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#ENTREVISTA: SECRETÁRIO DE SAÚDE DO DF HUMBERTO FONSECA » O problema do deficit de pessoal

"Profissionais estão assoberbados pela falta de pessoal, então, atendem muito mais pacientes do que seria razoável para o período. Falta qualidade de trabalho para todos os profissionais da área"

Não faltam problemas na saúde, mas um dos gargalos mais urgentes do governo é frear o deficit de pessoal da área. Melhorar os serviços públicos e a gestão diante da crescente falta de profissionais é um dos desafios do novo secretário da pasta, Humberto Fonseca. Aos 39 anos, o médico, que também é advogado e consultor do Senado, tem que superar essa dificuldade em um momento de penúria financeira e de falta de recursos para ampliar a folha de pagamento. “Enfrentamos, hoje, um deficit de 3 mil servidores e temos a perspectiva da aposentadoria de mais 1,5 mil até o meio do ano. Perdemos 500 médicos nos últimos seis meses por aposentadoria e exonerações”, descreve Fonseca.

Uma das soluções em análise dentro do governo para melhorar o atendimento é a polêmica contratação de organizações sociais para a gestão de algumas unidades de saúde. Nos primeiros dias de gestão, Humberto Fonseca visitou quatro hospitais, se encontrou com representantes de sindicatos e atuou nos bastidores. Ele evita enfrentamentos com a Câmara Legislativa e fez reuniões com o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa, e com o presidente do Tribunal de Contas do DF, Renato Rainha. “Eles se prontificaram a nos ajudar a fazer melhores contratações”, contou Humberto.

A Secretaria de Saúde tem problemas graves, como dispensas de licitação, contratações emergenciais ou pagamentos sem previsão contratual. Como resolver isso?
Uma auditoria do Tribunal de Contas mostrou gastos de R$ 180 milhões sem despesas contratuais. Nós já sabíamos que a situação estava assim. Fazer despesas sem cobertura contratual é o que a gente chama de reconhecimento de dívida, pagamento com verba indenizatória. Isso é a pior coisa que a gente pode fazer na administração pública. A Lei nº 8.666 estabelece como o Estado tem que contratar e estabelece exceções. Você pode fazer dispensa, há situações de inexigibilidade, convênio com entidades públicas, mas tem que fazer algum desses processos. O reconhecimento de dívida equivale a dizer que você vai contratar, mesmo com a lei proibindo. Estamos preocupadíssimos com isso.

Um dos contratos mais polêmicos é o da alimentação dos hospitais, que não é licitado há quase 20 anos. Qual é a dificuldade para resolver isso?
A licitação foi aberta, mas o processo foi suspenso porque o Tribunal de Contas fez exigências. Já adequamos o edital, mas, para evitar que o processo pare de novo, nós chamamos o TCDF para nos ajudar e analisar previamente o termo de referência. Vou conversar agora com os conselheiros a fim de pedir apoio, porque a gente precisa fazer essa licitação.

Existe resistência a essa concorrência pública? É possível reduzir esses gastos?
A gente precisa licitar, baixar o valor desse contrato. A Sanoli (empresa que atualmente administra o contrato da alimentação) pode até ganhar. Mas agora são 13 lotes.

No dia da troca do comando da saúde, o ex-secretário Fábio Gondim afirmou que o Ministério Público e o Tribunal de Contas atrapalham o funcionamento da saúde. Já percebeu isso também?
Pelo contrário. Estive no MP, conversei com o procurador-geral de Justiça (Leonardo Bessa). Fui ao Tribunal de Contas e falei com o presidente, Renato Rainha. Eles se prontificaram a nos ajudar a fazer melhores contratações e a verificar os projetos básicos e os editais antes de enviarmos para publicação, a fim de diminuir esses entraves de processos judiciais. 

