*Por Severino Francisco
Com agudeza, o compositor Guilherme Vaz — que foi
aluno de Claudio Santoro na Universidade de Brasília — observa que o mestre
organizou a passagem do ouvido musical do século 19 para os dos séculos 20 e
21. Santoro tinha os múltiplos talentos de compositor, educador e líder
cultural. Trabalhador incansável, ele captava infinitas músicas.
Compôs peças serialistas, dodecafônicas,
eletrônicas, nacionalistas e trilhas sonoras para cinema. Era um artista
contemporâneo que não se atinha a nenhum gênero, mas transitava e se apropriava
livremente de todos, conforme a circunstância e a necessidade. A perseguição
que sofreu por não renunciar à convicção política comunista soa surreal nos
tempos atuais, em que a única ideologia parece ser o dinheiro.
Essa circunstância provocou grande instabilidade e
precariedade econômica em sua vida. Teve de dar aula de piano, fazer trilha
sonora de cinema e mudar-se em condições nem sempre favoráveis para sobreviver.
No entanto, felizmente, era um comunista de espírito anárquico, livre e
experimental. Tudo em que tocava virava música e, mais do que isso, música de
qualidade.
Tinha um grande conhecimento da música e era muito
exigente com todos os que se aventuravam a ser iniciados por ele. Quando
cultivava apenas a poesia impressa, Vinicius de Moraes perguntou a Santoro o
que precisava para ser compositor. Santoro lhe recomendou estudar harmonia,
melodia e ritmo. Vinicius replicou que não teria paciência. No entanto, os dois
estabeleceram uma rica parceria em 13 belas canções de amor, que, de certa
forma, antecipavam a bossa-nova.
Embora despretensioso do ponto de vista da inovação
da linguagem, o documentário Santoro — O homem e sua música, dirigido por John
Howard Szerman, é valioso pelo painel que traça a vida-obra de Claudio Santoro:
do Amazonas ao Rio de Janeiro, do Rio de Janeiro a Brasília (para fundar o Departamento
de Música da UnB, nos anos 1960), de Brasília a Alemanha, da Alemanha a
Brasília (para fundar a Orquestra do Teatro Nacional, mobilizando jovens
talentos da cidade, na década de 1980).
O documentário de Howard é um filme-concerto, que
intercala preciosos depoimentos com fragmentos da música do compositor. Só
mesmo o cinema para estabelecer uma convergência entre fotos, falas, memórias,
sons e imagens em movimento. Ao fim, nos damos conta de que Claudio Santoro foi
um dos grandes compositores da segunda metade do século 20.
A sua morte abrupta, enquanto dirigia o ensaio da
Orquestra do Teatro Nacional, em 1989, aos 69 anos, fulminado por um infarto,
na frente dos instrumentistas, parece um movimento dramático das suas peças
musicais. Santoro morreu em razão de mesquinharias, vítima da mediocridade que
atinge qualquer pessoa com algum talento neste país.
Como disse Nelson Rodrigues, o Brasil pari seus
gênios e depois volta a babar na gravata. Mas os grandes artistas sobrevivem à
morte. Esse documentário contribui muito para que cuidemos do legado de
Santoro, e a primeira providência seria exibi-lo nas escolas do Distrito
Federal. É uma memória e um alerta para que cuidemos, também, dos nossos
artistas vivos.
(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do Correio Braziliense –
Fotos/Ilustração: Blog - Google