Congresso Nacional em construção visto do STF, Brasília,
1959 - Foto: Thomaz Farkas.
Por: Gustavo T. Falleiros
Às vezes, quando a gente gosta muito de uma coisa,
chega aquele momento mágico em que não é mais preciso procurar por ela: tudo o
que diz respeito ao objeto de interesse vem às mãos com naturalidade. Isso tem
acontecido comigo com relação aos primórdios da capital. As pessoas já sabem
que eu sou fascinado pelo assunto e me presenteiam com pequenas joias. O achado
mais recente é um exemplar da revista Brasília, de fevereiro de 1960, em ótimo
estado de conservação. Uma cortesia do amigo Lúcio Flávio, ele próprio um
entusiasta da cidade modernista.
Sobre a revista editada pela Novacap, nunca é demais lembrar sua
importância. Surgida da obrigação da companhia urbanizadora de publicar seus
atos, ela foi muito além. O projeto gráfico era tão bonito que até as
prestações de contas tinham charme. O expediente de colaboradores variava
muito, mas há de se reconhecer as mãos dos arquitetos Artur Lício Pontual,
Hermano Gomes Montenegro e Armando Ivo de Carvalho Abreu no acabamento
estético. O auge dessa produção foi de janeiro de 1957 a abril de 1960, quando
mantiveram uma contagem regressiva, mês a mês, até a inauguração de Brasília.
Depois, foram desacelerando até o desmantelamento total, provocado pelo golpe
de 1964. Edições esparsas vieram à tona mais tarde — as duas últimas, em 1988.
O exemplar que ganhei, número 38, é dos melhores. É uma pepita da fase
áurea, coordenada por Nonato Silva. Na capa, mais uma etapa vencida da
construção do Palácio do Planalto, num registro feito pelo fotógrafo
franco-brasileiro Marcel Gautherot (!). Na legenda, o apelido esquecido: “O
Palácio dos Despachos” (!!). No miolo, o então presidente norte-americano
Dwight Eisenhower recebe a chave de Brasília (!!!), durante uma cerimônia na
Rodoviária. Percebe-se, pela foto, que a plataforma não tinha muretas de proteção,
e o povo ficava na beirinha, sem se preocupar com a altura.
Em termos de conteúdo, como era de se esperar, são páginas repletas de
elogios despudorados ao projeto de Lucio Costa. Mas também há drops de humor
involuntário e promessas jamais cumpridas. Um artigo de Apolônio Sales se mete
a defender as granjas faraônicas da futura capital, sobre as quais, pelo que
pude inferir, pesavam suspeitas de malversação de recursos públicos. “Sinto-me
no dever de informar aos que me honram lendo o que escrevo que a granja da
Novacap não é nenhum amontoado de extravagância de avicultor rico, esbanjador
de dinheiro. É uma granja certa”, garante. Isso deve ter sido um escândalo na
época.
Sensacional é a resposta do engenheiro Pery da Rocha França, chefe do
Departamento de Edificações, aos seus detratores, céticos com relação ao
cumprimento de prazos das obras. Leio na página 20: “Aquêles que desconhecem
como se trabalha em Brasília têm suas razões para descrer de tal possibilidade,
mas a verdade é que, em Brasília, a fôrça da fé e da vontade está sobrepujando
a própria técnica”. Falou, tá falado. Aliás, sabia que a cobertura da visita de
Eisenhower foi publicada em tempo recorde pelos vespertinos americanos?
“Destruindo mesmo as notícias pessimistas que se referiam a um isolamento da
Nova Capital do País”, essa “Califórnia brasileira”. Peraí, eu disse
“Califórnia brasileira”?
Um brinde para o leitor: acesse o PDF da edição 42 da revista Brasília
clicando no link ( goo.gl/9suJiP ) E não se esqueça de que o Arquivo
Público do DF tem a coleção inteirinha digitalizada. Cabe em um pen-drive.
(*)Gustavo T. Falleiros – Jornalista – Correio
Braziliense - Nascido em Brasília em 1979 - Criado nos pilotis da Asa
Sul - Mãe carioca e pai mineiro – Foto/Ilustração: Blog - Google