão. Para ela, é preciso que os juízes exijam um depósito caução para que a multa realmente seja vista como punição e para que as empresas melhorem os serviços para os clientes.
"Falar que o Código de Defesa do Consumidor não vale para um segmento de economia é discurso naftalina, velho. O discurso deve ser o de estar mais aderente à proteção do consumidor"

O Código de Defesa do Consumidor comemorou 25 anos em 2015. O perfil do consumidor tem mudado de lá pra cá?
Nos anos 1990 e talvez até o início dos anos 2000, nós, consumidores, éramos manifestantes com o megafone na praça. Por exemplo, ninguém nos ouviu nas privatizações dos serviços públicos. O consumidor não era um tema de relevância em economia. Era uma outra realidade. Mas isso mudou: o Brasil passou a ter mais consumidores e, em paralelo, surgiu a sociedade de informação. Assim, a população, de uma maneira ou de outra, organizada ou não, reivindica mais. Não precisa de sindicato, de uma associação. Com as redes sociais, individualmente, a pessoa faz um estrago na imagem da empresa. Temos consumidores mais ativos e o sistema de defesa do consumidor também está mais fortalecido. Em duas décadas, o consumidor sai da praça com o megafone, entra e senta à mesa para discutir a relação de consumo. Não foi uma mudança do dia para a noite.

Qual foi a principal conquista de 2015 na defesa do consumidor?
Nós fizemos um trabalho mais aprofundado na área de plano de saúde. 2015 foi o ano em que a gente inaugurou uma metodologia que quer avançar em 2016. A defesa do consumidor, hoje, não pode ser aquela que diz “está tudo ruim, esses planos de saúde não prestam etc”. Tem novidade disso? Não tem. Não pode se juntar à vala comum. Em 2015, resolvemos priorizar um tema e trabalhar nele — sem deixar os outros assuntos de lado. Qual é o diagnóstico desse setor? Nós não temos o direito de sermos rasos… Precisamos ouvir outros especialistas, não só nós mesmos. Temos que chamar o profissional de saúde, a operadora grande, a pequena, a administradora, a agência. Depois, investimos em sugestões e, terminando o trabalho, apresentamos os resultados e fazemos uma agenda da defesa do consumidor para a saúde suplementar. É que a gente multa e o consumidor diz: “ok, multaram, mas e o meu problema?”. Vivemos, hoje, em uma sociedade em que você não pode dar as mesmas respostas.
A Senacon não encontrou barreiras com as operadoras?
Barreiras, a gente tem toda hora.

A gente vê um discurso por parte dos setores regulados de que caberia às agências, e não à defesa do consumidor, cuidar da relação entre empresa e cliente. Como a Senacon enxerga isso?
Esse é um discurso ultrapassado. Falar que o Código de Defesa do Consumidor não vale para um segmento de economia é discurso naftalina, velho. O discurso deve ser o de estar mais aderente à proteção do consumidor. Porque o consumidor hoje, mais que há 25 anos, reivindica os seus direitos. Se uma empresa se esconde atrás do seu órgão regulador, se esconde atrás de qualquer máscara, vai, a médio prazo, perder mercado.

O portal consumidor.gov surge depois de muitos sites já prestarem um serviço similar na resolução de conflitos de consumo. Quais são as perspectivas em relação a ele?
O ano de 2015 foi de consolidação do consumidor.gov. Esse é um sistema com alto índice de resolução. Trouxemos mais empresas para este ambiente, apertamos o monitoramento do que acontece no portal e o poder Judiciário virou um aliado. O consumidor.gov não é um muro de lamentações, nem um site privado. É do Estado. Tem apoio dos Procons, dos Ministérios Públicos, das entidades e dos tribunais. O serviço público do século XXI tem que sair do escritório e ir para a realidade. Essa visão de que o cidadão tem que fazer fila a fim de chegar ao serviço público é uma visão ultrapassada. O brasileiro paga imposto caro e precisa ter qualidade. O consumidor.gov é a resposta de como a Senacon leva uma coisa direta para o consumidor. O consumidor que levanta, pega o ônibus e vai trabalhar. Afinal, para que serve a Senacon? Essa visão de em que medida o serviço público é útil para mim, considerando que eu pago altos impostos, é uma visão que está na boca do povo.

Uma iniciativa como o consumidor.gov, mais próxima do consumidor, traz mais resultados do que uma multa, por exemplo? Ou são proteções diferentes?
São dois espaços que caminham lado a lado. O Código tem 25 anos. Se a gente pegar todas as multas aplicadas desde a criação do primeiro órgão público, a gente vivia na Suíça. Todo mundo aplica multa. O Estado não pode ser leniente, ele tem que ser investigativo, punitivo. Agora, o Estado precisa se reinventar. A Senacon quer ir além das multas, quer criar um ambiente de competitividade, com espaços de debate, como o consumidor.gov. Assim, eu comparo empresas do mesmo setor e crio estímulos.

O dinheiro das multas vai pro Fundo de Direitos Difusos. Ele ainda é pouco utilizado?
É extremamente pouco utilizado. Ano passado foi abaixo de 5% do valor que possuía. É complicado de usar porque tem vários órgãos envolvidos nesse processo. Por isso, a gente tem que reinventar.

Um discurso recorrente é o de que o Brasil deveria punir mais as empresas que desrespeitam o consumidor. A senhora acha que falta punição no país?
Eu não acho que falta punição. Eu acho que há impunidade na execução das sanções. Eu sou vítima disso. De cada 10 multas que a Senacon aplica contra as empresas, 9,9 vão para o Judiciário. E poucas são canceladas. Quer dizer que o trabalho que fazemos aqui guarda uma coerência procedimental. As empresas se insurgem contra as multas, menos pelo mérito e mais para ganhar tempo para pagar. A empresa usa a Justiça para procrastinar a punição, por isso, eu acho que os juízes tinham que determinar em caso de recurso uma caução. A punição é de fato quando você tira o dinheiro do caixa da empresa e vem pro caixa do Estado. Por isso, a gente foi buscando outros mecanismos. Por exemplo, desde que a lei do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) foi criada, em 2008, foram aplicados mais de R$ 50 milhões em multas. Quantas estão pagas? Nenhuma.

Consumo via novas tecnologias, o Uber, as ligações de WhatsApp, a contratação do AirBnB, tudo isso virou um embate com os setores mais tradicionais. Na opinião da senhora, essa nova forma de consumo está protegida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou é preciso regulamentar?
Quando você abre o CDC, ele explica quem é o consumidor, o fornecedor, e diz que aquilo que circula entre os dois é relação de consumo. Isso é regulamentado pelo código. Dessa forma, a contratação via Uber, WhatsApp etc. estão protegidas. A empresa que atua no Brasil está sujeita às leis brasileiras. Uber, AirBnB, WhatsApp, todo mundo tem que cumprir o Código de Defesa do Consumidor. Não é plataforma, mas a forma de prestação. A lei regula a relação independentemente da maneira que ela é prestada. Do ponto de vista da concorrência, isso é muito bom para o consumidor. A tecnologia chega e vai continuar chegando. Houve polêmica na história da etiquetadora, da sacola plástica, do uso do código de barras, gerou polêmica. O mundo muda e o CDC abarca essas novas tecnologias.

O setor de telecomunicações sempre está no topo das reclamações. Qual é a estratégia para esse setor em 2016?
Vamos usar, com as telecomunicações, a mesma metodologia que fizemos com plano de saúde no ano passado. Hoje, a busca de soluções exige diálogo com o mercado. Quando o setor mudou a forma de comercializar a internet móvel, houve grande levante dos consumidores e, agora, está judicializado. Para nós, da Senacon, uma luz de alerta foi acesa: o uso do smartphone cresceu vertiginosamente e, por isso, o consumidor usa, cada vez mais, a internet móvel. Tudo está em aplicativo: o banco, a rede social, o serviço do estado, a compra. Isso deixa o consumidor cada vez mais refém dessa tecnologia. Por isso, a gente precisa focar a atuação na internet móvel: por onde caminha esse serviço? O consumidor realmente sabe o que ele contrata e o que ele usa? Quando ele baixa um vídeo, quanto ele gasta do pacote? Às vezes, o consumidor procura o Procon dizendo que foi cobrado indevidamente e nem foi. Esse tipo de informação ainda é uma dificuldade do setor e gera muito conflito. É preciso mais transparência nos pacotes e nos gastos. A nova relação do consumidor com a tecnologia é uma agenda superprioritária.

A lista de produtos essenciais para garantir a troca imediata de uma mercadoria sai em 2016? 
A presidente prometeu que essa lista sairia em 2013 e até agora… Não está mais na minha governança. Foi a Senacon que fez a lista, com as empresas. A gente abriu a discussão porque as empresas reclamaram muito de ter que trocar imediatamente. Chegamos a um acordo técnico de um prazo para capitais e regiões metropolitanas, e outro diferente para interiores. Mandamos para o Congresso. A missão confiada a mim foi cumprida; agora, não está comigo mais.



Fonte: Rodolfo Costa – Flávia Maia – Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press – Correio Braziliense

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