*Por
Leonardo Cavalcanti - Renato Souza
Procurador
critica a decisão de acabar com grupo exclusivo da PF e afirma que a operação
iniciada em Curitiba ficou maior que o próprio MP
O procurador regional da República Alexandre Camanho integrou as mais
importantes operações de combate a corrupção nos últimos 24 anos, como as
investigações do caso Collor-PC Farias e da máfia das Sanguesssugas.
Ex-presidente da associação nacional da categoria, a ANPR, ele critica o
encerramento dos grupos exclusivos da Lava-Jato na Polícia Federal de Curitiba.
Durante entrevista ao Correio, na tarde da última sexta-feira, o procurador destacou a atuação do Ministério Público, que ampliou equipes para atuar na maior operação de combate à corrupção da história brasileira. Ele afirma que a Lava-Jato é prioridade, não só para o MP, mas para o país. De acordo com ele, a contenção de gastos nos cofres públicos não pode servir de motivação para dificultar o avanço das investigações.
Hoje, Camanho atua na Procuradoria-Geral da República da 1ª Região, em Brasília, e integra grupos de investigação em áreas como meio ambiente, proteção ao patrimônio cultural, causas indígenas, proteção das fronteiras e combate ao terrorismo internacional. Ele defende um posicionamento do MP mais incisivo em apoio à Lava-Jato e não descarta a possibilidade de uma ação a fim de reverter as mudanças que levantaram críticas em diversos setores da sociedade.
Em relação à subprocuradora-geral Raquel Dogde, escolhida pelo presidente Michel Temer para chefiar o MP, Camanho diz que não existem motivos para se especular interferências políticas na atuação do órgão.
Durante entrevista ao Correio, na tarde da última sexta-feira, o procurador destacou a atuação do Ministério Público, que ampliou equipes para atuar na maior operação de combate à corrupção da história brasileira. Ele afirma que a Lava-Jato é prioridade, não só para o MP, mas para o país. De acordo com ele, a contenção de gastos nos cofres públicos não pode servir de motivação para dificultar o avanço das investigações.
Hoje, Camanho atua na Procuradoria-Geral da República da 1ª Região, em Brasília, e integra grupos de investigação em áreas como meio ambiente, proteção ao patrimônio cultural, causas indígenas, proteção das fronteiras e combate ao terrorismo internacional. Ele defende um posicionamento do MP mais incisivo em apoio à Lava-Jato e não descarta a possibilidade de uma ação a fim de reverter as mudanças que levantaram críticas em diversos setores da sociedade.
Em relação à subprocuradora-geral Raquel Dogde, escolhida pelo presidente Michel Temer para chefiar o MP, Camanho diz que não existem motivos para se especular interferências políticas na atuação do órgão.
Os políticos têm conseguido minimizar os efeitos da Lava-Jato
e tirar a força da operação?
Eu não consigo ver uma ação concreta que tenha sido realizada
em termos de redução dos efeitos da Lava-Jato. Temos um problema nacional que é
a questão da restrição orçamentária. Veja, em menos de 24h, a Polícia
Rodoviária Federal anunciou a restrição de algumas atividades e a PF retirou a
exclusividade da Lava-Jato de Curitiba. Agora, em relação a essas decisões, são
administrativas, tomadas no âmbito dessas corporações ou no Ministério da
Justiça. É preciso levar em consideração algumas questões. A primeira é que
essa restrição orçamentária ocasionou uma diminuição da eficiência em todas as
operações relacionadas à PF e à PRF. Hoje, no Brasil, todos os procuradores da
República que lidam na área criminal têm operações em curso. Mas essas
operações também foram restringidas por conta de cortes orçamentários. Isso não
deve, entretanto, ser uma justificativa para acabar com o grupo de delegados de
Curitiba ou retirar a exclusividade, montar uma nova estrutura dos delegados.
Na medida que se tem uma redução orçamentária, é preciso lidar com a
seletividade das operações. E não existe dúvida de que a Lava-Jato é
extremamente importante para o país.
Foi um erro então acabar com as equipes exclusivas da
Lava-Jato?
Na medida em que procuradores da República que estão na
Lava-jato de Curitiba reclamaram desta nova configuração, eu preciso dar como
certo que está tendo um prejuízo.
Há algumas semanas o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, se
reuniu com o ministro da Justiça, indicado pelo presidente Temer, que é
investigado na Lava-Jato. O senhor acha que pode ter alguma ligação nas
mudanças na PF?
