A arquiteta mais
famosa do mundo morreu, na manhã de ontem, vítima de ataque cardíaco, em Miami.
No último dia 11, a iraquiana, de 65 anos, confidenciou ao Correio ter recebido
influências de Oscar Niemeyer e elogiou os traços da capital
O primeiro
contato com a arquitetura ocorreu durante a infância em Mossul, no norte do
Iraque. A maquete da casa do tio fascinou a pequena Zaha Hadid, então com 6
anos. Poucas décadas depois, ela se tornaria a arquiteta mais famosa do mundo.
Em 2004, recebeu o Prêmio Pritzker, tão prestigioso quanto um Nobel. Foi
condecorada pela rainha Elizabeth II como Dama Comandante do Império Britânico,
em 2012. As obras da iraquiana, espalhadas pelos cinco continentes, são
marcadas pelo desconstrutivismo, pelo caráter visionário dos traçados e pelo
desenho não linear. Na manhã de ontem, Zaha Hadid sofreu um enfarte fulminante,
aos 65 anos, em um hospital de Miami. A morte prematura foi lamentada pelas
redes sociais, e os rumores de que se tratava de mais um boato foram
desmentidos pelo escritório de Hadid, baseado em Londres. “É com grande
tristeza que os Arquitetos Zaha Hadid confirmam que a Dama Zaha Hadid faleceu
subitamente em Miami, nas primeiras horas desta manhã. Ela havia contraído
bronquite nesta semana e sofreu um súbito ataque cardíaco enquanto era tratada
no hospital”, afirma o comunicado à imprensa. “Zaha Hadid era amplamente
considerada a maior arquiteta mulher do mundo.
No último dia 11, ela falou com
exclusividade ao Correio. Em uma das últimas entrevistas concedidas a um
veículo de comunicação, Hadid confidenciou ter recebido influências de Oscar
Niemeyer e elogiou o seu maior legado, Brasília — ela visitou a capital por
várias vezes. “A sensibilidade espacial de Oscar Niemeyer e seu talento são
únicos e insuperáveis. Seu trabalho me encorajou a desenvolver a minha própria
linguagem arquitetônica de fluidez total”, afirmou. Para a iraquiana, a capital
do Brasil carrega dentro de si um senso de vitalidade e de otimismo. Ela
descreveu os encontros que teve com Niemeyer; citou a sustentabilidade
ecológica e a disparidade social como os principais desafios da arquitetura;
comentou a paixão pela profissão; e se negou a apontar uma obra preferida.
Entre os principais trabalhos de Zaha Hadid, estão a Ópera de Gangzhou, na
China; o Centro Aquático e a Sackler Gallery, ambos em Londres; o Centro Heydar
Aliyev, em Baku, capítal do Azerbaijão. Em 2018, o escritório de Hadid vai
concluir o seu único projeto no Brasil, a Casa Atlântica (veja foto abaixo), no
Rio de Janeiro.
O estilo de Oscar
Niemeyer afetou seu próprio estilo de algum modo?
A sensibilidade
espacial de Oscar Niemeyer e seu talento são únicos e insuperáveis. Seu
trabalho me encorajou a desenvolver a minha própria linguagem arquitetônica de
fluidez total. Muitos arquitetos daquele período experimentaram com a forma.
Mas Niemeyer empurrou o seu trabalho a um nível mais alto, utilizando todas as
vantagens da tecnologia do concreto daquela época para criar aquelas formas
maravilhosamente fluidas. Niemeyer esteve entre os primeiros arquitetos quando
se fala sobre arquitetura orgânica, em termos de como o projeto das construções
é cuidadosamente pensado, como se fosse um organismo unificado. Seu trabalho
sobre composição arquitetônica e expansão do repertório formal do modernismo
foi importante. O que Niemeyer mudou drasticamente foi a criação de um plano
espacial organizacional para se mover através do espaço. Cada camada de suas
obras poderia ser bem diferente, mas suas transições contínuas dentro do projeto
permitiram que os complexos desenhos parecessem sem esforços e suaves. A
importância de Niemeyer para a arquitetura do século 20 não pode ser
subestimada.
A senhora percebe
traços de modernidade na arquitetura de Brasília, ainda que ela tenha sido
criada no fim da década de 1950?
Brasília
demonstra que a arquitetura não segue ciclos de moda ou econômicos — ela
obedece aos ciclos de inovação gerados pelos desenvolvimentos sociais e
tecnológicos. Os projetistas e planejadores de Brasília estavam comprometidos
em levantar padrões dos locais onde as pessoas vivem e trabalham, usando
desenho inovador e técnicas de construção que estavam na vanguarda da
tecnologia para a época. A arquitetura de Brasília carrega dentro de si esse
senso inerente de vitalidade e de otimismo. Ela criou espaços públicos chaves.
Creio que as cidades devem investir nesses importantes locais cívicos, onde as
pessoas podem se conectar umas às outras. Um centro comunitário, um museu de
artes, um parque público... Esses projetos cívicos vitais são acessíveis a
todos — eles unem a cidade, mantêm o tecido urbano coeso. Todas as cidades se
tornaram muito mais populosas — e bem mais diversificadas. Elas devem atender a
toda uma gama de pessoas com culturas, experiências e influências diferentes.
Como arquiteta, considero nosso cliente não mais um único indivíduo ou um tipo
único de pessoa. O cliente de hoje é todo o mundo. Isso tem sido realmente
excitante e adiciona riqueza às nossas cidades.
