Jairo Bisol
Promotor
de Justiça de Defesa da Saúde do Ministério Público do Distrito Federal e dos
Territórios (MPDF)
O governo tenta aprovar na Câmara Legislativa a criação do
Instituto do Hospital de Base como forma de melhorar a gestão daquela unidade
de saúde. É uma boa solução?
Mais do
que uma solução compatível com as demandas atuais do hospital, trata-se de uma
solução necessária. Não há como gerir um hospital do porte e da complexidade do
HBDF com este modelo centralizado de gestão, onde o diretor não tem autonomia
sequer para comprar linha de sutura, ou trocar um termômetro quebrado, muito
menos para fazer a manutenção de equipamentos de alta complexidade ou contratar
médicos intensivistas e anestesistas para colocar em funcionamento estruturas
caríssimas como as de um centro cirúrgico, hoje com inúmeras salas desativadas
e equipes paradas. A falta de um detalhe, de uma peça da engrenagem, trava o
funcionamento de todo um sistema de altíssimo custo. E isso se traduz em grave
desperdício de dinheiro público. No modelo centralizado atual o hospital está
entrando em colapso diante dos olhos de todos. Deixar como está será uma grande
irresponsabilidade.
Quais as principais vantagens e desvantagens?
A grande
vantagem é a adoção de um modelo de gestão viável, capaz de reerguer o hospital
se bem manejado. A desvantagem é que este modelo depende de aprovação por
projeto de lei, a ser votado na Câmara Distrital. Em outras palavras, a solução
técnica tem que passar pelo crivo da esfera política. A meu ver, a Câmara
Legislativa ou aprova o projeto apresentado pelo governo, ou oferece um
substitutivo com uma proposta melhor. Todo mundo sabe que como está não dá para
ficar.
E se a Câmara rejeitar?
A simples
rejeição do projeto pode comprometer a imagem da Câmara e dos deputados, pois
estariam negando ao governo a possibilidade de gerir a saúde e enfrentar a
situação catastrófica em que ela se encontra. Seria prestar um desserviço para
a cidade. Tal atitude deixaria entrever uma legislatura com apreço por disputas
político-partidárias e eleitorais, mas com profundo descompromisso com temas
absolutamente sensíveis à população, especialmente aos mais carentes, que é a
questão da saúde pública.
Qual é o caminho para melhorar o atendimento na rede pública
de saúde do DF?
É preciso
descentralizar e mudar o modelo de gestão. Hoje a SES/DF tem um quadro de quase
35 mil funcionários cuja folha de pagamento consome cerca de 80% do orçamento
da saúde, que ultrapassa a casa dos R$ 6 bilhões. Não há empreendimento no
mundo que funcione com um quadro desses. E o que é pior: basta ir aos hospitais
da rede para constatar grave deficit de pessoal. Faltam médicos, enfermeiros,
auxiliares de enfermagem, farmacêuticos, dentistas, técnicos administrativos.
35 mil funcionários não são suficientes? Onde estão estes funcionários? O
absenteísmo é um dos graves problemas da rede pública. Ademais, a política
salarial está complemente fora do eixo da normalidade. Há categorias ganhando
três a quatro vezes o que o mercado normalmente paga. Ninguém é contra bons
salários, mas é preciso avaliar se estas distorções da política salarial
comprometem a capacidade do governo de garantir saúde à população.
A resistência dos sindicatos atrapalha?
É muito grande a resistência dos sindicatos às
mudanças propostas pelo governo. Os sindicatos têm legitimidade para isso, mas
é preciso entender que eles defendem interesses corporativos, e não o interesse
da população. Vitórias sindicais desproporcionais podem matar a galinha dos
ovos. Talvez a cidade tenha que optar entre pagar salários bem acima do mercado
ou fazer saúde pública. Há uma ampla auditoria em curso sobre as políticas
salarial e de pessoal da SES/DF, para que esta situação seja tecnicamente
esclarecida, sem as paixões ideológicas e os interesses corporativos que obscurecem
o tema.
Acha que a gestão da saúde por organizações sociais traz
prejuízos para a prestação de contas, controle e fiscalização dos gastos
públicos?
Sem
dúvida. Sou contra o modelo de OSs justamente porque ele potencializa a
intervenção desestruturante dos interesses político-eleitorais no complexo e
delicado sistema de saúde. Para se fazer saúde pública, é preciso blindar o
sistema sanitário do sistema político. Vejam o Hospital de Santa Maria, por
exemplo, um hospital de periferia com um dos maiores complexos de leitos de UTI
da América Latina. São cerca de 100 leitos. Tal distorção — grotesca do ponto
de vista técnico-sanitário — é fruto da intervenção espúria de grupos
político-partidários.
O governo aponta uma posição ideológica de integrantes do
Ministério Público ao contestar a gestão da saúde por organizações sociais.
Concorda com isso?
Num país onde os escandalosos desvios do orçamento público
para financiamento da máquina política, financiamento de candidaturas e de
grupos políticos, já não podem ser tratados como exceções, qualquer modelo de
gestão que facilite tais desvios de orçamento é potencialmente ofensivo ao
interesse público. A posição do Ministério Público não é ideológica: é técnica,
típica de um órgão de controle. É impossível fiscalizar os desvios em
megacontratos terceirizados de gestão. No entanto, é preciso não se confundir
posições técnicas em relação a determinados modelos, de um lado, com a
realização prática desses mesmos modelos, de outro. Brasília dispõe de um
hospital gerido pelo modelo de OS que funciona com excelência, que descobriu
modos próprios de se blindar da política, e que produz ações e serviços de
saúde para crianças portadoras de câncer. São serviços de alta qualidade, cem
por cento SUS, com índices elevadíssimos de cura. Esta instituição está
protegendo nossas crianças do câncer. É uma experiência exitosa, a ser
respeitada e protegida naquilo em que alcançou êxito. Outra coisa é vender a
ideia de que essa experiência irá se replicar se adotarmos o modelo de OS. Isto
seria uma falácia. A gestão parece depender muito do grupo, do time de gestores
que a conduzem. Aí está o sucesso do Hospital da Criança, a meu ver, e não no
modelo de OS por ele adotado. De igual modo, implantado o modelo do IHBDF no
Hospital de Base, o sucesso da experiência dependerá da qualidade técnica e
ética do grupo de gestores que venha a ser escolhido.
Por: Ana Maria Campos – Coluna”Eixo Capital” – Foto: Carlos
Vieira-Esp/CB/D.A.Press – Correio Braziliense