Moacyr, da Aruc: É preciso repensar o formato do
carnaval do DF
Por Isa Stacciarini,
Por três anos consecutivos sem desfilar na capital,
as escolas do DF passam pela maior crise da história. Atoladas em dívidas,
estão com as fantasias e os adereços armazenados de forma precária. E temem
pelo futuro do carnaval
Em 55 anos de Brasília, as escolas de
samba candangas desfilaram 50. Amargando o esquecimento nos últimos três anos,
as agremiações lutam para manter as portas abertas em meio a dívidas e falta de
investimento. Para 2017, a sugestão do governo é que elas façam apresentações
das baterias nas ilhas em que os blocos carnavalescos se reunirão. Seriam
montados espaços no Taguaparque, Ceilândia Centro e no Plano Piloto para
integrar os sambistas à folia das agremiações de rua. A partir de março, as
escolas vão participar de um seminário para pensar o carnaval de 2018.
A última vez que os carnavalescos
enfrentaram crise semelhante foi nos anos de 1994 e 1995, nos governos de
Joaquim Roriz e Cristovam Buarque. Na época, também não houve desfile. A última
verba repassada pelo governo ocorreu no carnaval de 2014, quando 19 escolas
receberam R$ 5,9 milhões (veja quadro). Desde então, elas nunca mais contaram
histórias de samba na avenida. Para piorar, as agremiações devem
aproximadamente R$ 2,5 milhões a fornecedores contratados para fazer o desfile
de 2015, que nunca ocorreu.
Mário Santos com as fantasias abandonadas da
Império do Guará
São mais de 100 profissionais de
Brasília, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, entre coreógrafos, carnavalescos,
desenhistas, estilistas, costureiras e serralheiros, que esperam receber o
pagamento pelos serviços prestados. O problema é que as agremiações confiaram
no dinheiro prometido, em julho de 2014, pelo então governador Agnelo Queiroz
(PT), que aprovou o projeto para o carnaval do ano seguinte, com repasses
previstos de R$ 6.351.520. A primeira parcela, de 50%, era para ter sido paga
em outubro de 2014, ainda na gestão do petista, e a outra metade, em janeiro de
2015, no início do governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), mas o dinheiro nunca
chegou.
Há três anos, muitas escolas tiveram
que improvisar para guardar as fantasias e alegorias prontas. Sem sede própria
— com exceção da Aruc e da Acadêmicos da Asa Norte —, muitos materiais estão
nas casas dos integrantes das agremiações, em espaços cedidos e em barracões.
“É uma dívida de milhões. Não sabemos nem os valores exatos, por causa dos
juros e da correção monetária. Guardamos todo o material e deixamos os enredos
de samba gravados, pensando que voltaríamos em 2016, mas o governador tomou a
mesma posição, dizendo que não tinha condições porque o Estado está quebrado”,
relembrou o presidente da União das Escolas de Samba de Brasília, Geomar Leite,
o Pará.
Descrente da realização do carnaval em
2018, Pará considera a falta do desfile uma perda para a cultura popular. “Se a
gente conseguir retomar, é como se tivéssemos perdido de 25 a 30 anos do nosso
serviço. O trabalho das escolas de samba é completamente diferente dos blocos
de rua. Fazemos um desfile técnico e contamos uma história, com pesquisas.
Carnaval é coisa séria”, destacou.
O secretário de Cultura, Guilherme
Reis, informou que o governo não reconhece as dívidas com as escolas de samba.
Segundo ele, o que havia era uma promessa da gestão anterior, mas que não foi
garantida por meio de nenhum documento, projeto ou empenho. “O governo
reconhece a tradição e a importância dos desfiles para a cultura do DF, mas,
quando chegamos aqui, não havia qualquer dívida do governo com as escolas.
Entendemos que elas confiaram que haveria o repasse e gostaríamos de ajudar.
Mas a crise econômica inviabilizou esse apoio”, alegou.
