Brasília, o mandacaru do cerrado
*Por Adriana Bernardes
Brasília nasceu para embasbacar. Quem
chega, vindo de lugares onde os endereços têm nomes e as casas são
identificadas por números estranha, de imediato, o conjunto de letras e
algarismos. A capital se espalha em grandes áreas verdes — ou secas, a depender
da estação — e causa desconforto naquela gente acostumada a viver nas urbes
tradicionais. Os espaços vazios daqui provocam uma sensação de distanciamento
do forasteiro. Não se tromba com desconhecidos nas esquinas. Porque nem
esquinas por aqui há.
Só recentemente tomei conhecimento das
impressões de Clarice Lispector sobre a cidade. “Quero esquecer de Brasília,
mas ela não deixa. Que ferida seca. Ouro. Brasília é ouro. Joia. Faiscante.” Os
textos deixam claras as contradições impostas pelo visionário Lucio Costa.
Quando cheguei, vi Brasília como um enorme mandacaru. A planta, comum no
semiárido do Nordeste, tem flores brancas enormes, e os frutos têm um intenso
tom de violeta. Mas as folhas, repletas de espinhos, garantem a sobrevivência
da espécie. E o que isso tem a ver com Brasília?
Assim como se revela o cactus, ela é
linda e árida. E também exótica, termo usado por quem a ama ou a odeia.
Brasília é uma cidade que não abraça nem se deixa abraçar. Descobri, com o
passar do tempo, que essa sensação perdura por motivos diferentes. No começo,
pelo estranhamento natural do olhar estrangeiro. Depois, pelas contradições que
se descobrem no dia a dia.
Em Brasília, a maior renda per capita
convive com a miséria extrema. É a cidade que tolera a exclusão de 60 mil
analfabetos. E parece achar normal que metade da população carcerária não tenha
acesso a atendimento médico. Brasília também leva toda a culpa pela corrupção
do país, quando, na verdade, os crimes são cometidos por políticos vindos dos
quatro cantos do país.
É a capital que alimenta a crença na
segurança pública. Mas é onde Maria Vanessa foi brutalmente assassinada na
noite de terça-feira. E onde, em abril deste ano, Luiz Eduardo foi morto ao
trocar tiros com um bando de criminosos na 309 Norte. Horas antes, ele evitou
que o grupo assaltasse uma loja de conveniência e foi assassinado por vingança,
segundo a polícia. Diante de tantas disparidades, só mesmo evocando Clarice:
“Brasília é uma estrela espatifada. Estou abismada. É linda e nua”.
(*) Adriana Bernardes – Jornalista,
repórter do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google