Em
mensagem encaminhada aos colegas, o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, pediu união e serenidade para enfrentar esse momento de crise. “Não
sairemos dessa crise melhores como país se escolhermos o caminho da
radicalização”, disse. E acrescentou: “Não podemos permitir que as paixões das
ruas encontrem guarida entre as nossas hostes”.
No texto,
postado ontem (22) na intranet do Ministério Público Federal, Janot compara o momento
político atual com episódios mundiais em que líderes como Abraham Lincoln,
Nelson Mandela e Winston Churchill fizeram história, pela coragem e sabedoria
em enfrentamentos extremos.
Sobre
tempos tão conturbados como o que o país enfrenta hoje, Janot escreveu:
“Refletindo sobre tudo isso, chego à conclusão de que há muitos anos o país não
atravessa uma crise tão aguda e grave como a que vivemos nestes dias difíceis”.
Aos mais
de mil procuradores, Janot ressaltou que o país sairá da crise pela força da sociedade
brasileira e de suas instituições e defendeu um Ministério Público apartidário
e combatido contra a impunidade.
Parafraseando
Churchill, Janot finalizou o texto assim: “(Que) Unidos no cumprimento do
próprio dever, tenhamos, nas nossas mentes e nos nossos corações, a ideia firme
de que se o Ministério Público brasileiro durar mil anos, possam os homens
dizer de nós: ‘Este foi o seu melhor momento'”.
Leia a
íntegra da mensagem:
Rodrigo
Janot
União e Serenidade
União e Serenidade
“Encontramo-nos
atualmente empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou
qualquer outra Nação assim concebida e consagrada, poderá perdurar”. Essas
foram palavras proferidas por Abraham Lincoln, em 19 de novembro de 1863, por
ocasião de um conflito que dividia dramaticamente o povo dos Estados Unidos da
América.
O pano de
fundo da dissensão era a luta pela liberdade consubstanciada no fim da
escravidão. Lincoln, como um grande estadista, sabia que, por mais justa que
fosse a sua causa, vencer a guerra a qualquer custo não seria uma alternativa
válida. O país, após o sangrento conflito, deveria sobreviver ou não haveria
verdadeira vitória.
Em
respeito à memória dos mortos, que ele homenageava no cemitério de Gettysburg,
o presidente percebeu com muita clarividência que a própria noção de liberdade,
como valor para as nações democráticas, sairia enfraquecida ou mesmo pereceria,
caso o desfecho do conflito fosse a fratura irreconciliável entre os irmãos
americanos. Abraham Lincoln queria, acima de tudo, um país unido e forte, em
que o governo do povo, para o povo e pelo povo jamais desaparecesse da face da
terra.
Com o
grande líder Nelson Mandela também não foi diferente. Após 30 anos de cárcere
decorrente de sua luta pelo fim do apartheid, Madiba, como era carinhosamente
conhecido, derrotou a nódoa da segregação racial e chegou à presidência da
África do Sul. Muitos dos companheiros que compartilharam da sua luta
acreditavam que, com a sua assunção ao poder, era a hora da revanche contra os
que, por tantos anos, injustamente os oprimiram.
Mas
Mandela foi um gigante em humanidade e sabedoria. Ao contrário do que se
poderia esperar de um homem tão brutalmente injustiçado, ele decidiu seguir por
um caminho que não levasse o seu país a se desintegrar em uma guerra fratricida
e de consequências imprevisíveis. Sem aquiescer com o mal, esse extraordinário
estadista, encontrou uma forma sábia de desfazer os equívocos do passado,
preservando a unidade de sua nação.
Cito
esses dois exemplos extremos para falar do Brasil, do Ministério Público e do
momento atual. Refletindo sobre tudo isso, chego à conclusão de que há muitos
anos o país não atravessa uma crise tão aguda e grave como a que vivemos nestes
dias difíceis.
É certo
que cada época tem os seus desafios, que os problemas, as soluções e os riscos
são próprios e datados, mas não é menos certo que há valores e atitudes que
influenciam decisivamente a ordem dos acontecimentos e que não estão jungidos
ao tempo nem ao espaço.
Refiro-me
à temperança, à coragem, à sabedoria e à humildade. Não sairemos dessa crise
melhores como país se escolhermos o caminho da radicalização. Essa estrada só
tem curso para nos levar ao ódio e à desintegração do sentimento de unidade
essencial que deve permear o nosso povo, para além das divergências políticas.