Base de carro alegórico da Aruc se deteriorando na
sede da escola
Prejuízo
No último ano do desfile, a Império do
Guará venceu o grupo de acesso e subiu para o grupo especial. Confiante para a
disputa de 2015, o grupo se preparou com antecedência. Comprou materiais,
contratou mão de obra e chegou a montar as fantasias. Gastou em torno de R$ 260
mil. E ficou no prejuízo. Só com pessoal, a escola desembolsou R$ 90 mil, além
de R$ 110 mil com tecido, R$ 15 mil com acetado e R$ 12 mil com aramado. Tudo
está amontoado na antiga Casa da Cultura do Guará — espaço cedido pela
administração regional —, em meio à sujeira e à escuridão, causada por
vândalos, que invadem o espaço, consomem droga e furtam cabos de energia. Lá,
também fica parte do material da escola Candangos do Bandeirante, do Núcleo
Bandeirante.
Presidente da agremiação pelo segundo
mandato consecutivo, Mário Santos contou que a Império do Guará preparou mil
fantasias para 1,2 mil integrantes que desfilariam. Em 2015, o tema seria 100
anos do samba. Ele tem esperança que possa aproveitar parte do material em um
provável desfile em 2018, mas garante que parte das roupas perdeu a qualidade.
“É uma perda muito grande para a cultura, porque geramos emprego, tiramos
meninos da rua, com as aulas de percussão, e envolvemos toda a comunidade.”
Trinta e uma vezes campeã do carnaval
de Brasília, a Aruc preferiu esperar para começar os trabalhos do carnaval de
2015 e teve um prejuízo menor. A escola tinha comprado apenas aramados e
começado a fazer algumas fantasias para compor os carros, o que ficou entre R$
20 mil e R$ 30 mil. “Nosso maior prejuízo é institucional, porque, embora
tenhamos uma estrutura consolidada, a alma da Aruc é a escola de samba. É a
primeira vez na história de Brasília que ficamos três anos sem desfile. Isso
causa uma desmotivação e o sentimento de insatisfação entre as pessoas”,
explicou o presidente da agremiação, Moacyr Oliveira Filho.
Na visão dele, é preciso que se crie um
novo formato para o carnaval de Brasília. “O de três anos atrás se esgotou. É
necessário que haja um enxugamento das escolas, como fizemos no ano passado, e
o estabelecimento de critérios. Tem espaço para todo mundo, e o governo não
pode se furtar em ter uma parcela de contribuição.” Para Moacyr, é importante
investir para preservar a cultura do carnaval em Brasília. Ele confia que os
desfiles serão retomados em 2018. “O dinheiro do carnaval não vai resolver a
crise na saúde. A cidade também precisa de cultura, esporte e lazer.”
O secretário Guilherme Reis explicou
que, para o carnaval do próximo ano, trabalha-se com a ideia de um planejamento
mais sustentável, com uma nova legislação que regulamente os deveres de cada
área envolvida. “Também para 2018, estamos elaborando um cronograma de ações
que prevê, entre outras coisas, o lançamento de edital de patrocínio. A
proposta é fazer isso com antecedência para que, ainda este ano, possamos
evoluir para um formato do carnaval que dê conta do crescimento das
manifestações espontâneas de rua e que possa, ainda, contemplar as escolas de
samba e desonerar os cofres públicos.”
O que diz a lei - A Lei nº 4.738, de 29
de dezembro de 2011, conhecida como Lei do Carnaval, prevê que os valores dos
contratos com escolas de samba e blocos carnavalescos devem ser pagos
antecipadamente, em pelo menos três parcelas, para possibilitar o uso dos
recursos na preparação dos desfiles contratados. “O pagamento antecipado de que
trata este artigo pode ser realizado no exercício financeiro imediatamente
anterior ao da realização dos desfiles”, diz a norma. “Havendo descumprimento
de cláusula contratual, os valores pagos em decorrência do contrato devem ser
devolvidos ao Distrito Federal de forma proporcional aos serviços não
prestados, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)”,
completa.
Investimento nos carnavais
2017 - Será anunciado no
início da próxima semana
2016 - Blocos de rua: R$
780 mil, repassados pelo governo e nenhum patrocínio da iniciativa privada
- Escolas de samba: não receberam dinheiro do governo nem patrocínio
2015 - Blocos de rua: R$ 70
mil do governo e R$ 300 mil da iniciativa privada - Escolas de
samba: não receberam dinheiro do governo nem patrocínio
2014 - Blocos de rua: R$ 1,6
milhão destinados pelo governo - Escolas de samba: R$ 5,9 milhões
destinados pelo governo
(*) Isa Stacciarini – Fotos: Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense