Oscar Niemeyer e João Cabral de
Melo Neto o consideravam o homem mais culto que conheceram. Joaquim Cardozo, o
engenheiro calculista parceiro de Niemeyer nos principais projetos de Brasília,
era um personagem singular. Lia em mais de uma dezena de idiomas.
Multiplicou-se nas figuras de poeta, contista, dramaturgo, engenheiro,
tradutor, topógrafo, dramaturgo, professor universitário, editor, crítico de
arte, pianista e chargista.
A arquitetura de Brasília provocou espanto mundial,
não apenas pela beleza de suas curvas barrocas, mas também pela tecnologia das
construções, que parecem desafiar a lei da gravidade.
Quando Niemeyer apresentou pela primeira vez os
seus desenhos aos engenheiros convencionais, eles sentenciaram que seria
impossível transformar aqueles croquis em edifícios sólidos e seguros. Só
poderia encontrar parceria afinada com um poeta do cálculo estrutural. Cada
desenho do arquiteto era um desafio que ele tentava resolver como se fosse
encontrar a fórmula ideal de um poema: “As estruturas planejadas pelos
arquitetos modernos são verdadeiras poesias”, dizia Cardozo: “Trabalhar para
que se realizem esses projetos é concretizar uma poesia”.
Para conseguir solucionar os problemas, Cardozo
teve de transgredir as normas vigentes. Na época em que Brasília foi
construída, os manuais de engenharia recomendavam o uso de, no máximo, 6% de
barras de ferro nas estruturas de concreto. Nas cúpulas do Congresso Nacional,
a sustentação se tornou possível por meio do recurso de inserir uma trama de
anéis de aço no concreto. No Palácio da Alvorada, ele inseriu 20% de ferro nas
colunas. Em vez de concreto armado, usou uma malha interna de aço.
Cardozo morreu em 1978, aos 81 anos, depois de uma
vida de grandes aventuras intelectuais. Ele provocou o avanço da engenharia,
desafiando as regras e permitindo a imaginação mais livre, em prédios que não
haviam apresentado nenhum problema de segurança. Contudo, em fevereiro de 1971,
uma obra desenhada por Niemeyer e calculada por ele, o Pavilhão da Gameleira,
em Belo Horizonte, desmoronou e causou a morte de 68 operários.
O caso parou nos tribunais e ele foi condenado, em
primeira instância, a cumprir prisão pelo período de dois anos e dois meses. A
defesa coube ao famoso jurista Evandro Lins e Silva, que conseguiu absolvê-lo.
Entretanto, Cardozo ficou profundamente abalado e nunca se recuperou do
incidente.
Lembrei de Joaquim Cardozo porque, apesar da
relevância para a história de Brasília, não existe nenhuma referência ao nome
dele na cidade que ajudou a construir. Enquanto isso, o líder estudantil
Honestino Guimarães nomeia o Museu Nacional da República, e em uma das pontes
que ligam o Lago Sul ao Plano Piloto. É justíssima a menção ao líder
estudantil, mas redundante em dois monumentos da cidade. Em vez disso, seria
mais razoável que a memória de Joaquim Cardozo fosse reverenciada em algum
ponto importante de Brasília.
No poema Salto tripartido, o engenheiro-poeta
pernambucano escreveu: “Havia um arco projetado no solo/Para ser recomposto em
três curvas aéreas,/Havia um voo abandonado no chão/À espera das asas de um pássaro.”
Os versos de Cardozo constituem a melhor argumentação em defesa dos seus
méritos na construção da cidade modernista. Sem a colaboração de um poeta do
cálculo estrutural, os voos de Niemeyer permaneceriam abandonados no chão.
Por: Severino Francisco - Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google
Aqui fica claro como que o desenvolvimento das técnicas construtivas é, antes de mais nada,dependente dos desafios criados pela arquitetura.
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