O futuro da W3 Sul
*Por Severino Francisco
Com apenas 57 anos de existência,
a cidade passou por mutações vertiginosas que alteraram o perfil, a fisionomia,
o ritmo, a pulsação e as funções de certos setores. A W3 Sul era o centro
comercial e nervoso de Brasília até os anos 1970. O movimento cultural, as
rodas de negociação política, as mobilizações dos estudantes e a vida boêmia
aconteciam naquele território.
Em razão do descaso, ela se viu
reduzida à condição de bairro fantasma, principalmente à noite. O Mercado
Municipal, um dos marcos simbólicos da resistência da W3 Sul acaba de encerrar
as atividades. As calçadas estão esburacadas e tomadas pelo lixo. É um cenário
desolador e, aparentemente, sem perspectivas de reversão.
Mas esse não parece ser o destino
inapelável das avenidas e ruas de atividade comercial no Rio de Janeiro, em São
Paulo, em Curitiba, em Belo Horizonte ou no Recife. Os shopings vieram e não
eliminaram a Rua 25 de Março ou a Rua Oscar Freire, em São Paulo, ou o complexo
do Saara, no Rio de Janeiro.
O trabalho de revitalização
promovido pelo Coletivo Labirinto no Setor Comercial Sul é o maior exemplo da
viabilidade da W3 Sul, mesmo porque ele é o começo da avenida. As rodas de
samba avançam pela madrugada e tornaram a área muito mais segura.
No momento, o Rio vive uma
situação de colapso em razão da rapinagem bilionária dos Alibabás e os 50
ladrões, que amealhavam joias caríssimas, enquanto a cidade agonizava com a
falta de investimentos em setores essenciais. Todavia, é de lá que vem a
experiência bem-sucedida do bairro da Lapa, reduto dominado pelo tráfico de
drogas e transformado em centro cultural vivo, endereço de renovação do samba.
Por tudo isso, li com muito prazer
matéria de duas páginas, de Thiago Soares, no caderno Cidades. Seria preciso
desengavetar o projeto de revitalização do arquiteto e urbanista Frederico
Flósculo, vencedor do concurso nacional realizado em 2002. A cultura ocupava um
lugar de destaque.
Seria importante convocar os
antropólogos, os sociólogos, os economistas, os historiadores e os
mobilizadores culturais. A W3 Sul é uma referência muito forte em minha vida.
Nos anos 1980, participei, com muito orgulho, de um movimento de resistência
contra o fechamento do Cine Cultura.
Testemunhei Renato Russo pular de
uma corda rumo ao palco como se fosse um Tarzan do Terceiro Mundo no espetáculo
O último rango, de Jota Pingo, no Teatro Galpão, nos tempos do Aborto Elétrico.
Assisti a um show memorável de Cartola no Teatro da Escola Parque.
Frequentei sebos, com a companhia
incômoda do general Golbery do Couto e Silva, o criador do SNI. Eu pensava:
tenho cara de guerrilheiro, mas, se esse general me prender, digo a ele que
também sou fã do padre Antonio Vieira para aliviar a minha barra. Não aceito
ver a W3 Sul com sentença de morte decretada pelo descaso.
(*) Severino Francisco –
Jornalista, repórter do Correio Braziliense – Foto: Antonio
Cunha/Esp.CB/D.A Press - Ilustração: Blog-Google