Quadra 206/206 Norte, que tem projeto diferente das
demais quadras do Plano Piloto (Foto: Google/Reprodução)
A arquiteta Doramélia da Motta exibe as pranchas
criadas ainda na faculdade, em 1975 (Foto: Jamile Racanicci / G1)
Doramélia da Motta
começou projeto da 205/6 Norte como aluna da UnB.Ex-servidora da Terracap
comenta diferenças entre plano e execução. A quadra 205/6 da Asa Norte é conhecida pelos
moradores como a mais "estranha" do Plano Piloto – diferentemente das
demais, o comércio é virado para a residencial. As passarelas subterrâneas e os
arcos geométricos bem marcados também são marcas registradas da quadra
"diferentona" de Brasília.
A arquiteta
responsável pela obra, Doramélia da Motta, assume a proposta como diferenciada.
“É, não tem nada a ver [com as outras] mesmo. A gente não pensou em fazer uma
coisa como era o padrão, a ideia era fazer diferente”, diz.
Doramélia elaborou o projeto no fim da década de 70, nos primeiros anos em que trabalhou na Terracap. A vontade de criar uma superquadra fora do modelo comum surgiu quando ela era estudante de arquitetura na Universidade de Brasília, entre 1971 e 1976.
Doramélia elaborou o projeto no fim da década de 70, nos primeiros anos em que trabalhou na Terracap. A vontade de criar uma superquadra fora do modelo comum surgiu quando ela era estudante de arquitetura na Universidade de Brasília, entre 1971 e 1976.
Ela e outros
quatro alunos fizeram um estudo do Plano Piloto para a matéria de Projeto
Arquitetônico e Urbanístico, em 1975. Doramélia guardou as 26 pranchas em papel
vegetal que o grupo fez à mão para a disciplina.
Há folhas dedicadas a avaliar a mínima área necessária para cada tipo de comércio, propor uma maior integração da quadra com a comunidade e escolher a melhor divulgação das lojas internas para os motoristas. Gráficos analisam a estrutura convencional das quadras do Plano Piloto e comparam custos de construção de propostas diferentes.
“Estudamos o que a gente podia melhorar, e como melhorar. O professor disse que a ideia foi tão boa que, se um dia eu tivesse a oportunidade, levasse para frente”, conta.
Há folhas dedicadas a avaliar a mínima área necessária para cada tipo de comércio, propor uma maior integração da quadra com a comunidade e escolher a melhor divulgação das lojas internas para os motoristas. Gráficos analisam a estrutura convencional das quadras do Plano Piloto e comparam custos de construção de propostas diferentes.
“Estudamos o que a gente podia melhorar, e como melhorar. O professor disse que a ideia foi tão boa que, se um dia eu tivesse a oportunidade, levasse para frente”, conta.
Depois da
formatura, Doramélia passou a trabalhar na Terracap e propôs o projeto para o
governador do DF de 1974 a 1979, Elmo Farias. A quadra 205/6 Norte tinha muitos
lotes à venda e foi escolhida pelo gestor para testar o planejamento da
arquiteta.
“Eu nunca vou
saber se o que planejamos teria dado certo, porque desde o início da construção
a coisa foi desvirtuada. Ficou um milésimo do que eu imaginava. Lá pelas tantas
vi as pessoas elogiando muito, falando do que é bom, dizem que gostam muito do
local. Graças a Deus ainda sobrou alguma coisa boa" - (Doramélia
da Motta, arquiteta)
A quadra
funcionaria como um shopping que atenderia a comunidade local, acessível a pé.
A equipe de Doramélia estabeleceu como eixo principal da construção as calçadas
por onde passam os pedestres. A entrada das lojas é virada para a área residencial.
"No comércio local, quem compra é o pedestre."
Os fundos das
lojas ficam viradas para a rua. A fim de aproveitar o olhar do motorista, a
arquiteta havia previsto cobrir essa parte de trás com painéis que
identificariam os comércios locais “De que adianta colocar a vitrine na rua?
Quem dirige carro não vê o que tem na vitrine. Preferimos colocar os painéis,
como no Conjunto Nacional.”