Um dos maiores debates na saúde é a possibilidade de contratação de organizações sociais (OS) para a gestão da saúde. O governo vai comprar essa briga?
Nós procuramos modelos de gestão que nos ajudem a ampliar a assistência à saúde no DF. Não há decisões tomadas, mas, possivelmente, há modelos que possam ser complementares à administração direta. Isso está em estudo, não só pela Secretaria de Saúde, já que o modelo pode ser adotado por várias outras pastas, como a educação. O trabalho é feito pela Casa Civil. Temos uma lei, hoje, com algumas falhas e que nos engessa. A mudança na Lei nº 4.081/2008 está em análise. A nossa lei dificulta a participação de OS de outros estados. 


Há exemplos ruins de contratação de OS na saúde, como o Hospital de Santa Maria. Isso aumenta a resistência?
Cheguei a ir ao Hospital de Santa Maria quando era gerido por OS. Ele funcionava bem, melhor que outros hospitais. Mas irregularidades geraram uma visão ruim disso. Acreditamos que sistemas de controle evoluem e é preciso deixar claro que qualquer tipo de participação privada é complementar e depende do controle do Estado. 

As visitas aos hospitais o assustaram?
Durante a faculdade, passei em vários hospitais da rede. Esses problemas são antigos, mas reconheço que eles têm se agravado. Vamos visitar todos para conhecer a realidade de agora. Já estive em Brazlândia, em Santa Maria, no Hospital de Base e no de Ceilândia. 


Em qual sentido?
Em todos. Há falta de pessoal em todos eles. Temos deficit, hoje, de 3 mil servidores e perspectiva da aposentadoria de mais 1,5 mil até o meio do ano. Perdemos 500 médicos nos últimos seis meses por aposentadoria, vacância e exonerações. Sabemos que as condições de trabalho não são boas, faltam exames laboratoriais, alguns medicamentos. Tudo isso passa pelo processo de contratação. Ter uma contratação ineficiente nos impede de ter uma manutenção constante, preventiva e corretiva, nos impede de ter abastecimento adequado, sem falar na nossa dificuldade de pagamento dos fornecedores com relação à dívida de 2014. Vamos pagar, mas não conseguimos agora. Hoje, temos dívida de R$ 460 milhões de exercícios anteriores.

O salário médio dos médicos na rede é de R$ 20 mil e, ainda assim, mais de 30% dos aprovados sem interesse em assumir.
O último concurso não foi regionalizado e isso gera dificuldade de lotação nos locais mais distantes, como Brazlândia e Samambaia. Temos alguns serviços com dificuldade de atrair médicos. A saída é fazer concurso regionalizado. Além disso, há o problema da estrutura. Profissionais estão assoberbados pela falta de pessoal, então atendem muito mais pacientes do que seria razoável para o período. Falta qualidade de trabalho para todos os profissionais da área.

A articulação de alguns distritais para a abertura de uma CPI da Saúde preocupa?
Acredito que é papel da Câmara fazer as investigações que entender necessárias, mas me preocupa sim. Eu já passei por algumas CPIs no Senado e elas demandam muito organização de informações. Tenho quadro de pessoal muito restrito, especialmente de técnicos administrativos. Com uma CPI, eu teria que destacar muitas pessoas para produzir documentos e organizar informações. Mas, se a Câmara entender que é necessária a CPI, vamos atender da melhor forma possível.

Algumas especialidades estão com severa crise, como cardiologia e oncologia. O que será feito nessas áreas?
Especialidade é muito necessário. Oncologia não se faz na atenção primária, a não ser a prevenção. A atenção básica serve para a gente rastrear os casos. Precisamos investir na atenção terciária também. Oncologia é um setor crítico. A radioterapia está mais prejudicada que a quimioterapia, embora os dois sejam problemáticos. Temos problemas com o fornecimento de medicamentos, porque são caros e estamos devendo. A ideia é conseguir, este ano, R$ 200 milhões para dar conta dessas despesas. Enquanto não tivermos um cronograma de pagamento viável, vamos continuar com os problemas. Estamos dispostos a conversar, queremos pagar, mas é impossível agora.




Fonte: Ana Maria Campos – Helena Mader – Otávio Augusto – Foto: Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Correio Braziliense

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