O eleito deve estar sintonizado
com seu eleitorado, isso não significa que o deputado, senador, vereador deva
fazer pesquisa de opinião antes de cada voto. O eleito não representa apenas
seus eleitores, mas toda a população. Seus eleitores não pensam todos com a
mesma identidade sobre cada assunto, são divididos.
O fundamental é que o
parlamentar esteja em sintonia com o que falou na campanha aos eleitores. Essa
deve ser a verdadeira coerência: a consciência pessoal e o discurso na
campanha. O parlamentar não deve ainda mudar as bandeiras, as propostas e o
discurso pelos quais foi eleito. A lealdade ao discurso não tem sido uma
característica de políticos, sobretudo governantes. Muitos esquecem os
compromissos assumidos para se manterem fiéis a suas siglas e mudam de postura
quando chegam ao governo.
Nas suas propagandas, a
presidente Dilma mostrou um país perfeito que não existia, como se fosse
resultado de seu primeiro mandato, e prometeu um paraíso para onde levaria o
Brasil no segundo. Para se eleger, tomou medidas destrutivas da economia: as
desonerações fiscais, redução da tarifa de luz, contenção forçada do preço de
combustíveis e fez acusações falsas contra opositores.
A traição ao discurso de
campanha, unida ao consequente desastre econômico e à imagem de corrupção na
Petrobras, cujo conselho ela presidiu, ligada à percepção das falsas narrativas
que utilizou em suas campanhas de marketing levaram à indignação geral,
provocaram as manifestações populares que acenderam o desejo de um voto de
desconfiança, como no parlamentarismo, para tirá-la da chefia do governo.
Mas estamos no
presidencialismo, e a saída de um presidente passa por impeachment, não por
voto de desconfiança, e o impeachment exige crime de responsabilidade. O
processo iniciado pelo dr. Hélio Bicudo trouxe a chance de fazer um voto de
desconfiança parlamentarista com a cobertura do impeachment presidencialista,
devido a crimes de responsabilidade.
O processo seguiu todos os
ritos e procedimentos estabelecidos pelo STF, passou pela Câmara dos Deputados
e chegou ao Senado para se decidir pela admissibilidade ou não antes de se
julgar o impeachment. Minha primeira reação ao ser colocado diante do voto de
admissibilidade foi de votar como professor, vendo a eleição como um processo
pedagógico; meu discurso deveria ter apenas 24 palavras: “Os que votaram na
presidente Dilma devem aguentar seu governo até 2018 e os que não votaram nela
devem esperar as eleições até 2018”.
Mas essa pedagogia pela
catástrofe significaria ignorar a atual tragédia brasileira: quebra das
finanças, falência dos estados e municípios, degradação da Petrobras, epidemias
e caos na saúde, falta de apoio parlamentar, recessão, desemprego de 11
milhões, a vergonha da mais desbragada corrupção decorrente do aparelhamento da
máquina governamental; significaria jogar debaixo do tapete as suspeitas de
erros e de crimes de responsabilidade. E ainda impedir que seja quebrado, por
até seis meses, o vício de quatro mandatos com 13 anos do governo atual.
Apesar de toda pressão, até
mesmo a agressão verbal de muitos dos meus companheiros, decidi votar pela
admissibilidade do processo, para que as dúvidas e suspeitas sejam
esclarecidas. Lamento que o julgamento imponha a suspensão do mandato, mas é o
que diz a Constituição, não fui eu tampouco que escolhi o vice-presidente. Ele
foi escolhido e votado pelos eleitores da presidente Dilma. Votei pela
admissibilidade. No lugar de votar com a afetividade pelos companheiros,
preferi votar pela efetividade que o Brasil precisa.
Nosso país está quebrado
financeiramente, decadente economicamente, atrasado educacional, científica e
tecnologicamente, desmoralizado emocionalmente e dividido por intolerância
política como nunca antes em sua história. O Brasil está como um náufrago cuja
boia salva-vidas depende de provar que o comandante cometeu crime de responsabilidade.
Votei contra muitos, talvez até
contra mim, mas votei pelo Brasil, porque nos julgamentos penais vale a
expressão “na dúvida ficamos com o réu”, mas nos casos de interesse da Pátria,
“na dúvida, ficamos com o país”. Deixamos, assim, que a próxima eleição e os
livros de história nos julguem. E desejando viver o tempo necessário para
assistir a este julgamento, se possível sendo tratado com respeito, ainda que
com discordância.
(*)Cristovam Buarque é
Professor emérito da UnB e senador pelo PPS-DF - (Fonte: Correio
Braziliense – 17/05/2017)