Jailson foi preso em flagrante em uma pequena mercearia no interior da
Bahia, quando tentava pagar duas cervejas com uma nota falsa de R$ 50. O
atendente do caixa desconfiou da cédula, fingiu que tinha que pegar o troco lá
dentro e ligou para a polícia. Ao ser interrogado, Jailson, que nunca antes
tinha entrado em uma delegacia, confessou não ter resistido à proposta do
companheiro dos jogos de sinuca de fazer um negócio pouco arriscado e muito
lucrativo: trocar uma nota de R$ 20, verdadeira, por duas falsas de R$ 50. Ele
olhou bem para o dinheiro e concluiu que lucraria R$ 80 na moleza. Terminou
como réu confesso de um crime cuja pena vai de 3 a 12 anos de prisão. O juiz,
diante das circunstâncias, aplicou a pena mínima e, em vez de mandá-lo para a
penitenciária, colocou-lhe uma tornozeleira eletrônica. Menos um réu, primário
e não violento, a ingressar no sistema carcerário que é deficitário,
ineficiente e está longe de propiciar a reabilitação de quem quer que seja.
Dizem que
o criador do sistema de monitoramento eletrônico de presos foi um juiz
norte-americano que se inspirou no desenho animado do Homem-Aranha. Parece
mentira, mas não é. Em um dos episódios, o vilão da história coloca no herói um
bracelete que controla os seus movimentos. Um perito em eletrônica foi
contratado para desenvolver aparelho semelhante, que passou a ser utilizado em
caráter experimental. Hoje há pelo menos 100 mil pessoas controladas por esse
sistema nos Estados Unidos. A tornozeleira eletrônica consiste em um
dispositivo com tecnologia GPS que emite sons de alerta ou vibra quando o
monitorado sai da área de circulação que lhe é permitida. A pessoa que a usa
não pode retirá-la em nenhuma hipótese, nem para dormir ou tomar banho.
Sua
utilização é acompanhada por centrais que funcionam 24 horas para controlar o
dia a dia dos detentos. No Brasil, ela é permitida desde 2010 para os casos de
condenados ao regime de cumprimento da pena em prisão domiciliar, ou que tenham
que sair temporariamente do presídio para trabalho externo. A lei autoriza o
uso também para os presos provisórios, ainda não condenados, mas cuja prisão
foi determinada pelo juiz enquanto duram as investigações. Há ainda os casos em
que outro equipamento é utilizado — a UPR — unidade portátil de rastreamento.
São eles úteis nos casos de violência doméstica, da Lei Maria da Penha, em que
o agressor e algumas vezes também a vítima devem ser vigiados pela polícia.
Estudo
apresentado no fim do ano passado pelo Ministério da Justiça revelou, no
entanto, que apenas 18 mil pessoas estão usando a tornozeleira, o que
representa cerca de 3% dos detentos em todo o país. Esse é dado muito
interessante. O Conselho Nacional de Justiça já apurou que a população
carcerária no Brasil é uma das mais altas do mundo: cerca de 700 mil pessoas.
Entre elas, 40% são presos provisórios, ou seja, indivíduos ainda não
condenados, mas que já experimentam as agruras de uma prisão. Se considerarmos
que o custo mensal de um preso monitorado fica em média R$ 300 e, nos
presídios, o custo vai de R$ 1.800 a R$ 4 mil, é fácil concluir que, aplicada
corretamente, se não a todos, mas pelo menos a grande parte dos presos
provisórios, a medida resultará em considerável economia. Isso sem contar o
auxílio-reclusão, que o Estado paga aos parentes do encarcerado.
Uma das
conclusões do documento, no entanto, é de que os juízes ainda a utilizam muito
pouco e que há necessidade de uma política nacional para a sua implementação,
que apresenta, como era de esperar, muitas falhas. A maior parte das centrais
de monitoramento não conta com equipes de psicólogos, assistentes sociais ou
mesmo técnicos de eletrônica para auxiliar em casos de problemas com o
aparelho. Há situações em que os presos têm que ficar horas plugados às tomadas
para abastecer o equipamento — em geral, de má qualidade. Outros passam dias
com o aparelho com defeito, buzinando sem parar.
Por seu
lado, não há ainda, na maioria dos Estados, uma estrutura de apoio à
ressocialização dos presos que se encontram nesse sistema. Parece fora de
dúvida, no entanto, que, funcionando bem, a medida desafogará, a curto prazo, o
sistema carcerário brasileiro. Poderá ainda impedir que os autores de pequenos
delitos, cometidos sem violência ou grave ameaça às pessoas, convivam no mesmo
ambiente prisional com indivíduos condenados por crimes bárbaros. Isso sem
contar a economia para os cofres públicos e a redução dos índices de
reincidência. Os investimentos para o aprimoramento do setor são pequenos em
face dos benefícios. Mas falta vontade política. Faltam gestores. Falta, enfim,
o que ficou raro ultimamente: gente com vontade de arregaçar as mangas e
resolver o problema.
Fonte: Mônica Sifuentes - Desembargadora Federal – Fonte: Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google