Os irmãos Lucas e Paulo Mateus Navarro já circulam
sobre duas rodas em parte da pista separada por cones: projeto melhorará a
mobilidade e estimulará o uso da bicicleta
pesar de projeto pronto e aprovado, ciclistas,
motoristas e administradores regionais divergem quanto à eficácia das pistas
exclusivas para bicicletas na cidade. Especialistas defendem que a comunidade
deve ser educada para usar as ciclofaixas
A mobilidade urbana virou polêmica em
Águas Claras. Projeto de implementação de ciclovia e ciclofaixas para integrar
o metrô com as vias da cidade é ponto de discórdia entre moradores e
administração regional. Enquanto administradora da cidade, Patrícia Veiga
Fleury, que deixou o cargo em 6 novembro do ano passado, disponibilizou
técnicos do órgão para auxiliar nos estudos das faixas exclusivas e
compartilhadas. O Departamento de Trânsito (Detran) aprovou o levantamento em 3
de dezembro, e as pistas da cidade estão prontas para receber parte da sinalização
horizontal. O atual administrador, Manoel Valdeci Machado Elias, no entanto,
convocou uma segunda consulta pública e colocou cones nas ruas, causando
dúvidas e confusão.
De acordo com o Projeto Mobilidade
Ativa (veja ilustração), a nova ciclovia não diminuirá o número de faixas nas
principais vias de Águas Claras. Mas elas serão diminuídas para a marcação da
pista exclusiva de bicicletas. A velocidade máxima também cairá de 60km/h, nas
principais pistas, para 50km/h. Nas internas, a velocidade será de 30km/h ou
menos. Apesar de adiantada, a iniciativa também divide a população. Os irmãos
Lucas e Paulo Mateus Navarro, de 27 e 22 anos, concordam com as mudanças. “O
governo precisa informar melhor os motoristas para que funcione. É preciso
conscientizar, pois passamos por muitos apertos”, alerta Lucas. “O projeto
melhorará a mobilidade e estimulará o uso da bicicleta. Certamente, diminuirá o
número de carros nas ruas”, completa Paulo.
O estudante Victor Yamada, 21, e a
empresária Lorrayna Barbosa Leita, 24, são contra o projeto. “Vai atrapalhar o
trânsito na região, principalmente nas vias mais importantes. O governo deveria
fazer a implementação apenas em alguns pontos da cidade, integrando parque e
metrô, por exemplo. Não acredito que as pessoas deixarão o veículo na garagem”,
diz Yamada. “Eu acho a iniciativa válida, mas é inviável para as vias
principais da cidade, por causa da falta de espaço. Aqui, o trânsito é sempre caótico”,
relata Lorrayna.
Responsável pela aplicação do
Mobilidade Ativa em Águas Claras, o subsecretário de Áreas Temáticas da
Secretaria de Gestão do Território e Habitação, Vicente Correa Lima Neto,
reconhece que o andamento do projeto ficou mais lento com a mudança de gestão
na administração, mas ameniza o problema. “A aprovação do Detran só saiu em
dezembro. Logo depois, veio o período de fim de ano, quando as coisas caminham
mais devagar, e as chuvas também atrapalham a execução”, explica. Mas Vicente
prevê que o projeto fique pronto até o fim de setembro. “Toda a parte
burocrática foi tocada com a gestão anterior da administração regional. Uma
rediscussão é algo natural. O governador já deu a ordem para implementarmos.”
Segundo o subsecretário, a primeira
etapa será implantada na Avenida das Araucárias. A segunda alcançará a Avenida
Castanheiras, até que todas as vias estejam sinalizadas. Apesar de não citar
números, Vicente afirma que as duas principais vias de Águas Claras são as
campeãs em acidentes com ciclistas nos últimos quatro anos. “Na última consulta
pública, apresentamos novamente o projeto para a comunidade. Temos um
responsável técnico e um projeto aprovado. Não faremos nada à revelia da norma
e não causaremos um ambiente inseguro para os ciclistas, que, hoje, transitam
entre os carros. Nós estamos organizando o espaço público”, argumenta.
Dever
O administrador Manoel Valdeci avalia
que a gestão anterior não ouviu os moradores de Águas Claras e, a cada 10
reclamações, oito são por causa do Mobilidade Ativa. “Ele foi aprovado pelo
Detran, e a ordem para implementar é do chefe do Executivo. Não somos contra,
mas temos de ouvir a população”, reforça.
A presidente da ONG Rodas da Paz,
Renata Florentino, lembra que a administração de Patrícia Fleury ouviu a
comunidade por meio de consulta pública. “Nenhuma ciclovia ou ciclofaixa piorou
o trânsito em todo o mundo. É dever da administração humanizar o trânsito. É
preciso explicar para a comunidade as vantagens, é preciso educar”, conclui.
Alerta à educação
Especialistas alertam que, se o governo
não investir em educação no trânsito e não garantir a prioridade do ciclista
nos cruzamentos de Águas Claras, a instalação de ciclovias, ciclofaixas e vias
compartilhadas não será suficiente para melhorar o trânsito. Pesquisador do
Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) da Universidade de
Brasília (UnB) Flávio Dias diz que esta é a terceira gestão do GDF a construir
essas vias, e nenhuma delas resolveu a situação. “A ideia de integrar (Águas
Claras) e o metrô da cidade com vias exclusivas e compartilhadas é boa.
Atualmente, as ciclovias e as ciclofaixas do DF não vão a lugar nenhum”,
explica.
O professor Harmut Günther, do
Departamento de Psicologia da UnB, lembra que “rejeitar mudanças é uma
tendência do ser humano”. “É preciso deixar claro para a população como será a
convivência. As cidades que são exemplo em uso de ciclovias no mundo enfrentaram
a resistência de parte da população. E cada local tem uma característica
diferente que dificulta a implementação dessa cultura. Essas pistas são
positivas em diversos níveis, mas, sem educar a comunidade, a implementação
pode ser um erro político sério”, avalia.
Em nota, a Secretaria de Mobilidade
informou que “está contratando um estudo para o diagnóstico de toda a malha
cicloviária implantada”. O levantamento servirá para atualizar a quilometragem
e indicar os locais em que falta sinalização ou iluminação. Com o diagnóstico,
o GDF pretende “estabelecer as prioridades”.
CARA A CARA - Luís Antônio
Higino, 34 anos, analista de sistemas
“As ciclofaixas nas duas principais
avenidas da cidade trarão risco para os ciclistas. São vias estreitas e geralmente
os motoristas não respeitam quem está de bicicleta. Além disso, estamos falando
de pistas onde temos engarrafamentos até no domingo. Em um dia de chuva, eu
fiquei preso no trânsito e demorei quase uma hora e meia para percorrer um
trajeto que, a pé, faria em 10 minutos. E se o governo colocar ciclofaixa e
depois vier com uma faixa exclusiva para ônibus, por exemplo, não haverá mais
espaço nenhum para o carro.”
Erisvaldo Lima Dantas, 45 anos,
comerciante
“Eu moro e trabalho na cidade e evito
usar a bicicleta como meio de transporte por causa da falta de espaço. Isso é
crítico em Águas Claras. Prefiro pedalar a dirigir e, com o projeto do governo,
eu passarei a usar a bike como meio de transporte. Será um carro a menos nas
ruas, muito mais espaço para todos. O meu filho também é ciclista e gostaria de
usar a bicicleta para ir à escola, por exemplo, mas ficamos com medo. O aumento
no número dessas vias exclusivas e compartilhadas é uma tendência. Várias
cidades do DF já têm e também precisamos delas aqui.”
Fonte: Luiz Calcagno – Foto:
Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense