Agência vai recorrer de decisão judicial que
autorizou a importação de medicamentos derivados da maconha. No DF, familiares
de pacientes que precisam dos remédios recebem a promessa de conversa com o
governo sobre distribuição gratuita
Resolução da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) autorizou a prescrição e a importação de substâncias com
canabidiol (CBD) e tetrahidrocannabinol (THC). A medida sai duas semanas depois
da derrubada do veto que impedia a distribuição gratuita de medicamentos
derivados da maconha na rede pública de saúde do DF. A publicação da agência
ocorreu em cumprimento a decisão da Justiça Federal no DF. Os componentes são
usados como alternativa quando o paciente não tem sucesso com tratamentos
convencionais. Mas a própria Anvisa avisou que pretende recorrer da decisão.
Em nota
enviada ao Correio no início da noite de ontem, a agência esclareceu que
adotará medidas judiciais para derrubar a ação por avaliar que “tanto o
canabidiol quanto o THC não possuem registros no Brasil e, portanto, não têm
sua segurança e eficácia comprovadas”. O texto afirma que muitos dos produtos à
base das duas substâncias não são registrados como medicamentos nos países de
origem, não tendo sido, portanto, avaliados por qualquer autoridade sanitária
competente. “Não é possível garantir a dosagem adequada e a ausência de
contaminantes, e tampouco prever os possíveis efeitos adversos, o que implica
em riscos imprevisíveis para a saúde dos pacientes que os utilizarão, inclusive
com reações adversas inesperadas”, adianta a mensagem.
A postura
da Anvisa bate de frente com a luta de familiares e de pessoas que veem no THC
e no canabidiol — esta última substância já liberada em janeiro de 2015 pela
agência — a esperança de uma qualidade de vida melhor. Foi por causa da força
de vontade deles que o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) voltou atrás na
decisão de vetar o projeto aprovado pela Câmara Legislativa, que incluiu o CBD
e outros 11 remédios na lista de distribuição gratuita da Secretaria de Saúde.
O deputado distrital Rodrigo Delmasso (PTN), autor do projeto, acredita que em
até 30 dias será publicada a portaria que regulamentará o acesso ao
medicamento. “Eu vou apresentar proposta no sentido de que qualquer paciente
que tenha a prescrição do CBD faça a tramitação na Anvisa e entregue a
documentação na Secretaria de Saúde. A secretaria faz a importação e entrega
diretamente na casa das pessoas”, defende.
O Buriti
não confirma o prazo e diz que é preciso mais conversa. “Nossa intenção é criar
um grupo e manter as famílias informadas sobre os passos para a contratação. A
compra tem sido por importação, mas temos que regulamentar isso”, detalhou
Humberto Fonseca, secretário de Saúde.
Quem
depende dos medicamentos tem pressa. De acordo com a presidente da Associação
dos Pacientes com Epilepsia do Distrito Federal (APEDF), Rosa Lucena, cerca de
24 mil pessoas vão se beneficiar com a medida. “No DF, 45 mil pessoas sofrem
com epilepsia. Dessas, cerca de 30% poderiam usar os medicamentos à base da
maconha no tratamento”, afirma. Ela reclama da burocracia e da lentidão dos
órgãos públicos em regularizar a situação, e as explicações de que ainda faltam
estudos sobre a eficácia das substâncias. “Já está constatado, no caso do CBD,
que ele ajuda a controlar as crises.”
Norberto
Fischer, pai de Anny, 7 anos, que se tornou símbolo na luta pela liberação do
canabidiol, também cobra celeridade na regulamentação da regra aprovada pelo
Legislativo local. Anny sofre de uma síndrome rara que causa convulsões fortes.
Desde que a menina passou a usar o CBD no tratamento da doença, as crises
praticamente pararam.
Mesmo com
a decisão da agência de recorrer da liberação, ele mantém a esperança. “O papel
da Anvisa, como instituição, é de recorrer, porque supostamente não existiram
estudos finalizados sobre o uso medicinal dos derivados da maconha. O nosso
papel, como sociedade, é pressionar para que as pesquisas avancem e a Anvisa
pare de recorrer.”
Estudos
A grande diferença na resolução da Anvisa é a autorização do THC. Para o
neurocientista Renato Malcher, já há estudos suficientes para provar a eficácia
do uso das substâncias em diversas enfermidades. Ele diz que o derivado vem
sendo testado para sintomas de enjoo e dores crônicas, além da não proliferação
de células cancerígenas e em doenças degenerativas, como o Alzheimer. “O THC
sempre teve propriedades medicinais. Ele, quando usado puro, causa efeitos
colaterais, como ansiedade e sonolência. Mas consumido com o canabidiol faz
esses feitos serem cortados. Podem ser usados juntos para qualquer sintoma
desagradável que o corpo apresentar”, esclarece.
O
neurocientista explica que as substâncias da maconha se complementam: uma ajuda
na finalidade da outra. Apesar das contribuições positivas, Renato pede cuidado
na hora da aquisição do produto. “É preciso saber as propriedades dessa planta.
Com o avanço tecnológico, hoje, há como saber o que está padronizado na
utilização”, relata.
A
bancária Camila Gontijo, 36 anos, sofre de uma doença degenerativa que atinge a
coluna, com agravante na hérnia de disco. Após experimentar diversos tipos de
remédios, ela decidiu usar o THC. Há um ano sem crises, ela atribui a melhora
ao medicamento e considera a liberação do uso das substâncias um avanço. “Com
certeza, vai ajudar bastante. Principalmente quem tem outro tipo de dor. Também
existem os pacientes de câncer que sofrem muito com os efeitos da
quimioterapia. Essa decisão vai alcançar um número maior de pacientes”,
conclui.
Para saber mais - Por mais pesquisas
A maconha possui cerca de 400 compostos conhecidos como canabinoides,
dos quais os mais abundantes são o THC e o canabidiol. Estados Unidos, Canadá,
Reino Unido, Holanda, França, Espanha, Itália, Suíça, Israel e Austrália são
países em que o uso medicinal dessas substâncias é permitidos, pelo menos
parcialmente — o cultivo domiciliar e o consumo só são liberados com receita
médica e laudo justificando a prescrição. Algumas enfermidades tratadas com
esses derivados são epilepsia, convulsões, dores crônicas e sintomas de câncer
e até mesmo a Aids. De acordo com estudos, a utilização dessas substâncias
acaba sendo menos severa que a dos medicamentos convencionais.
Os casos
analisados até agora mostram que o canabidiol em alta quantidade causa
alterações mentais, propriedades antipsicóticas e ansiolíticas. Por isso, tem
sido utilizado com o THC, para que os efeitos colaterais sejam amenizados. A
principal reclamação de familiares de pacientes é a burocracia no assunto. Os
estudos poderiam ser mais aprofundados e com resultados mais concretos, mas a
não legalização do uso medicinal dos derivados faz com que as pesquisas se
atrasem, além de inibir a prescrição de médicos. Com isso, a ilegalidade da
compra cresce e produtos de baixa qualidade também.
Para o
uso medicinal seguro da Cannabis sativa, é preciso que a produção das
variedades da planta com proporções padronizadas dos compostos seja controlada.
A extração feita de modo incorreto pode alterar as propriedades da planta. No
Brasil, o uso de canabidiol foi autorizado em janeiro de 2015.
Fonte: Bruno Lima – Especial para o Correio
Braziliense - Colaborou Otávio Augusto