Brasília metrópole: por que não?
*Por Aldo Paviani
Dos anos 1960 aos dias atuais, temos salto de mais de meio século,
quando as linhas de resistência a Brasília metropolitana são tênues e fracas.
Os ainda resistentes são da esfera político-administrativa, em razão da crise
geral e também no âmbito do planejamento urbano e regional. Credite-se os
freios ao planejamento ao usual imediatismo e improviso de ações de setores da
gestão e administração pública país afora. A obrigatoriedade determinada pela
Constituição de 1988 para que os municípios com população acima de 20 mil
habitantes elaborem plano diretor urbano não demove os que preferem ações de
dia a dia, mais “rentáveis” politicamente falando.
Admite-se
que a fase do imediatismo será superada, tal como se recuperam territórios
devastados por furações. Os ganhos proporcionados pelo planejamento urbano e
regional, a médio e longo prazo, acumulam capital político e recebem apoio de
eleitores mais conscientes e instruídos. Será inevitável adotar práticas de
planejamento. Em dado momento da evolução sociopolítica, as demandas da
população exigirão menos gastos imediatos e mais investimentos olhando o futuro
das regiões metropolitanas e das áreas urbanas mais povoadas. Os avanços
administrados deixarão no passado as gestões que não valorizavam previsões e
controles, por exemplo, na expansão do espaço usado das grandes cidades.
No caso
de Brasília, a atividade de equipes de planejamento ganhará força pelo legado
de origem do Plano Piloto, saído da prancheta de seus idealizadores: o
urbanista Lucio Costa e do arquiteto Oscar Niemeyer. A retomada do controle
territorial terá facilitadores, mas demandará tempo para adaptações pelo tempo
transcorrido entre o plano piloto urbanístico e a cidade que se agigantou,
transformando-se na terceira metrópole nacional, atrás apenas de São Paulo e
Rio de Janeiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
Além de
ajustes a novos formatos teórico-metodológicos para o planejamento regional e
urbano, a grande crise econômica nacional exigirá recursos a serem captados de
outras fontes que não as de cunho fiscal. Essa é a consideração a levar em
conta, pois o território urbanizado se expandiu para além do Distrito Federal,
o que demandará cooperação interestadual como a existente em outros contextos
geográficos. Deverá ser considerada a capital federal, isso é, as 31 regiões
administrativas e o que a mídia trata como Entorno, que é a borda metropolitana
composta por 12 municípios de Goiás, aderentes ao DF.
Poucos se
dão conta de que Brasília se ampliou para além do quadrilátero. O crescimento
exponencial não respeitou limites geográficos entre o DF e Goiás e fincou
raízes funcionais na fímbria metropolitana. Esse novo espaço demandará
legalização ou atitude geopolítica de admissibilidade com instrumentos que
tragam o ente metropolitano para o mundo real da gestão compartilhada. Essa
constatação tem apoio em dados de pesquisas da Codeplan — a Pesquisa Distrital
por Amostra de Domicílios (Pdad) e a Pesquisa Metropolitana por Amostra de
Domicílios (Pmad), que se realizam a cada dois anos. Em ambas, há fluxos e
interações socioespaciais que dão base estatística para a afirmação acima, a
respeito da necessidade de ente metropolitano. Os dados levantados nas
pesquisas mostram intensa mobilidade diária — de cunho centrípeto, pelas manhãs
e centrífugos, ao fim das tardes — denotando a polarização do centro da
capital, capaz de mover e dinamizar a economia local e regional.
A Área
Metropolitana de Brasília (AMB) não é homogênea. Pelo contrário, o espaço é
desigual, socioespacialmente. Como diria o grande geógrafo Milton Santos, “o
espaço é dividido” — há o “circuito superior”, o lado desenvolvido e bem
equipado e o espaço do “circuito inferior”, que é complementar ao anterior e
que denota carências, necessidades de população pobre. O autor ressalta que não
se trata de dualismo, mas de espaços que se complementam, estando o segundo
circuito demandando, por exemplo, infraestruturas e atividades que o tornem
mais desenvolvido, que possa oferecer às respectivas populações melhores
condições de vida, ou aquilo que se prega em certos setores – ofereça
sustentabilidade. Esta só será obtida com esforços para compartilhar os bens e
riquezas socialmente constituídas, que a população demande menos sacrifícios
para a sobrevivência. Demanda ações e facilidades para elevar seu patamar de
cultura, de educação, de aceso aos serviços de saúde etc. Em resumo: que a
geração atual possa deixar de herança espaços socioecológicos em melhores
condições para os descendentes e para o futuro.
(*) Aldo Paviani - Professor emérito e pesquisador Associado do
Departamento de Geografia e do Neur/Ceam/UnB – Correio Braziliense –
Foto/Ilustração: Blog - Google