A senhora esteve
alguma vez com Niemeyer? O que discutiram?
Sim, estive com
ele por várias vezes; em Brasília e em sua casa no Rio, a Casa de Canoas. É uma
obra-prima e uma lição de como atingir algo com linhas simples. A arquitetura é
como a escrita — você deve editá-la e reeditá-la, de novo e de novo, até que
ela se pareça sem esforço. Niemeyer e eu discutimos a importância da
arquitetura para o bem-estar de todos; criando ambientes prazerosos para todos
os aspectos da vida. Também falamos sobre criar ambientes que possam elevar,
entusiasmar, inspirar as pessoas.
Por que e como a
senhora se interessou pela arquitetura?
Meus pais eram
interessados em arquitetura de um modo indireto. Minha memória mais antiga da
arquitetura — provavelmente eu tinha uns 6 anos — foi de meu tio construindo
uma casa em Mossul, no norte do Iraque. O arquiteto era amigo de meu pai e ele
costumava ir à nossa casa com desenhos e modelos. Eu me lembro de ver o modelo
em nossa sala de estar. Aquilo despertou algo em mim. Fiquei intrigada.
Na sua opinião, por
que esse ramo é tão apaixonante e atraente?
A
sustentabilidade ecológica e a disparidade social são os desafios de nossa
geração. A arquitetura da inclusividade oferece soluções. Nós devemos estar
comprometidos em levantar padrões. Ter uma casa é crucial — não apenas em
termos de abrigo ou de necessidades básicas, mas para o bem-estar e uma vida
melhor. A habitação social, os hospitais e infraestruturas vitais têm sido
baseados no conceito de existência mínima — o que não deveria ser o caso. Os
arquitetos possuem as habilidades e as ferramentas para abordar temas
importantes, e muitas comunidades ao redor do mundo estão comprometidas em
resolvê-los. A arquitetura pode ajudar na reorganização de padrões de vida, de
modo significativo, para que todos possam contribuir com uma sociedade mais
ecológica e socialmente sustentável. Nós podemos criar prédios que otimizem o
ambiente para atender às necessidades dos usuários e mudar padrões climáticos.
Pesquisamos materiais, técnicas de projeto e métodos de construção que tragam
benefícios ambientais. Como essas diferentes camadas de desenvolvimento —
sustentabilidade e aplicabilidade dos materiais — vêm juntas, começamos a
encontrar soluções para desafios ecológicos urgentes. Minha tarefa é continuar
com esse progresso. Devemos casar os novos conceitos de acessibilidade e de
integração com os avanços incríveis em materiais ecológicos e em práticas de
construção. Não devemos olhar para partes separadas, mas entendê-las como
um todo.
De todos os seus
trabalhos, qual o mais fascinante?
É uma pergunta
muito difícil. É como pedir a um pai que escolha qual dos filhos é o favorito.
Nós temos desafios únicos em cada projeto — o local, o uso, as exigências
programáticas, o ambiente ao redor. Cada projeto é uma experiência diferente.
Cada um traz entusiasmo, oportunidades, desafios, ideias, problemas a se
resolver. Cada projeto é um resultado muito específico de como o contexto, a
cultural local, as exigências programáticas e a engenharia inovadora vêm
juntos, permitindo à arquitetura, à cidade e à paisagem se combinarem
perfeitamente, tanto em termos de estratégia formal, quanto de experiência
espacial.
Perfil
Nascida em Bagdá, em 1950, Zaha
Hadid estudou matemática na Universidade Americana de Beirute. Em 1972,
afiliou-se à Associação de Arquitetura de Londres. Sete anos depois, fundou o
escritório Arquitetos Zaha Hadid, onde construiu reputação mundial com trabalhos
teóricos inovadores, incluindo The Peak, em Hong Kong (1983); o Kurfürstendamm,
em Berlim (1986); e a Cardiff Bay Opera House, em Gales (1994). Mostrou
interesse pela relação entre arquitetura, paisagismo e geologia e usou técnicas
inovadoras. Em 2004, tornou-se a primeira mulher a receber o Prêmio Pritzker.
Acumulou outras honrarias, como a de Comandante da Ordem das Artes e das
Letras, da França; Dama Comandante do Império Britânico; e o Prêmio Imperial,
do Japão.
A primeira e única obra no Brasil
Em 2018, Zaha Hadid deixará a sua marca no Rio de Janeiro, quando o
prédio conhecido como Casa Atlântica deverá ser finalizado. Único projeto no
Brasil, a construção se inspirou nas formas naturais da capital fluminense, na
qualidade maleável e elástica gerada pelos morros e praias dentro do tecido
urbano, e no caráter dinâmico de Copacabana. De acordo com o escritório
Arquitetos Zaha Hadid, o projeto da Casa Atlântica preserva “a composição e o
fluxo espacial inerentes á rica tradição modernista do Brasil, ao interagir com
o tempo único e a vitalidade da cultura da praia urbana de Copacabana, bem como
com a fluidez do famoso calçadão de Burle Marx”. “Ao trabalhar dentro das
restrições do local, controlando a altura e a distância dos prédios vizinhos, o
projeto da Casa Atlântica estabelece uma ordem fluida, que se transforma e se
expande em cada nível, a fim de definir varandas generosas”, explica o
comunicado do escritório. A previsão é de que as obras comecem ainda este ano.
Fonte: Rodrigo Craveiro – Fotos: Alberto Heras – Divulgação – Correio
Braziliense