Márcio Anselmo, delegado
que deu início à Lava Jato
Responsável pelo início das
investigações de lavagem de dinheiro, em Curitiba, que desvelou o maior
escândalo de cartel e corrupção nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff, o delegado federal Márcio Adriano Anselmo estranha a postura de alguns
parlamentares, que têm cobrado o fim do sigilo para delações premiadas, após
homologação do mega acordo da Odebrecht. “Me parece bem curioso. Até um
tempo atrás alguns legisladores defendiam mais rigor no sigilo, agora o
contrário!”
Especialista em combate à lavagem de
dinheiro e crimes financeiros, Anselmo liderou a equipe pioneira do inquérito
que culminou, em março de 2014, com a deflagração da Operação Lava Jato. Depois
de três anos e 37 fases, são 71 delatores que confessaram envolvimento no esquema
de desvios na Petrobrás, por meio do qual partidos da base de governo, em
especial PT, PMDB e PP, arrecadavam propinas que variavam de 1% a 3% do valor
dos contratos.
“A lei é clara, a colaboração premiada
deixa de ser sigilosa quando do recebimento da denúncia”, afirmou Anselmo, em
entrevista exclusiva ao Estadão. “Em alguns casos o sigilo pode até ser
dispensado (sempre por decisão judicial), mas deve ser a exceção e não a
regra.”
A colaboração premiada deve ter seu
sigilo baixado quando ela é homologada? - Depende do momento em que ela é
homologada e da sua abrangência. Se existirem fatos a serem investigados, ela
deve permanecer em sigilo a fim de resguardar a realização das diligências
investigatórias. Imagine, por exemplo, no caso de uma colaboração onde o
colaborador indique uma conta no exterior onde foi depositado o produto do
crime. Se isso vem a público, os recursos podem ser facilmente dilapidados
mediante sucessivas transferências. Ou ainda, num caso mais grave, de
sequestro, quando o colaborador indica o cativeiro… imagine se, com a
homologação, que se dê publicidade…
Quais
os problemas de se dar publicidade à uma delação premiada no ato de sua
homologação? - Simplesmente
você acaba com a efetividade de diligências investigatórias que sejam necessárias
para sua confirmação. A efetividade é fundamental para que o colaborador possa
ter os benefícios. Voltando aos exemplos anteriores, se um colaborador narra o
pagamento de propina com a compra de uma obra de arte, por exemplo, e isso vem
a público, o beneficiário pode simplesmente ocultá-la… Muitos sentem-se
seduzidos pelo que ouvem, mas as meras palavras do colaborador sem provas são
palavras ao vento! Por isso a importância da fase de investigação.
Mas
o conteúdo de uma delação não é de interesse público? - Sim,
certamente. Mas o momento não precisa ser o da homologação. Deve ser um momento
oportuno, quando as diligências investigatórias para confirmar os termos da
colaboração tenham sido realizadas.
E
qual o momento oportuno para a delação ser tornada pública? - A lei é
clara, a colaboração premiada deixa de ser sigilosa quando do recebimento da
denúncia. Colaboração premiada não é capítulo de novela. É um instituto sério e
assim deve ser tratado. Vazamentos e outros tipos de exceções ao sigilo só
servem para garantir sua ineficácia. Em alguns casos o sigilo pode até ser
dispensado (sempre por decisão judicial), mas deve ser a exceção e não a regra,
por exemplo, quando não existam outras diligências investigatórias a serem
realizadas.
O sr. defende novas normas e regras
para as delações premiadas, como se propõe no Congresso em relação ao sigilo? - Alguns pontos podem e
devem ser revistos, como por exemplo o conflito de interesses entre advogados,
mas infelizmente o que o Congresso tem buscado e neutralizar seus efeitos.
Proibir a colaboração de investigados presos, exclusão do sigilo, etc. só
interessam a quem não quer que a medida seja efetiva (que parece ser o caso).
Me parece bem curioso. Até um tempo atrás alguns legisladores defendiam mais
rigor no sigilo, agora o contrário!
Ricardo Brandt e Fausto Macedo – Estadão – Tribuna da Internet