Alexandre Camanho de Assis
Procurador regional da República
A decisão do juiz Sergio Moro de abrir o sigilo das
investigações sobre o ex-presidente Lula provocou controvérsias. Acha que ele
agiu dentro do que prevê a Constituição?
A Constituição protege o sigilo das comunicações
telefônicas, salvo por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal. Essa disposição, lida com outras duas — a da
proteção da intimidade e a da publicidade dos atos processuais —, aponta para a
licitude do levantamento do sigilo, porque uma interceptação telefônica
judicialmente autorizada só deveria permanecer sigilosa se expusesse uma
intimidade ou prejudicasse a própria investigação, o que não é o caso.
O fato de a presidente da República, Dilma
Rousseff, ter uma conversa interceptada e divulgada sem autorização do STF
configura ilegalidade?
Não é raro que, em uma diligência judicialmente
ordenada, a polícia encontre provas de outro crime fora da diretriz da
investigação. Este encontro fortuito não é ilegal, se o alvo da diligência
estava sendo investigado pelo juiz natural.
Da Suíça, o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, disse que o Ministério Público tem "couro duro". O que
acha que ele quis dizer?
O procurador-geral tem três décadas de atuação no
Ministério Público e viveu inúmeros momentos de tensão, enfrentamento e pressão
de investigados. Essa vivência — que é comum a todo membro do Ministério
Público — desenvolve uma resistência a essas trepidações, a ponto de elas serem
absorvidas com inteira serenidade.
Num dos diálogos interceptados, o ex-presidente
Lula diz que, quando precisa de Janot, ele é formal. Essa frase dá a entender
que Lula queria exercer mais influência na PGR?
A escolha do procurador-geral da República começa
com sua inclusão na lista tríplice, passa pela indicação do presidente da
República e culmina na aprovação pelo Senado. A partir de então, a investidura
no cargo impõe uma atuação invariavelmente austera, e portanto imune a
influências. Assim tem sido. Não deveria ocorrer a ninguém que o primeiro
promotor do país devesse receber investigados em inteira abstração das
formalidades que são imprescindíveis às magistraturas; especialmente a de ver
pedidos apresentados formalmente e pelo patrocínio constituído.
Acha que o ex-presidente Lula realmente conseguiu
foro no STF, caso as liminares que suspendem a posse caiam?
Se ele é ministro de Estado, ele tem foro no
Supremo Tribunal. É o que diz a Constituição. Mas não há foro privilegiado
quando se trata de ações populares.
O STF deve julgar se o ex-presidente tem mesmo
foro? Ou é pacífico?
O Supremo julgará tudo quanto lhe for apresentado
em relação, inclusive, à sanidade legal da nomeação.
Na sua opinião, a posse vale?
Estando essa questão no Supremo, fala pelo
Ministério Público o procurador-geral da República e mais ninguém. Ele também
não opina nos meus processos. Essa regra de ouro das magistraturas é
inafastável entre nós.
Para onde vamos, num país tão conflagrado?
Vamos, em meio às turbulências, rumo à consolidação
da Democracia e ao amadurecimento da sociedade, das instituições e da imprensa.
Não há outro destino.
Eugênio Aragão no Ministério da Justiça vai
representar o Ministério Público?
É inegável que ele levará sua experiência de
Ministério Público, e certamente vai fruir dessa indiscutível vantagem. Mas
Eugênio sabe muito bem que daqui para a frente, para nós, ele é o ministro da
Justiça e isso não se confunde com o Ministério Público, não propicia interações
nem facilidades. Ele agora está no Poder Executivo e será tratado assim — com
respeito e distância. Somente assim será tratado. E é justamente por ser da
carreira que ele sabe — e deve se lembrar sempre — que nenhum membro do
Ministério Público deste país aceita ser intimidado; ainda mais quando está
cumprindo com seu dever de combater a criminalidade. Esta é uma carreira
decente e patriota, que escolheu servir apenas ao país.
Fonte: Ana Maria Campos – Coluna “Eixo Capital” – Correio Braziliense –
Foto/Ilustração: Blog - Google