A arquiteta também pensou nos pedestres. Passarelas subterrâneas conectam os dois lados da quadra para garantir o livre trânsito das pessoas. “Assim não precisa cruzar a rua no meio dos carros. E até hoje ali ainda é uma passarela muito limpa e sem problema de segurança, então as pessoas não têm medo de transitar ali por baixo.”
A arquiteta também pensou nos pedestres. Passarelas subterrâneas conectam os dois lados da quadra para garantir o livre trânsito das pessoas. “Assim não precisa cruzar a rua no meio dos carros. E até hoje ali ainda é uma passarela muito limpa e sem problema de segurança, então as pessoas não têm medo de transitar ali por baixo.”
Cada andar da
quadra foi planejado para abarcar um determinado tipo de comércio. No térreo,
estariam as lojas que atendem às necessidades mais urgentes dos usuários, como
mercearias, farmácias e padarias.
No primeiro
andar, a arquiteta previu a instalação de bancos, lavanderias e postos dos
Correios, estabelecimentos de serviços práticos ao consumidor. O segundo seria
preenchido com outros tipos de negócios, como consultórios de dentista,
gráficas ou escritórios de outros profissionais liberais.
Planejamento previa
painéis para cobrir a parte dos fundos das lojas, voltadas para a rua (Foto:
Jamile Racanicci / G1)
Já a cobertura, espaço
mais reservado, seria uma área de lazer. Arborizada, teria um parquinho para
crianças e bancos para os pais. Em todos os andares, até as janelas foram
pensadas em detalhe: os arcos de concreto, com declive diagonal, barram a água
da chuva sem necessidade de instalação de uma proteção de vidro.
Uma administração centralizada pela Terracap alugaria as lojas para comerciantes como se fosse um shopping, a fim de garantir a preservação do planejamento urbanístico e arquitetônico. Segundo Motta, a execução do projeto começou a sair dos eixos quando a estatal decidiu vender as lojas.
Com a medida,
cada proprietário poderia reformar o local como bem entendesse, sem se
preocupar com a unidade da construção. Ao mesmo tempo, ficaria a critério dos
donos escolher qual tipo de estabelecimento instalariam em cada loja.
“A minha
preocupação era com a filosofia. No momento em que você passa adiante, o
proprietário é dono. Você como arquiteta vai dar palpite em quê? Ele quer
transformar a padaria em farmácia, e daí? Quer fazer em alvenaria, porcelanato,
granito... Ele escolhe, ele é o dono.”
Estudo de tipos de
comércio a instalar na quadra (Foto: Jamile Racanicci / G1)
A quadra foi
inaugurada em 1979, ano de transição entre os governos de Elmo Farias e Aimé
Lamaison. Doramélia propôs adiar a inauguração na tentativa de evitar a venda
dos imóveis, mas foi voto vencido na estatal.
“Infelizmente os nossos
administradores partem do princípio de que o outro fez tudo errado, preferem
fazer tudo de novo. Isso é perigoso.”
Não demorou muito
para que o planejamento fosse ignorado pelos proprietários das lojas. Eles não
se preocuparam com a distribuição dos comércios por andar e tiraram os painéis
que cobriam os fundos.
“Se tirar os
painéis, o que vai mostrar? Não é nem a vitrine. Mostra os fundos, a parte de
carga e descarga. E tiraram os painéis mesmo assim.”
De que adianta
colocar a vitrine na rua? Quem dirige carro não vê o que tem na vitrine.
Preferimos colocar os painéis, como no Conjunto Nacional" - (Doramélia
da Motta)
Chateada, a
arquiteta deixou de se preocupar com o futuro da quadra. Hoje, quase 40 anos
depois da inauguração, Doramélia aprecia o esforço de novos comércios e
projetos artísticos em valorizar as formas geométricas e o caráter “excêntrico”
da quadra. Até o apelido de Babilônia Norte a agrada, pela comparação com as
construções do imperador Nabucodonosor. “Eu nunca tinha pensado nisso.”
“Eu nunca vou saber
se o que planejamos teria dado certo, porque desde o início da construção a
coisa foi desvirtuada. Ficou um milésimo do que eu imaginava. Lá pelas tantas
vi as pessoas elogiando muito, falando do que é bom, dizem que gostam muito do
local. Graças a Deus ainda sobrou alguma coisa boa.”
