Há pessoas de relevância crucial para a
vida das cidades, mas, cujos nomes, no decorrer do tempo, se apagam e
simplesmente deixam de existir. Esse é o caso de Auguste François Marie Glaziou
na história de Brasília. Foi ele que, pela primeira vez, vislumbrou claramente
a possibilidade da criação do Lago do Paranoá, ao visitar a região, com a
Missão Cruls, entre 1882 e 1884, no vale banhado pelos rios Torto, Gama,
Vicente Pires, Riacho Fundo e Bananal.
Botânico, engenheiro e paisagista,
Glaziou era francês e desembarcou no Rio de Janeiro em 1858. Atuou como Diretor
dos Parques e Jardins e Inspetor dos Jardins Municipais. Era prestigiado pelo
imperador Dom Pedro II e participou dos principais projetos que transformaram a
paisagem brasileira na segunda metade do século 19. Além disso, desenvolveu
importante trabalho de pesquisador, recolheu mais de 20 mil espécies de
plantas. Permaneceu no Brasil até se aposentar, em 1897. Retornou à França,
onde morreu, em 1906.
Em relatório para a Missão Cruls, ele
escreveu: “Enfim, de jornada a jornada, estudando tudo: qualidade do solo,
vantagem de águas, clima, caráter do conjunto da paisagem etc., cheguei a um
vastíssimo vale banhado pelos rios Torto, Gama, Vicente Pires, Riacho Fundo,
Bananal e outros; impressionou-me profundamente a calma severa e majestosa
desse vale. Talvez movido pelo mesmo sentimento, o chefe da comissão, o Sr. Dr.
Cruls, mandou estabelecer aí o acampamento geral.”
Glaziou percorreu quase que diariamente
o calmo território e dessas excursões voltava sempre encantado: “Cem vêzes as
repeti, quase sempre a pé para a facilidade das observações, em todos os
sentidos e sem a menor fadiga, tão benéfica é aí a amenidade atmosférica”.
Notou, com extrema perspicácia que,
entre os chapadões do Gama e do Paranoá, existia uma imensa planície. Lá,
haveria um lago “outrora” e, para se criar um novo lago seria preciso apenas
construir uma barragem. Nessa brecha, Glaziou anteviu o Lago Paranoá, à espera
apenas de alguém que vedasse o curso das águas: “É fácil compreender que,
fechando essa brecha com uma obra de arte (dique ou tapagem profunda de
chapeletas e cujo comprimento não excede de 500 a 600 metros, nem a elevação de
20 a 25 metros) forçosamente a água tomará ao seu lugar primitivo e formará um
lago navegável em todos os sentidos, num comprimento de 20 a 25 quilômetros
sobre uma largura de 16 a 18 metros”.
Além da capacidade da navegação, a
abundância de peixe, que não é de somenos importância, segundo Glaziou, ele
chama a atenção para “o cunho de aformoseamento que essas belas águas correntes
haviam de dar à nova capital despertariam certamente a admiração de todas as
nações”.
Apesar de todo esse visionarismo,
Glaziou não mereceu sequer um monumento ou placa próxima ao lago que anteviu no
século 19, com olho de artista. Está na hora de fazer justiça a Glaziou.
PS.: o tema da crônica foi sugerido
pelo professor José Carlos Coutinho, profundo conhecedor da história da cidade.
Por: Severino Francisco – Colunista do Correio Braziliense –
Foto/Ilustração: Christian Kanepper - Blog