"A UnB precisa estar cada vez mais integrada
com a sociedade para produzir conhecimento" Rafa Energia, psicólogo e
educador popular na área da saúde
"Não só de professores, pesquisadores e alunos
regularmente matriculados é formada a UnB. Pelos corredores e salas de aula da
universidade, pessoas de várias idades e formações participam ativamente da
vida acadêmica"
Em meio aos corredores do Câmpus Darcy
Ribeiro, o primeiro da Universidade de Brasília (UnB), não são apenas alunos
que passeiam nos espaços cercados por área verde e intervenção artística. A
vida dentro da comunidade acadêmica revela um viés pouco conhecido: a
participação da comunidade em projetos, aulas, grupos de pesquisa e produções
científicas. Um universo feito não apenas de universitários ou alunos
regulares, mas de moradores de Brasília que valorizam o conhecimento, a troca
de ideias livres, o estímulo ao pensamento crítico e o incentivo ao debate.
A UnB agrega alunos ouvintes, gente de
fora que participa de projetos de extensão, grupos de pesquisa, palestras e
rodas de conversa. Entre eles, há pré-vestibulandos, jovens, adultos e pessoas
da terceira idade. Cidadãos que simplesmente vivem a universidade de diversas
formas e fazem do convívio um reduto de acolhimento, encontro, representação e
conforto.
Psicólogo e educador popular na área da
saúde, Rafael Gonçalves, 30 anos, conhecido como Rafa Energia, é um dos que se
enquadram no perfil. A relação dele com a UnB começou com a Faculdade de Saúde,
há um ano, a partir da colaboração com a Conferência Livre de Juventude e
Saúde. Hoje, ele também participa do Projeto Vidas Paralelas, assiste a aulas
no laboratório de saúde indígena e é organizador do Movimento Ocupe a Extensão.
Está, semanalmente, de duas a três vezes, no câmpus. “Meu diálogo sempre foi
contribuir com oficinas, participar das aulas, acompanhar grupos de pesquisa e
dialogar com a Faculdade de Saúde, ajudando na organização de tendas da área,
na Semana de Calouros, entre outras atividades”, destacou.
Na campanha Ocupe a Extensão, Rafa
criou um canal no Youtube para tratar das experiências e do lugar na universidade.
O movimento tem o objetivo de dar visibilidade à prática da extensão. “Estamos
construindo uma estratégia de conhecer mais os movimentos de extensão e, nisso,
agregá-los para fortalecer sua prática. O desafio é criar espaços de encontro.
A UnB precisa estar conectada com a realidade das comunidades e da sociedade
para produzir conhecimentos conectados com a realidade”, destacou. “A
importância é as pessoas de fora da estrutura burocrática acadêmica trazerem
histórias de vida e realidades, além de interferirem na produção de
conhecimento. A UnB precisa estar cada vez mais integrada com a sociedade para
produzir conhecimento”, acrescentou.
Bibliotecária e estudante de direito em uma faculdade particular, Dandara Baçã, 28, formou-se em biblioteconomia em 2009 pela UnB. Até 2011, ela participou de um projeto na universidade. E, desde o início do semestre, começou a integrar o projeto de extensão Corpolítica da Faculdade de Direito da UnB. “A universidade propicia o diálogo e a oportunidade. Quando entrei para a UnB, eu não tive essa fase na instituição, porque precisava me manter. Voltar hoje mais madura é muito bom. É um tempo de construção de conhecimento mais profundo”, destacou.
"Minha relação com a UnB acabou sendo de muito
carinho. Digo que ela é a minha mãe de criação" Cláudio Antônio de
Almeida, economista e advogado
Velha guarda
Economista formado pela UnB e advogado,
Cláudio Antônio de Almeida, 73, participa de forma voluntária em diversas ações
da universidade. Amigo pessoal de Honestino Guimarães desde a época em que
estudava no Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem), a história dele se
confunde com a da própria instituição pública. Mineiro de Belo Horizonte, ele
ingressou na universidade pública para fazer economia, em 1965. “À época, havia
essa aproximação e facilidade em fazer matérias de outros cursos e áreas. Era
um grande momento para acreditar no projeto educacional da cidade”, destacou.
Mas, em período de intensa repressão
militar, Cláudio foi preso e torturado durante a invasão da UnB, em 29 de
agosto de 1968. Em 1969, formou-se em economia e, em 1983, em direito, por uma
universidade particular. Na década de 1990, voltou à UnB para cursar história,
mas não chegou a terminar por causa de uma das maiores greves da história.
Recentemente, Cláudio participou da
Comissão de Memória e Verdade Anísio Teixeira, da UnB, como integrante, e
constantemente recebe convites de professores e alunos da graduação e
pós-graduação para dar palestras, além de participar de congresso e movimentos
estudantis, quando convidado. “Minha relação com a UnB acabou sendo de muito
carinho. Digo que ela é a minha mãe de criação. Uma instituição que me deu
formação, cultura, sustentáculo. Nunca me afastei pelo carinho que sinto. A UnB
me deu coordenação, diretrizes e o sentido da vida”, destacou.
Médica e professora da UnB aposentada,
Ivonette Santiago de Almeida, 74, tem uma história com a educação que começou
ainda em Teófilo Otoni, Minas Gerais. Ela foi integrante do movimento de
Educação de Base, voltado para alfabetização de trabalhadores rurais com o
método Paulo Freire. Em 1966, ela se mudou para Brasília e, um ano depois,
iniciou o curso de medicina na UnB. Depois, ela começou a ganhar espaço no
movimento estudantil, ao agregar alunos que entravam no curso de medicina e
ciência da saúde. “A universidade tinha portas abertas e tínhamos a oportunidade
de fazer disciplinas em outros cursos. Fiz literatura brasileira, filosofia
grega, crítica literária, iniciação teatral e artes. Essa abertura para outras
disciplinas que conversam com a saúde me favoreceu como médica”, destacou.
Em consequência da intervenção militar
na UnB, Ivonette foi excluída na metade do curso de medicina, mas retornou seis
meses depois, com um mandado de segurança. Hoje, Ivonette participa de mesas de
palestras em direito e em eventos da saúde, além de programações acadêmicas,
como a Semana Jurídica, que ocorreu no fim de setembro. Em 1968, ela pintou um
quadro de Honestino Guimarães com a imagem que ficou na memória. “Tenho paixão
e amor pela UnB e sempre frequento o que ocorre no câmpus. A história da UnB
tem a ver com a minha. Costumo dizer que sou cidadã do câmpus. Venho de forma
livre e espontânea participar das atividades que possam me acrescentar”,
reforçou.
"Tenho paixão e amor pela UnB. A história da
universidade tem a ver com a minha" - (Ivonette Santiago de Almeida, médica e
professora da UnB aposentada)
VÍDEO ..,
Abertura
Hoje, a universidade conta com 352
projetos, alguns com vida de 10 a 15 anos ininterruptos. Do total, 30 são
programas de extensão. Eles envolvem cerca de 3 mil estudantes.
Fonte: Isa
Stacciarini – Fotos: Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Correio Braziliense