"É fato que usaram o imposto para aumentar o lucro. Mas o maior
problema é a ausência de concorrência. Hoje, escolho o posto pela
confiabilidade, porque, se fosse pelo valor do combustível, poderia ser
qualquer um" Agnaldo Machado, corretor de imóveis
Planilha elaborada pelo Procon confirma que os donos dos postos de
combustíveis aproveitaram a alteração na tributação do Pis/Cofins para elevar
os ganhos. MP investiga nova suspeita de formação de cartel no Distrito Federal
*Por Flávia Maia - Ana Viriato - Repórter do C.B
"Se fosse mercado, veríamos preços diferentes devido à livre
concorrência. Quando há igualdade, fica claro o movimento de empresários para
aumentar a margem de lucro e controlar o setor em desfavor da população"
Dario Garcia, bancário
A escalada de preços nos combustíveis do Distrito Federal
revolta os consumidores, ainda ressabiados após anos de prática de cartel.
Pesquisa do Procon do Distrito Federal obtida pelo Correio mostra que, dos 43
postos analisados pelo órgão, 32 subiram as margens de lucro após alteração na
tributação federal e majoração no Pis/Cofins. Em alguns casos, o ganho subiu
quase 15 vezes. Com os dados em mãos, o Procon e o Ministério Público do DF e
Territórios (MPDFT) investigarão até que ponto o repasse está relacionado
somente com os impostos ou se houve oportunismo. Querem entender, também, por
que antes do aumento nos tributos era possível encontrar diferença de até R$
0,63 por litro da gasolina e, agora, a variação máxima é de R$ 0,15.
A planilha mostra acréscimos significativos nas
margens de lucro de postos em todo o DF. Em um estabelecimento da Asa Sul,
subiu o percentual, de 1,89% para 15,31%. Em outro, em Taguatinga, de 0,01%,
saltou para 14,74% (veja Sob análise). “A princípio, nós observamos que teve
alta nos preços dos combustíveis e aumento considerável na margem de lucro”,
analisa Ivone Machado, diretora-geral do Procon no DF. “Entretanto, como na
Constituição Federal há a livre iniciativa de mercado, a gente não pode
simplesmente lacrar e multar os postos. Temos de manter o pé no chão; por isso,
pedimos o auxílio do Ministério Público”, pondera. Os postos pesquisados só
serão notificados após a manifestação do MPDFT.
A planilha está aos cuidados da Promotoria de
Justiça de Defesa do Consumidor. Responsável por receber a demanda do Procon, o
promotor Trajano de Melo explica que ainda precisa analisar as tabelas e os
relatórios enviados pela autarquia. “Pelo que pude observar de imediato, a
maioria das margens está abaixo de 15% — porcentagem firmada entre o Ministério
Público e a rede Cascol — e que os preços estão mais diversos do que no
passado, quando as diferenças eram de milésimos de centavos”, adianta. “É
possível que a promotoria apenas tome ciência e não tenha o que fazer”, admite.
Integrante do Conselho Regional de Economia, José
Luiz Pagnussat faz uma análise mais crítica da planilha. Para ele, “os preços
aumentaram acima da média razoável”. O especialista destaca a importância do
acompanhamento de órgãos de controle em relação às variações das margens de
lucro de empresários do setor para que seja possível classificar se os altos
valores são uma reação usual do mercado à majoração dos tributos ou se houve a prática
de preços abusivos.“Caso se trate apenas de um susto, a tendência é que, com o
tempo, a concorrência volte a ser vista nas bombas de gasolina, com promoções
e, consequentemente, preços mais baixos”, avalia.
José Luiz também estranha o fato de 43 postos de
gasolina apresentarem poucas variações de preços. “A prática de cartel requer
que uma organização criminosa esteja por trás da semelhança de valores. Então,
não é possível bater um martelo sobre o tema. Mas o fato é que existe uma
similaridade muito grande. É preciso que o Cade esteja de olhos abertos para
que algum empresário não assuma a liderança e comece a ditar os preços”,
alerta.
A alta dos preços dos combustíveis gera uma reação
em cadeia; por isso, especialistas são unânimes em afirmar que é preciso frear
qualquer prática de alinhamento. Se os preços sobem na bomba, o valor do
imposto distrital também sobe. Isso porque o tributo local é cobrado por um
regime chamado de substituição tributária. A Secretaria de Fazenda faz uma
pesquisa a cada 15 dias dos preços dos combustíveis e cobra 28% sobre o
praticado no mercado. Assim, se o governo distrital usa R$ 3,99 como parâmetro,
R$ 1,11 será cobrado de contribuição.
No bolso
Enquanto isso, o brasiliense segue pagando a conta.
O corretor de imóveis Agnaldo Machado, 51 anos, desembolsava R$ 210 por semana
com combustível, nos tempos em que a gasolina era encontrada a cerca de R$ 3
devido às promoções relâmpago de postos. Na semana seguinte à majoração do
PIS/Cofins, porém, a bomba passou a marcar R$ 259 a cada vez em que o morador
de Águas Claras enchia o tanque. “É fato que usaram o imposto para aumentar o
lucro. Mas o maior problema é a ausência de concorrência. Hoje, escolho o posto
pela confiabilidade, porque, se fosse pelo valor do combustível, poderia ser
qualquer um. O mercado deixou de ditar os valores. Quem o faz é um conjunto de
empresários”, acredita.
O bancário Dario Garcia, 44, também reclama. “Se
fosse mercado, veríamos preços diferentes devido à livre concorrência. Quando
há igualdade, fica claro o movimento de empresários para aumentar a margem de
lucro e controlar o setor em desfavor da população”, argumenta.
Procurado pelo Correio, o Sindicato do Comércio
Varejista de Combustíveis do DF não se posicionou, até o fechamento desta
edição, sobre a elevação da margem de lucro dos proprietários de postos de
gasolina.
Esquema
A deflagração da Operação Dubai, em novembro de
2015, acarretou a prisão de empresários do setor de combustíveis e a aplicação
de multas que somam quase R$ 150 milhões. As investigações comprovaram a
existência de um cartel que combinava e inflava os valores da gasolina na
capital. A Polícia Federal finalizou o inquérito com o indiciamento de 25
pessoas, entre donos de postos e de distribuidoras, além de funcionários.
Delações premiadas de integrantes da organização criminosa revelaram detalhes
sobre como funcionava o esquema de combinação de preços.
Composição - Entenda o preço da gasolina:
26% Petrobras
18% PIS, Pasep, Cofins, Cide
30% ICMS
12% Custo Etanol Anidro
14% Distribuição e revenda
Fonte: Petrobras
(*)
Flávia Maia - Ana Viriato - Fotos: Arthur Menescal/CB/D.A.Press -Google - Correio Braziliense