Eu acho que o problema não é o presidente estar sendo
investigado ou o ministro da Justiça ter sido indicado por ele ou o
diretor-geral cumprir ordens do ministro da Justiça. O problema é que a
especulação em si já é lesiva. A máquina estatal deve funcionar e deve dar a
aparência de funcionar com toda lealdade, com toda honestidade, com a
manutenção da sua integralidade. A partir do momento que determinadas
alterações causam esse tipo de especulação, a suspeita já é lesiva, pois existe
a necessidade de que o administrador não só cumpra a lei como dê todas as
mostras de como está se comportando com retidão.
Existe alguma ação que a sociedade possa fazer para evitar
intervenções na Lava-Jato?
É claro que, num ambiente extremo, a primeira coisa que a
sociedade deve ter é a maior participação possível no enredo político,
institucional e estatal. Tudo isso pertence ao povo e este pode estar opinando
a cada momento. O próximo passo é a Procuradoria-Geral da República formalizar
um pedido de reconsideração em relação a uma estrutura que imediatamente já
teve por parte do Ministério Público uma desaprovação. Pode ocorrer na forma de
uma recomendação do MP. A perspectiva de acatamento é grande, pois não haveria,
a essa altura, quem se dispusesse a figurar nas conjunturas como sabotador da
Operação Lava-Jato.
A PF alega que a demanda está reduzindo em
Curitiba. O senhor acredita que a Lava-Jato já chegou ao seu ápice, a ponto de
não ter mais esquemas de corrupção para investigar?
Precisamos entender que a Lava-Jato hoje em dia
ficou maior que o próprio Ministério Público Federal. As pessoas podem não
saber exatamente o que é o MPF. Mas sabem o que está acontecendo com a
Lava-Jato. Talvez não se tenha a inteira consciência de que a Lava-Jato é uma
operação. É uma investigação criminal, e precisa ter um escopo. Se você
transforma essa operação em algo sem fim, evidentemente ela se tornará algo
contraproducente. A Lava-Jato precisa ter um propósito. Os colegas sabem
perfeitamente disso. Uma investigação corre em cima da averiguação e de fatos
criminosos, das pessoas que participaram disso. Isso precisa ter, não um fim,
mas uma limitação. Só quem pode, no entanto, mensurar se já se chegou neste
limite são os colegas da Lava-Jato de Curitiba.
Uma reunião no conselho do MP abriu uma discussão sobre
exclusividade de operações e de cessão de procuradores. O que diferencia aquele
episódio do que temos hoje na PF?
A discussão que teve lugar há alguns meses dizia respeito ao
momento extremo a que determinadas unidades chegaram por terem cedido um número
significativo de colegas para a PGR. A expectativa era que se normatizasse essa
sessão para que as procuradorias não deixassem de ter um número mínimo de
pessoas para atender a sociedade. A essa altura que a população relaciona o MPF
à Lava-Jato é preciso lembrar que somos guardiões do meio ambiente, das
comunidades tradicionais, da qualidade do serviço público e uma infinidade de
outras áreas. Esses serviços ficam desfalcados se você cede um quantitativo
desmensurado para tal tarefa. O que se pediu é que houvesse um limite de
sessões de cada uma das 27 unidades da Federação. Não houve ali nenhuma ameaça
à continuidade ou diminuição de quantitativo da operação. Isso é bem diferente
de pegar delegados que estão trabalhando com exclusividade e colocá-los para
atuar em outras operações. O trabalho da PF é excepcional. A PF é grande
parceira nossa. Mas lá tem problemas seríssimos de quantitativo. Hoje, você
tem, por exemplo, 17.000km de fronteira seca e não se tem contingente da PF e
PRF para fazer um controle mínimo da fronteira. Durante muito tempo, a
prioridade da PF foi o combate ao tráfico de drogas. Agora, o foco da polícia é
o combate à corrupção.
A PF e o MPF ganharam força com a visibilidade da Lava-Jato.
Mas dois integrantes do MPF foram alvos da operação. Um está preso e, sobre o
outro, recaem acusações por ter deixado o MPF e passado a advogar para os
acusados. Esses casos prejudicam a imagem do MPF?
Acima de tudo, esses episódios abalaram os procuradores da
República. Quando estávamos juntos, julgávamos presunçosamente em perfeita
segurança e harmonia. Julgávamos estar no meio de pessoas integralmente
honestas. Esses episódios precisam ser averiguados. É preciso que se tenha
prudência no caso desses colegas. A mesma presunção de inocência que temos com
todas as pessoas. Mas isso nos retirou a sensação de perfeita segurança. De
qualquer maneira, por mais que a sociedade tenha sido apresentada a esses dois
casos que revelam o quão humano é o MPF, a consideração que precisa ser feita é
a de que somos 1.300 colegas em uma população de mais de 200 milhões de
habitantes. E vemos dois casos agora que estão sendo questionados.