Nesses
momentos singulares, as paixões afloram, a psicologia das massas dita condutas
e, no ponto de inflexão, tudo pode mudar para melhor ou para pior. Podemos com
a crise avançar ou retroceder, ficar estáticos jamais. Então, o que será
determinante nessa hora difícil para que a nossa história siga por um ou por
outro lado?
Muitos
fatores, certamente. Mas dentre todos eles, gostaria de destacar dois: a
qualidade de nossos líderes e a força de nossas instituições. Dito de forma
melhor: avançaremos na medida em que as lideranças operem, com firmeza e
serenidade, nos limites estritos da institucionalidade. Nenhum de nós, por mais
lúcido e clarividente que seja, é capaz de sozinho e ao largo do processo
institucional apontar saídas que nos conduzam a um futuro melhor.
O Brasil
superará essa crise, não há dúvida sobre isso. Esse fato sequer depende do
Ministério Público, da Justiça ou dos partidos, ao contrário, vai ocorrer, se
for necessário, apesar de todos nós, pela força da própria sociedade. Temos, no
entanto, uma escolha: institucionalizaremos os valores republicanos,
democráticos e do estado de direito, ou afundaremos o país em um perigoso jogo
de poder que nada há de agregar à construção da cidadania e da civilidade?
Para
responder a essa pergunta, é preciso entender que, sob qualquer governo, de
esquerda, de direita ou de centro, o futuro só será generoso conosco se
aceitarmos definitivamente que não existe salvação possível fora das
instituições.
O Ministério Público forjou suas potencialidades em anos de trabalho incessante de combate à corrupção, o qual é desenvolvido por seus membros nos mais recônditos lugares do país.
O Ministério Público forjou suas potencialidades em anos de trabalho incessante de combate à corrupção, o qual é desenvolvido por seus membros nos mais recônditos lugares do país.
Se
chegamos, agora, ao ponto culminante do enfrentamento desse mal que assola
nossos governos, atingindo o sistema nervoso central da corrupção, isso não se
deve a iniciativas individuais, ao messianismo ou ao voluntarismo, mas ao
conjunto de experiências e conhecimentos acumulados coletivamente ao longo de
anos de labuta, de erros e de acertos.
O país
precisa, mais do que nunca, de que o Ministério Público cumpra fielmente o seu
destino nesse momento crucial, e, para tanto, precisamos de coletivamente
compreender três verdades intuitivas: a primeira, o desafio da nossa hora é o
de combater a impunidade; a segunda, o Ministério Público não tem ideologia nem
partido, de modo que nosso único guia deve encontrar-se no texto da
Constituição da República e nas leis; a terceira, devemos manter aceso nosso
sentimento de unidade, sem cizânias personalistas ou arroubos das
idiossincrasias individuais.
É chegada
a hora de exercermos, por inteiro, as nossas funções institucionais,
influenciando a sociedade pelo bom exemplo e pelo trabalho técnico e sereno.
Não podemos permitir que as paixões das ruas encontrem guarida entre as nossas
hostes. Somos Ministério Público.
A
sociedade favoreceu-nos, na Constituição, com as prerrogativas necessárias para
nos mantermos alheios aos interesses da política partidária e até para a
defendermos de seus desatinos em certas ocasiões. Se não compreendermos isso,
estaremos não só insuflando os sentimentos desordenados que fermentam as
paixões do povo, como também traindo a nossa missão e a nossa própria essência.
Conclamo
todos os membros do Ministério Público ao cumprimento dos seus deveres para com
país. Devemos dar combate incessante à corrupção, seja onde for e doa a quem
doer, mas há de se preservar sempre as instituições.
A Lava
Jato certamente não salvará o Brasil, até porque se tivéssemos essa pretensão,
já teríamos falhado antes mesmo de começar. No entanto, esse belo trabalho –
estou convicto disso – tem as condições necessárias para alavancar nossa
democracia para um novo e mais elevado patamar, se, e somente se, soubermos
manter a união, a lealdade institucional, o respeito à Constituição. Devemos
apagar o brilho personalista da vaidade para fazer brilhar o valor do coletivo,
densificando a institucionalidade dentro da nossa casa e, consequentemente, no
País.
Para
encerrar, socorro-me uma vez mais de outro insigne estadista – Winston
Churchill – que guiou seu país em uma terrível guerra pela sobrevivência e pela
liberdade. Parafraseando-o, desejo que, unidos no cumprimento do próprio dever,
tenhamos, nas nossas mentes e nos nossos corações, a ideia firme de que se o
Ministério Público brasileiro durar mil anos, possam os homens dizer de nós:
“Este foi o seu melhor momento”.
Fonte:
Ana Maria Campos – CB.Poder – Correio Braziliense