Por: Pedro do Coutto
Em excelente reportagem publicada na edição de sexta-feira, em O
Globo, Júnia Gama revela que, para efeito de julgamento pelo TSE, o vice Michel
Temer vai tentar separar suas contas da campanha de 2014 das contas da
presidente Dilma Rousseff. A iniciativa, cogitada há alguns meses, ganha novo
impulso em face das revelações feitas pelo ex-presidente da Andrade Gutierrez,
Otávio Azevedo. A repórter Júnia Gama revelou sensibilidade política para a
importância do tema, o qual pode se tornar peça decisiva capaz de anular as
eleições em que Dilma e Temer foram eleitos.
Mas, a meu ver, Michel Temer não conseguirá separar suas contas.
Por uma razão bastante simples: se ambos foram vitoriosos com os mesmos votos,
como dividir as contas da campanha e seus efeitos nas urnas? Se as doações
foram provenientes da corrupção desenfreada que submergiu o país num mar de
escândalos, como dividir as feitas para o PMDB das que se destinaram ao PT? Só
os 120 milhões de eleitores seriam capazes de responder tal questão.
É só considerar que, pela Constituição Federal, os votos
conquistados pela presidente são exatamente os mesmos alcançados pelo vice. Mas
nem sempre foi assim. Antes poder-se-ia estabelecer a diferença. Agora não.
Vamos recorrer e percorrer o passado. A figura do vice foi criada pela Carta de
setembro de 46.
Nas eleições de 2 de dezembro de 45, a primeira depois da
redemocratização que sucedeu a ditadura Vargas, implantada em novembro de 37, o
general Eurico Dutra foi eleito sem vice. A Constituinte criou o cargo a ser
preenchido com eleição, a partir de 50. Estabeleceu que o vice de Dutra seria o
presidente do Senado, Nereu Ramos. Assim, de fato, a eleição do vice pelas
urnas começou em 50.
VOTOS
SEPARADOS
Mas em 50, o presidente era votado separadamente do vice. Getúlio
Vargas foi eleito com 48% dos votos, Café Filho ganhou a eleição de vice, por
uma diferença sobre Odilon Braga. Em 55, JK elegeu-se em aliança, mas
separadamente de João Goulart. Na sucessão de 60, Jânio foi eleito por firme
maioria, João Goulart reelegeu-se vice por pequena diferença sobre Milton
Campos, que, em 55, já havia perdido para o político gaúcho.
Aliás, a respeito das eleições de 60, Jânio Quadros concorreu na
realidade com três candidatos a vice: Milton Campos, Fernando Ferrari,
dissidente do PTB, e o próprio João Goulart. Jânio e Jango lançaram em vários
estados a chapa Jan-Jan. A manobra teve sucesso em São Paulo e no Paraná,
principalmente. A ideia partiu do senador Souza Neves, do PTB do Paraná, que a
chamou de operação canguru. Goulart, inclusive, foi o primeiro caso de
reeleição no Brasil antes da emenda de 97, governo FHC. Sofreu impugnação por
parte da UDN, mas, representado por Santiago Dantas, um gênio que não tinha
medo de ser simples, teve o direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal.
VICE
ATRELADO
Deixemos a estrada do passado e retornemos ao presente. A partir
das eleições de 89, a Constituição foi alterada, e o vice passou a ser eleito
automática e conjuntamente com o presidente. Collor e Itamar Franco. Fernando
Henrique e Marco Maciel, Lula e José Alencar. Dilma e Temer. Não pode haver
separação de contas, já que não existe separação dos votos. No Congresso, não,
o impeachment atinge apenas a presidente. Mas no TSE, a chapa Dilma Rousseff
& Michel Temer é indivisível. Esta questão, iluminada pelo O Globo, pode se
tornar fundamental. Dependerá dos rumos e do teor do processo de impeachment.
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