O mandato do procurador Rodrigo Janot termina
agora em setembro. Qual a marca que ele deixa?
O Rodrigo trilhou o caminho dos seus antecessores
recentes, e priorizou o combate à corrupção. Hoje, a sociedade, a imprensa, em
cada lar desse país, discute-se com esperança o fim da corrupção. E se esse
caminho hoje se tornou sem volta é por conta da atuação do procurador Rodrigo
Janot.
A que se deve a incógnita em relação à procuradora Raquel
Dodge, escolhida pelo presidente Michel Temer?
Eu não tenho dúvida de que isso foi uma fabricação. Eu não
sei onde surgiu, mas se tornou uma histeria. Há semanas, ouço a imprensa
se perguntando o que ocorrerá com a Lava-Jato. Estamos falando tecnicamente de
um acervo de investigações criminais cuja a execução é obrigatória para o nome
do MP. Isso, aos olhos da sociedade e do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela é
uma pessoa severa, extremamente severa. Então, não sei de onde começou esse
delírio. Se eu pudesse falar algo, diria para as pessoas ficarem tranquilas em
relação ao rigor costumeiro e obrigatório do MPF em relação aos seus trabalhos.
O presidente não escolheu o primeiro da lista tríplice da
ANPR, ao contrário de Lula e Dilma...
Existem muitas coisas aí. Foi um mérito do PT, acima de tudo,
o respeito à lista. Nós viemos do PSDB e tivemos, durante oito anos, um PGR que
foi escolhido sem que a classe opinasse. O PT deu essa possibilidade e sempre
escolheu o primeiro da lista. Mas a ANPR nunca pediu que o primeiro da lista
fosse escolhido. Isso seria um equívoco. Primeiro, porque falamos para o nosso
colégio eleitoral que estamos montando uma lista tríplice. Em segundo lugar, a
lista tríplice dá ao presidente opções. Seria extremamente arrogante um colégio
eleitoral de 1.200 pessoas dizer a um presidente da República, com dezenas de
milhões de votos, que nós queremos o primeiro e só serve o primeiro. A lista dá
ao presidente do país a possibilidade de escolha.
As denúncias contra o presidente estão sendo
enviadas separadamente ao STF pelo procurador Rodrigo Janot. Essa seria uma
estratégia para fazer com que o presidente esteja mais exposto e sujeito à
opinião pública?
Toda vez que existe um processo que envolve um
político, se tem essa propensão a fazer uma leitura política de um ato
obrigatório do procurador-geral da República. Se você tem o cometimento de três
crimes que se provam de formas diferentes e que reclamam produções probatórias
diferentes, testemunhas diferentes, a melhor técnica aconselharia que essas
denúncias fossem propostas separadamente para uma melhor percepção penal.
O que o MP aprendeu com a Operação Lava-Jato?
Muitas coisas caminham juntas. Não é só o Ministério Público
vivendo algo e se preparando para um país. A Constituição transformou o MP em
uma magistratura. Mas havia uma pergunta: ‘O que o Ministério Público fará pelo
país?’ Acho que a Lava-Jato é uma ótima resposta. Temos uma legislação que nos
deu a possibilidade de usar novas técnicas de investigação. A cooperação
internacional, a imprensa livre, o amadurecimento, a tecnologia, a legislação e
os debates são coisas que fizeram um país novo. O que temos agora é que
garantir que não ocorra nenhum retrocesso. E isso depende de cada uma dessas
parcelas. Um poder Executivo legítimo, um Congresso que avance nas ferramentas
legais que possibilite boas investigações. Precisamos de um Judiciário
destemido. O (juiz Sérgio) Moro é o ícone de um Judiciário destemido. Digam o
que quiser dele, é um ícone. O Moro mudou o país. Uma sociedade que questiona e
uma imprensa livre são coisas que vão fazer com que o Brasil dê um passo rumo
ao futuro.
“O problema é que a especulação (sobre o desmonte
da Lava-Jato) em si já é lesiva. A máquina estatal deve funcionar e deve dar a
aparência de funcionar com toda lealdade, com toda honestidade”
(*)
Leonardo Cavalcanti - Renato Souza - Correio Braziliense