Maria Clara Viana (de cinza) em ação: grande craque do time
Antes mesmo de a maior artilheira brasileira cair nas graças do público,
esse grupo de meninas já batia o maior bolão. Fãs de futebol desde criança,
elas formaram um time e todos os sábados se encontram para fazer o que mais
gostam: jogar uma pelada
Os gritos seguem quase em uníssonos por toda a
arquibancada assim que a Seleção Brasileira de Futebol Feminino entra em campo:
“Ah, a Marta é melhor que o Neymar”. Durante as partidas das Olimpíadas Rio
2016, o desempenho pífio do time masculino contrasta com o empenho das mulheres
em campo, personificado na garra da principal jogadora, Marta. Aos 30 anos, ela
tem se tornado um fenômeno cada vez maior, principalmente diante das sucessivas
decepções que os jogadores têm trazido.
Entretanto, criar essa rivalidade entre as seleções
feminina e masculina diminui a grandeza de Marta. E são as próprias mulheres
que amam futebol que garantem isso. “Comparar não é a solução. Nenhuma menina
nasce com a bola no pé, como acontece com um menino. Espero que as Olimpíadas
sirvam para mudar o pensamento, chamando a atenção para o futebol feminino, que
não tem patrocínio, não tem ajuda, não tem mídia em cima.”
Quem afirma é Ludmila Pimenta. Aos 21 anos, a
estudante de arquitetura faz parte de uma geração de mulheres que não quer olho
torto para o esporte que escolheu praticar. Muito menos paralelos que não
equilibram qualidades — só despertam mais preconceitos. “A mulher é boa porque
é boa, simplesmente. Ninguém fala que o Neymar é bom como a Marta, só o
contrário”, reclama. O efeito Marta não foi decisivo para fazer com que Ludmila
criasse interesse pelo futebol, mas é certo que os dribles da atacante têm
ajudado a minimizar as reações contrárias às mulheres em campo. Ao encontrar na
faculdade amigas que tinham o mesmo interesse, Ludmila pôde voltar aos treinos,
montar um time e disputar partidas. As manhãs de sábado são sagradas para essa
turma de estudantes de arquitetura e engenharia da Universidade de Brasília,
quando elas se encontram para treinar.
“Comecei a jogar porque tenho dois irmãos. Eles me
obrigavam, pois precisavam de companhia, e acabei gostando. Mas sempre foi
difícil. Nunca era escolhida no time, por ser a única menina. Às vezes, nem me
deixavam jogar, só se meu irmão obrigasse.” A situação é comum. Daniela Dino,
21 anos, e do mesmo time da arquitetura, formado por estudantes da Universidade
de Brasília (UnB), teve dificuldades em manter a prática que descobriu amar
quando começou a jogar com os garotos da escola. “Eles não me escolhiam. E,
quando procurava uma escolinha de futebol feminina, nunca encontrava uma turma
que fosse grande o suficiente. Mas recebi incentivo em casa e jogo há 13 anos.”
Ela também faz coro quanto à necessidade de o lado feminino da bola ser mais
bem representado, principalmente para garantir uma maior união entre aquelas
que querem jogar.
Para ela, cada jogador é único, e contraposições
não fazem justiça ao talento de nenhum dos dois craques brasileiros. “Não é
comparando que vamos fazer as mulheres serem melhores no esporte ou em qualquer
outro ambiente. É investindo nelas, no esporte para elas, da mesma forma
como ocorre no futebol masculino, que tem investimento desde as escolinhas de
base. Isso sim pode ser uma solução”, argumenta Ludmila.
Para a craque Daniela Dino, futebol é, sim, coisa de mulher
Empoderamento
Mesmo que o discurso sempre envolva o empoderamento
feminino no futebol, elas acham que é importante que os homens possam
participar também, até mesmo para minar a impressão de que “isso não é coisa de
mulher”. “O grande responsável pela união que nós temos é um homem. E ele é o
mais compromissado em nos manter juntas”, garante Daniela. O time feminino se
formou depois que um colega não conseguiu montar um grupo masculino dentro do
curso de arquitetura da UnB, em 2013. Em contrapartida, as meninas conseguiram.
De sala em sala, as fãs do esporte bretão foram se unindo e, desde então,
construíram uma relação que não se restringe ao campo. “Cheguei sozinha, sem
conhecer ninguém, e todas me acolheram; tentavam puxar assunto para que eu não
me sentisse deslocada e, no segundo treino, já me senti amiga de todo mundo”,
lembra Júlia Gratone, 19 anos.
A jovem explica que cresceu em um ambiente escolar
e familiar que estimulava a prática esportiva e sabe o quanto isso foi
importante para compreender a liberdade que ela tem de poder fazer o que quer.
“Muitas meninas poderiam ser ótimas de futebol, mas não conseguem ter o contato
e acabam não jogando. Ainda há pais que acham o esporte coisa de homem e não
deixam as filhas praticarem.” Os problemas não ficam restritos à ideia errônea
de que esporte tem gênero. Elas garantem que já tiveram que lidar com homens
tirando fotos enquanto elas treinam ou mesmo aqueles que ficam observando de
forma crítica, esperando um erro. “Às vezes, a gente até evita ficar de top por
causa disso”, garante Ludmila.
Ludmila
Pimenta jogava bola com os dois irmãos: acabou apaixonada
Outro ponto que ainda causa desconforto é a forma
como muitos tendem a relacionar o esporte com a feminilidade de cada uma delas.
“Isso vai além da questão da orientação sexual. Vai pela característica geral
do estereótipo feminino. Na visão de muita gente, a mulher que joga futebol não
gosta de pintar as unhas, não é vaidosa, não vai ser uma menininha, como se
isso tivesse alguma relação. E isso influencia também os homens. Um menino que
gosta de futebol parece que não pode ter outro gosto, como arte ou música”,
reclama Valentina Moura, 21 anos.
Considerada a mais craque entre as entrevistadas,
Maria Clara Viana, 21, sempre foi uma das primeiras a serem chamadas nas
peladas de infância e quase sempre no time do irmão, que não queria saber de
deixar suas habilidades em outro time. “Já participei de vários campeonatos nos
quais eu era a única menina”, lembra. Para ela, a relação formada entre as
mulheres com quem ela joga hoje define o que ela mais gosta no futebol.
“Estamos em uma grande família”, resume. Daniela Dino vai além. Para a
estudante, a ligação que existe com a equipe é a melhor descrição de espírito
olímpico. “É uma amizade que surge pelo esporte, é o papel dele. E as
Olimpíadas têm esse lado que muita gente não consegue alcançar. O verdadeiro
propósito é causar união e confiança, valores olímpicos que são importantes
para a formação de qualquer pessoa”, completa.
Campeã
Maior artilheira da história da Seleção Brasileira,
a alagoana da pequena cidade de Dois Riachos foi eleita por cinco vezes a
melhor jogadora do mundo. Hoje, ela joga pelo FC Rosengård, na Suécia.
Artilheiros - Com o nome marcado na Seleção
Brasileira - Marta: 103 gols (até o fechamento) -
Pelé: 95 gols
Fonte: Rafael Campos – Fotos: Helio
Montferre/CB/D.A.Press – Google - Correio Braziliense