Sem uma fiscalização efetiva e
rigorosa, nenhuma cidade tem futuro promissor. Deixada aos caprichos de cada um
de seus habitantes, a tendência é que os espaços públicos desandem
progressivamente para o caos. Uma vez instalada as primeiras desordens, é dada
a largada para uma sequência desenfreada de múltiplas irregularidades que vão
num crescendo de difícil retorno.
É fácil identificar uma cidade onde os órgãos de
fiscalização e controle não funcionam. Elas estão espalhadas por todo o Brasil
e já fazem parte da nossa triste paisagem. Praticamente nenhuma metrópole
brasileira ficou imune aos processos de degradação paulatina. Sujeira, poluição
visual, calçadas irregulares e perigosas, iluminação precária, puxadinhos
desengonçados por todo lado. Toda essa confusão urbana é bem conhecida e, de
certa forma, estamos nos acostumamos aos desarranjos.
Turistas que vêm de países onde a fiscalização é
onipresente veem nossas metrópoles como retrato acabado do Terceiro Mundo:
perigoso e precário. Brasília, principalmente sua área tombada, vai, pouco a
pouco, caminhando para se igualar às demais cidades de nosso país naquilo que
elas tem de pior. Circular pelas avenidas W3 Norte e Sul, duas das principais e
mais antigas artérias da capital e que a décadas vêm aguardando uma reforma
séria e profunda, confirma a tese de que a cidade parece entregue à própria
sorte.
Cada comerciante, daqueles que ainda teimam em
permanecer nestes espaços comerciais, na ausência dos fiscais, interferem nos
espaços públicos como querem. Constroem suas próprias calçadas, montam seus
outdoors na dimensão que acham mais visível, montam largos estacionamentos em
áreas verdes, espalham mesas e cadeiras escondidinhas por plantas.
Alguns mais empreendedores constroem coberturas
sobre os prédios comerciais e cobrem com generosos telhados coloniais. Tudo na
maior boa vontade e longe dos olhos cegos da fiscalização. Na falta de um
projeto público consistente, os arquitetos e urbanistas sem diploma vão fazendo
o que podem, desconstruindo o bairro tijolo a tijolo.
Enquanto a desordem vai brotando aqui e ali, os
brasilienses vão assistindo a explosão do comércio de lata por todo o lado. Em
algumas localidades, como nas vizinhanças do edifício principal da Caixa
Econômica no SBS, a multiplicação dos comércios fixos e fora do padrão é
assustador. Não parece Brasília.
Em decorrência da crise econômica e do desdém dos
fiscais, a capital do país vai experimentando o modismo dos truck foods. O que
parece modernidade esconde um futuro de caos e um grande perigo para a saúde
pública. Só Deus sabe em quais condições os alimentos sobre rodas são
conservados e preparados. É comum observar nesses trailers a falta de luvas,
toucas e outros uniformes de uso obrigatório para quem manipula alimentos. A
oferta de água é precária.
Por todo lado é visível a presença desses trucks,
numa concorrência desleal com os comerciantes fixos. Alguns proprietários
desses caminhões, livres dos olhos da lei, chegam a cercar seu estabelecimento
com gambiarras de luzes, onde instalam mesas e cadeiras. Nesses ambientes
improvisados, sob a leniência do GDF, instalam suas caixas de som e seja o Deus
quiser. Aos infelizes moradores das áreas vizinhas às centenas de bares
espalhados pelo Plano Piloto, resta implorar pela vinda de algum salvador da
ordem pública.
A frase que não foi pronunciada
“A arquitetura é uma ciência, surgindo de muitas
outras, e adornada com muitos e variados ensinamentos: pela ajuda dos quais um
julgamento é formado daqueles trabalhos que são o resultado das outras artes.”
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(Vitrúvio)
Por Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido –
Ari Cunha- Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Bl0g - Google