Discursos do papa Francisco têm mudado a imagem de
intocável da Igreja Católica. A abertura é sentida na capital do país, com
repercussão na comunidade e entre os padres
Grupo Diversidade cristã reúne-se no Centro
Cultural de Brasília, com direito a uma direção espiritual de jesuítas, como o
papa Francisco
Desde que iniciou o pontificado, o papa Francisco
surpreende com discursos no qual trata de temas em que a Igreja não costumava
se comunicar abertamente. O líder religioso, além de carismático, tem espírito
acolhedor com as minorias. Os discursos mostram que o preconceito diminui com
linguagem de misericórdia utilizada e inspira individual e coletivamente os
católicos pelo mundo.
Assim foi
com o grupo Diversidade Cristã, que começou as atividades em 2013 — ano em que
Jorge Bergoglio assumiu o Vaticano. Todo primeiro sábado do mês, homossexuais
se reúnem no Centro Cultural de Brasília para partilhar vivências e temas sobre
a fé. São aproximadamente 30 pessoas, na maioria católicas. O servidor público
Newton Rodrigues, 34 anos, participa desde a primeira reunião e acredita que a
experiência do grupo vai ao encontro com o que o argentino diz nos últimos
anos. “É muito importante o que tem acontecido. Conheço pessoas que foram
impedidas de entrar na Igreja por serem gays. O papa reconhece os erros
passados que a instituição cometeu. Assim, ele resgata a essência do
cristianismo, o amor, compreensão e a partilha”, garante.
O diretor
espiritual que acompanha o Diversidade é o padre jesuíta Alex Pin — a mesma
ordem religiosa de Francisco. Para ele, o ponto-chave do chefe da Igreja
Católica passa pela universalização do discurso, direcionada não somente aos
cristãos. Porém, tudo depende de como cada um escuta o que é dito. “Se estou
pensando exclusivamente em doutrina, de repente, assusta. Os discursos podem
parecer ambíguos: ‘O que esse papa está querendo?’ Mas quando a gente insere
dentro desses desafios, eles ficam mais compreensíveis”, afirma.
Linguagem
O pontífice não escreveu nenhum documento que altere as normas da Igreja
em relação a assuntos polêmicos, mas Alex acredita que a linguagem utilizada
por Francisco fez minorias se aproximarem de Deus. “Há pessoas que nunca vão
experimentar o amor de Deus se elas não sentirem a acolhida, o amor e o
respeito dos seres humanos, de preferência líderes religiosos. Então, com
certeza, ele está conseguindo falar aos corações de pessoas que antes não se
sentiam atendidas”, esclarece.
Recentemente,
o papa declarou em uma entrevista que a Igreja deveria pedir desculpas à
comunidade gay por tê-la marginalizada e que todos eles precisam é de serem
atendidos pastoralmente. Também destacou que o mesmo deve ser feito aos pobres,
às mulheres e às crianças exploradas. “Essas pessoas precisam, sim, de uma
atitude pastoral. Essa palavra é importante porque remete ao cuidado, à
compreensão e à delicadeza do pastor”, descreve Pin, apontando que Bergoglio se
mostrou assim desde o início do papado. “Ele não aparece como um monarca, um
líder religioso imperial. É a necessidade de proximidade com o povo. Francisco
é um pontífice que, talvez, tenha encerrado o período de papas líderes
políticos. Ele é pastoralista, por isso, é importante que o pastor tenha cheiro
de ovelha”, observa.
Recém-ordenado,
o padre Marcus Vinícius não percebe uma linha progressista nos discursos de
Francisco. Segundo ele, o religioso traz em evidência aquilo que a Igreja
Católica sempre quis: levar o Evangelho aos fiéis e aos homens de boa vontade
pelos séculos da história do cristianismo. “Temas como homossexualidade,
imigração, mães solteiras e até mesmo os próprios pastores querem trazer, em
evidência, que a Igreja valoriza a individualidade. Busca acolher a todos, sem
distinção, porém, nunca acolhe o pecado”, aponta o pároco nascido em Ceilândia.
Apresentador
O pensamento encontra eco nas palavras do padre Eduardo Peters, reitor
do Seminário Maior de Brasília. Ele considera o pontífice como uma espécie de
apresentador do papel da Igreja. Sacerdote há 13 anos — morou a vida toda no
Cruzeiro —, Peters diz que todas as pessoas que procuraram auxílio na religião
nunca deixaram de ser atendidas. Entretanto, para um diálogo franco, é preciso
compreender sobre o catolicismo e entender as questões apresentadas. Assim, não
é possível mudar a doutrina para que todos se sintam à vontade, como uma
espécie de “cristianismo adaptado por conveniência”. “O problema é que tem
gente que não está disposta a isso. Nem sempre a Igreja vai poder acolher do
jeito que todos querem ser acolhidos. A verdade é que as pessoas querem que a
instituição se adapte 100% do jeito delas, como uma imposição. Jamais
discriminaremos acusações injustas, mas temos normas a seguir”, alega.
A
intolerância da sociedade é um ponto bastante discutido no meio do catolicismo,
pois Jesus Cristo pregava o amor ao próximo. Segundo o sacerdote, a partir do
momento em que se sabe lidar com as diferenças, a agressão em qualquer dimensão
se anula.“O objetivo de Francisco é lançar uma luz sobre a intolerância e a
indiferença. É preciso que a sociedade saia do estado da anestesia social para
que se tenha preocupação com outro. Não é apenas realizar as obras de
misericórdia, não é apenas dizer que Deus é bom e Ele perdoa”, aconselha. Ainda
que o papa tenha falado de assuntos que não tratados abertamente, de acordo com
Peters, não há respostas definitivas. Muitas vezes, seguir na religião é
desafiador por ter que encontrar respostas juntos. “São temas que merecem
reflexão e, nesse processo, a Igreja terá que fazer o seu percurso. Francisco
nos dá a oportunidade de dialogar”, admite.
Fonte:
Correio Braziliense – Foto: Ana Rayssa/Esp.CB/D.A.Press