Tenho andado espantada com uma esquisitice,
em particular, dos tempos modernos: o uso do telefone celular. Há duas décadas,
o aparelho era artigo de luxo para boa parte da população brasileira. Andar de
ônibus portando um deles gerava reações imediatas de incredulidade: “Se tem
dinheiro para celular, por que está andando de ônibus?” — era o que se
comentava, à boca miúda, sobre quem tagarelava no “tijolão”.
Desde a década de 1970, quando foi
criado, o tamanho, o peso e, principalmente, o custo caíram bastante.
Ampliou-se o acesso, e o tal aparelho revolucionou a maneira como as pessoas se
comunicam. De repente, virou ferramenta de trabalho. E a demanda não é só por
chamadas, mas por aplicativos de fotos, acesso à internet, mensagens
instantâneas e tantos outros recursos que aproximam os usuários e,
paradoxalmente, criam um distanciamento sem fim entre eles.
Nascia uma geração de zumbis. Gente que
vive com a cara enfiada na tela do celular e passa a maior parte do tempo num
limbo, imaginando estar com centenas (?) de amigos, quando, na verdade, não
está nem lá nem cá e vive longe de todo mundo. A cena se repete na mesa do
restaurante, no happy hour, nos encontros de família e no cinema. Tão perto e
tão longe.
A dependência do aparelho, no entanto,
não afeta somente as relações interpessoais. Ela provoca centenas de mortes no
Brasil e no mundo quando os usuários assumem o volante e acreditam serem
capazes de digitar mensagens, navegar nas redes sociais, fazer selfie e enviar
imagens. Em alguns países da Europa e em parte dos Estados Unidos, as mortes no
trânsito provocadas pelas distrações ao usar o celular são consideradas uma
epidemia.
Para conter o uso, alguns países têm
veiculado vídeos com imagens reais de acidentes de trânsito. Recentemente,
assisti a dois. Na verdade, um e meio. Jovens em uma sala relatam em que
situações usam o celular ao volante e sorriem. Até que entra uma jovem com
sequelas de um acidente provocado por um motorista distraído ao telefone. Na
colisão, os pais dela morreram. Depois de ouvir a história, eles são convidados
a olhar nos olhos da sobrevivente e repetir os motivos pelos quais dirigem
falando ao telefone. O constrangimento é visível. Alguns não conseguem e
choram.
O outro vídeo começa engraçado, com as
pessoas andando e teclando, batendo a cabeça nas placas de sinalização. E
evolui para os acidentes, cada um mais brutal do que o outro. Não consegui
terminar de assistir. É ainda mais assustador quando, nas ruas, a cena é
protagonizada por jovens e velhos motoristas. Certamente, os mesmos zumbis dos
bares, restaurantes e encontros familiares que parecem ter perdido a capacidade
da comunicação presencial — com afeto, olho no olho, abraço, cara feia e choro
de verdade, em vez de emoticons.
Por Adriana Bernardes – Correio Braziliense –
Foto/Ilustração: Blog - Google