Por: Severino
Francisco,
Já contei esta história, mas volto a
ela em razão da passagem dos 20 anos da morte de Renato Russo. A notícia caiu
como um meteoro dentro das redações dos jornais e emissoras de tevê naquela
manhã de outubro de 1996: “Renato Russo morreu!”. Era difícil acreditar que
Renato havia morrido, pois era muito jovem e não se falava que ele estaria com
alguma doença grave.
Depois de ficar famoso, fugia de
jornalistas como o diabo da cruz. E, mesmo quando falava, desconversava,
dissimulava, mistificava. No entanto, logo surgiu a confirmação de sua morte e
tudo assumiu uma dimensão extremamente dramática. Seria preciso dar conta de
inúmeros aspectos de sua vida e, se possível, deslindar vários mistérios em
poucas horas.
Quando isso ocorre é um deus nos acuda
nas redações dos jornais, com todos mobilizados para a cobertura, em uma
varredura sem radar, no escuro, que começa do zero, em contagem regressiva
contra os ponteiros dos relógios. É um momento especial para o jornalismo, pois
todas as atenções estarão voltadas para o fato.
A pressão opera milagres. No outro dia,
ao vermos estampadas as matérias no jornal, algumas vezes nos surpreendemos,
sem saber direito como conseguimos levantar tantas informações em tão pouco
tempo. E foi isso que aconteceu na cobertura da morte de Renato. Como diz
Guimarães Rosa: “Sapo pula não é por boniteza; mas, porém, por precisão”.
Naquele dia de transe, um jornal do Rio
de Janeiro convocou toda a equipe e concentrou a maioria dos repórteres na
cobertura sobre a morte de Renato, prevendo a comoção popular que suscitaria.
Ninguém ficou (nem queria ficar) de fora, mesmo os estagiários. E a um deles
coube a importante pauta de acompanhar a repercussão da morte do maior poeta do
rock brasileiro pelas ruas do Rio de Janeiro.
Ocorre que, a partir de certo momento,
o comando da redação do jornal perdeu o contato com o estagiário. Ligavam para
o celular, mas ele estava, invariavelmente, desligado. Deixavam mensagens e
nada de um mínimo sinal de vida. Enquanto isso, os ponteiros dos relógios
avançavam implacáveis. Resolveram telefonar para os amigos, os colegas de
universidade e a família. Nada, nenhuma pista do rapaz.
De dramático, o quadro começava a ficar
desesperador, pois o que estava em jogo não era mais apenas uma questão jornalística,
mas também humana. O paradeiro do estagiário passou a dividir a atenção com as
apostas da pauta. Tudo pode acontecer em uma metrópole da magnitude do Rio de
Janeiro, tão perigosa e tão cheia de caminhos tortuosos. Em que buraco havia se
metido o estagiário?
No meio do sufoco do fechamento, sem
saber mais a quem procurar, os chefes da cobertura ligaram a tevê para
acompanhar o Jornal Nacional, que dedicou uma reportagem especial sobre Renato
Russo. Uma das matérias, ao vivo, mostrava uma legião urbana de jovens no
centro do Rio de Janeiro, em estado de comoção, cantando Será: “Será só
imaginação...”
E, na primeira fila, com os braços
abertos, se derramando em lágrimas, um rapaz bastante jovem puxava o coro. Os
chefes do jornal carioca não acreditaram no que viram. Quem comandava a massa
era o estagiário desertor. E o pior é que um estagiário do Correio, fã da
Legião Urbana, leu esse texto e fez o seguinte comentário: “Se estivesse lá, eu
também seria um estagiário desertor”.
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(*) Severino Francisco – é jornalista, repórter,
colunista do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog – Google