Outros projetos
Enquanto foi servidora da Terracap, Doramélia liderou a construção de outros projetos icônicos de Brasília, como a Galeria dos Estados, que conecta os setores Comercial e Bancário Sul. Ela também ajudou a construir o Mercado do Núcleo Bandeirante e diz ter participado de forma indireta em muitos projetos na capital. "Eu vou passando pela cidade e vejo muita coisa minha."
Outros projetos
Enquanto foi servidora da Terracap, Doramélia liderou a construção de outros projetos icônicos de Brasília, como a Galeria dos Estados, que conecta os setores Comercial e Bancário Sul. Ela também ajudou a construir o Mercado do Núcleo Bandeirante e diz ter participado de forma indireta em muitos projetos na capital. "Eu vou passando pela cidade e vejo muita coisa minha."
Arquiteta Doramélia
da Motta explica projeto arquitetônico original para a quadra 205/6, na Asa
Norte (Foto: Jamile Racanicci / G1)
A arquiteta conta
que a galeria seria dividida em duas partes. Em uma delas, cada estado
brasileiro teria uma loja para vender comidas típicas, artesanato e outros
objetos relacionados à cultura local. Os estabelecimentos do outro lado seriam
de países representados por embaixadas em Brasília.
“Hoje nem passo
mais lá, dá vontade de chorar. A Galeria dos Estados era linda, era minha
menina dos olhos. Fico horrorizada com o que virou. Tem anos que não vou lá.”
O único projeto que foi seguido "mais à risca" foi o Mercado do Núcleo Bandeirante, o menos inovador dos três. “Esse é o mais simplezinho. Ele é bem típico, como se fosse de cidades tradicionais.”
O único projeto que foi seguido "mais à risca" foi o Mercado do Núcleo Bandeirante, o menos inovador dos três. “Esse é o mais simplezinho. Ele é bem típico, como se fosse de cidades tradicionais.”
Doramélia conta
que, nos anos 70 e 80, a Terracap era uma empresa com maiores oportunidades de
empreendedorismo. A equipe investia em ideias novas e tinha maior liberdade
criativa.
“A Terracap era
muito respeitada. Nós tínhamos um corpo bem reduzido, mas de gente muito boa.
Você passava na Terracap de madrugada e estava tudo aceso. Cansei de rodar à
noite fazendo projeto. Hoje em dia infelizmente não é mais o que foi. Naquela
época a gente podia fazer acontecer.”
Desenho do Plano
Piloto, escrito ainda com acento circunflexo, nos estudos de Doramélia quando
aluna da UnB (Foto: Jamile Racanicci/G1)
A arquiteta se
aposentou em 2005, totalizando três décadas de contribuição à estatal. Ao longo
desse período, um dos únicos planejamentos que conseguiu colocar em prática com
fidelidade foi a própria casa, no Lago Sul.
Inspirada em
Lúcio Costa, ela fez a frente da casa virada para o jardim, no jardim do
terreno. A entrada da rua dava na área de serviço.
“Aí uma tia minha
dizia que aquilo não ia dar certo: ‘A empregada nunca abre a porta da sala para
a gente, ela abre a porta de serviço. Aí entramos no meio da máquina de lavar,
do varal.’ E eu pensei: ‘quer saber, tia? a senhora tem razão. Vou vazar essa casa
de cabo a rabo e ela vai ter duas frentes!’ E fiz. Era tudo bem conforme a
filosofia, mas foi uma coisa que não funcionou.”
(Jamile
Racanicci, do G1 DF)
Horrível essa quadra 205/206 norte. Nunca vi tanto mau gosto. Nada que coloca ali funciona. Só derrubando tudo aquilo e construindo outra. Nada diferente, igual às outras comerciais mesmo.
ResponderExcluirÉ, mas o diferente, nem sempre, é o mais bonito, o mais funcional, o mais interessante.
ResponderExcluirse a cidade toda não deu certo, porque esta coisa horrivel daria certo?
ResponderExcluirCertamente ela é aquariana! kkk
ResponderExcluirVcs ja passearam pelos jardins do andar superior que ficam atras?
ResponderExcluirÉ um excelente espaco para escritórios de tecnologia e outros negócios... Fora que quebra o tudo igual q permeia o plano.