"Disseram que eu não poderia pegar as chaves
se não pagasse o valor. Tive de pagar novamente para entrar na minha casa" (Leonardo
Rodrigo Gonçalves, correspondente bancário)
Cerca de 400 pessoas denunciam calotes cometidos
por associações ligadas a ex-distrital, que não teria repassado dinheiro para
construtoras. A Polícia Civil investiga os casos, que também chegaram à Justiça
*Por Thiago Soares,
O sonho da casa própria veio acompanhado de
pesadelo para alguns brasilienses. Pelo menos 400 pessoas denunciam ser vítimas
de um calote aplicado por cooperativas habitacionais do Distrito Federal. Os
contratos são correspondentes aos anos de 2000 até 2013, cujos valores não
foram repassados pelas associações às construtoras. Os prejuízos dos associados
variam entre R$ 15 mil e R$ 70 mil. A quantia seria destinada para bancar os
projetos iniciais das construções. Ao serem chamados para pegar a chave dos
empreendimentos, os novos proprietários tiveram os valores cobrados novamente.
De acordo com as vítimas, 30 cooperativas ligadas
ao ex-deputado distrital Batista das Cooperativas estão envolvidas na fraude. É
o caso do correspondente bancário Leonardo Rodrigo Gonçalves, 32 anos. Em 2004,
ele ingressou na Associação Habitacional da Casa para adquirir um imóvel na
Etapa 4 do Riacho Fundo 2. À época, a instituição exigiu R$ 5 mil,
correspondentes aos projetos do novo condomínio. Pagou R$ 500 à vista, e o
restante, em cheques. Ao ser convocado para assumir o apartamento, veio a
surpresa: o dinheiro não havia chegado à construtora. “Disseram que eu não
poderia pegar as chaves se não pagasse o valor. Tive de pagar novamente para
entrar na minha casa”, queixou-se.
Leonardo, assim como os demais moradores do
condomínio, se sentem prejudicados. “Fiz tudo certo. Paguei o dinheiro que foi
exigido na cooperativa e agora tive um grande prejuízo. Sinto-me totalmente
lesado. Quando questionamos os responsáveis, não temos nenhuma resposta. A
solução é entrar na Justiça”, disse. Ele também registrou uma ocorrência contra
José Matildes Batista, o Batista das Cooperativas, acusando-o de estelionato.
“O que eu quero é uma forma de recuperar esse dinheiro”, contou.
A frustração se repetiu com Ailton Mendes, 39. Em
2012, quando se associou a uma das cooperativas administradas pelo
ex-distrital, ele repassou o valor de R$ 6 mil. “Ele simplesmente sumiu com o
dinheiro e não repassou os valores. Eu fiquei no prejuízo”, reclamou. O
vigilante entrou na Justiça. Até então, o caso segue sem acordo. Aílton teve de
ingressar em outro programa habitacional para conseguir a casa própria.
Polícia
Em abril do ano passado, uma das cooperativas
administradas pelo ex-deputado distrital fechou as portas. A promessa era de
retomar as atividades em menos de dois meses, mas isso não aconteceu. Além dos
associados, funcionários acumularam prejuízos. Muitos ficaram com os salários
atrasados e os direitos trabalhistas afetados. Jeová Oliveira Dias, 38,
trabalhou durante 10 anos como atendente na empresa. “Entrei na Justiça
trabalhista por causa de 11 meses de trabalho que não foram pagos. Nas minhas
contas, ficaram mais de R$ 10 mil para receber. O FGTS também não foi pago e
fiquei sem tirar férias por dois anos”, lamenta. Pelo menos oito profissionais
estão nesta situação.
Na Polícia Civil, há pelo menos 20 ocorrências
registradas contra Batista das Cooperativas, a maioria por estelionato, seguido
por esbulho possessório (ocupação ilegal). O ex-deputado também responde na
Delegacia do Meio Ambiente (Dema) por crime ambiental. A última ocorrência foi
registrada no fim de janeiro deste ano, na 32ª DP (Samambaia Sul). Segundo a
ocorrência, a vítima relatou que, entre 2006 e 2013, pagou R$ 5 mil referentes
à parte de pagamento de quotização, além de R$ 230 de taxas de manutenção, a
uma cooperativa ligada a Batista. Na ocasião, relatou que o escritório do
Recanto das Emas encerrou as atividades. Todos os casos estão em investigação.
Justiça
As cooperativas ligadas ao ex-distrital também são
alvo de processos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Pelo menos 20 datados entre 2010 e 2016 circulam na esfera judicial. A maioria
das ações se refere à rescisão de contratos, indenizações por danos materiais,
enriquecimento sem causa, estelionato, entre outros. Nos últimos dois dias, o
Correio tentou contato por meio de dois telefones pessoais de Batista, mas não
houve retorno das ligações. A reportagem conversou com uma das advogadas
apontadas como defensora em processos que envolvem o ex-parlamentar, porém, ela
informou que estava em viagem e não conseguiria falar com ele.
Por meio de nota, a Companhia de Desenvolvimento
Habitacional do Distrito Federal (Codhab) respondeu que a Etapa 4 do Projeto
Riacho Fundo 2 teve início em 2005 por meio de uma cessão de terras da União
para 207 entidades, representadas pela Associação Pró-Morar do Movimento Vida
de Samambaia. “Ao governo de Brasília coube apenas arcar com os custos das
obras de infraestrutura e indicar a demanda não suprida pelas entidades. Essas
entidades afirmam que realizaram despesas com projetos, estudos e licenças nos
anos de 2006, 2007 e 2008 e entendem que esses valores devem ser ressarcidos
pelos novos contemplados”, detalha a nota.
De acordo com o órgão, houve reuniões sobre o
assunto e, em razão da complexidade, dos aspectos técnicos envolvidos e do
prazo de 10 anos decorridos, entendeu-se que o caso deva ser tratado e aprovado
por uma Câmara Arbitral, constituída especialmente para tal fim, de acordo com
a Lei nº 9.307/96. “Os contratos assinados antes de maio de 2016 devem ser
tratados com as entidades responsáveis pelo empreendimento. Já os contratos
realizados a partir de maio de 2016, quando foi assinado o 4º Termo Aditivo
incluindo a demanda da lista da Codhab, serão avaliados pela Câmara Arbitral”,
concluiu.
O diretor do Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor (Brasilcon) Paulo Binicheski recomenda que, antes de
fechar um contrato imobiliário, seja verificada a idoneidade da entidade (veja
Atenção). “É preciso ver se circulam ações na Justiça contra a empresa,
cooperativa ou associação. E também se a matrícula do imóvel está registrada no
cartório de imóveis local”, menciona. “São procedimentos básicos que devem ser
seguidos.”
Memória - Esquema
milionário
Não é a primeira vez que
cooperativas são alvos de denúncias no Distrito Federal. Em agosto de 2010,
pelo menos 40 entidades ficaram na mira da Polícia Civil e do Ministério
Público do DF e Territórios. As associações foram investigadas por suspeita de
participação em esquema de venda de lotes inexistentes que lesou mais de mil
famílias. Servidores, integrantes de entidades habitacionais e até políticos
eram apontados como integrantes de uma quadrilha que agia desde 2007 e teria
movimentado R$ 9 milhões. Eles cobravam entre R$ 13 mil e R$ 18 mil pelo falso
terreno.
Em novembro de 2006, o Correio
revelou um esquema de cooperativas de fachada. Das 57 cadastradas, 27 não
existiam nos endereços que constavam no registro do CNPJ. Em junho passado, o
ex-secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação Geraldo Magela acabou alvo
de uma operação da Polícia Federal que investigava um esquema envolvendo
cooperativas e construtoras. As associações teriam extorquido pessoas na fila
da casa própria, cobrando valores de até R$ 15 mil para incluí-las na Etapa 4
do Riacho Fundo 2.
Atenção - Como prevenir fraudes
» Procure saber a idoneidade da
cooperativa, associação, empresa ou construtora
» Verifique se há ações na Justiça
contra a entidade
» Pesquise se a instituição é
realmente uma cooperativa ou associação ou se é apenas uma empresa de fachada
» Consulte o Procon
» Verifique no cartório de imóveis
se existe a inscrição do imóvel (mesmo na planta)
» Observe os termos do contrato
Fonte: Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor (Brasilcon)
(*)Por Thiago Soares – Foto:Antonio
Cunha/CB/D.A.Press – Correio Braziliense