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O Palácio Itamaraty , que completa 50 anos, é o meu monumento preferido em Brasília.


*Por Severino Francisco

Quase todos os dias passo, de carro ou de ônibus, em frente ao Palácio Itamaraty e aprecio, de relance, o belíssimo painel de Volpi, no primeiro andar, com a imagem de Dom Bosco, o profeta da capital modernista. Ele me contempla com cara de Oscar Niemeyer e a figura de santo alado sob o fundo  azul celestial de Brasília. O painel de Volpi está instalado dentro do prédio, mas é público, fica voltado para fora, ao alcance do olhar dos passantes da Esplanada dos Ministérios. Esse é um dos privilégios brasilianos: ver, diariamente, um painel de Volpi pousado no espaço, suspenso no ar.

O Palácio Itamaraty , que completa 50 anos, é o meu monumento preferido em Brasília. A arte de dar a impressão de leveza a toneladas de concreto chega ao ápice neste prédio, que parece flutuar em cima do espelho d’água, com os jardins de Burle Marx. A escultura Meteoro, de Bruno Giorgio, boia no lago artificial como se fosse uma flor aquática. É um prédio cenográfico, cada espaço se relaciona com o outro em uma relação de contiguidade, contraste e ruptura.

Burle usou bananeiras, vitórias-régias, coqueiros, bambus e buritis no espaço externo. Entrava no cerrado à procura de espécies nativas. É como se compactasse cerrados, caatingas ou florestas tropicais em forma de jardins. Os jardins de Burle tem algo de operístico, de brasilidade exasperada e tão descabelada quanto o autor. É como se Villa-Lobos, Euclides da Cunha ou Glauber Rocha se tornassem jardineiros. Considero um dos momentos mais geniais da arquitetura de Brasília a transição abrupta entre o salão principal do Itamaraty e os jardins de Burle Marx.

Você está no espaço de uma edificação moderna e, de repente, cai no meio das florações barrocas da selva brasileira, como se tivesse tomado o chá do chapeleiro maluco de Alice no país das maravilhas e despencasse em um espaço onírico. É uma relação de harmonia, diálogo, integração e contraste com as formas geométricas do concreto. Burle considerava que observar é um aspecto essencial da vida: “Aquele que não observa, nunca chegará a viver”.

Já disseram que o Palácio Itamaraty é uma grande galeria de arte. Mas,há impropriedade na afirmação.  Não se trata de um bric-a-brac qualquer.  Parece que tudo ali foi concebido especialmente parao projeto.  É admirável a harmonia estabelecida entre tradição e modernidade, artificialidade e natureza: grandes vãos riscados por Niemeyer e treliças coloridas de Athos Bulcão conferindo leveza;  gravuras de Rugendas e pinturas de Franz Weissmann; quadro Grito da Independência, de Pedro Américo, e os painéis de Portinari; os desenhos de Debret e as telas de Iberê Camargo; arte abstrata de Manabu Mabe e os tapetes persas; o jardim suspenso de Burle Marx e as esculturas metálicas de Maria Martins, as esculturas de ferro de Alfredo Cheschiatti e os bancos de madeira de Sérgio Rodrigues.

O prédio Itamaraty é um primoroso exemplo de integração arte, arquitetura, funcionalidade e meio ambiente. E tudo isso só aconteceu graças ao talento de Oscar Niemeyer, mas também à  habilidade da negociação do diplomata Wladimir Murtinho, coordenador das obras do palácio. Ele aparou as arestas e conseguiu reatar as relações de Oscar Niemeyer com Burle Marx. Ganharam todos com a conversa culta, inteligente e lúcida.

O Palácio Itamaraty é um dos momentos mais elevados da brasilidade e estabelece um contraste brutal com a mediocridade da nossa classe política de plantão. Ele está lá para mostrar que o Brasil é maior do que o Brasil. Esse monumento é a utopia materializada do que o Brasil poderia ser. E talvez será algum dia.


(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google

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