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O risco dos prédios sem vistoria - A ameaça das marquises


Garagem do Bloco C da 210 Norte: 23 carros e duas motos ficaram totalmente destruídos, causando um prejuízo estimado de R$ 2 milhões

*Por Hellen Leite » Thiago Soares – Pedro Grigori – Walder Galvão

Sem legislação que obrigue inspeções regulares nos edifícios, moradores da capital devem se preocupar com o estado de conservação dos prédios onde moram, em especial o dos mais antigos, como os da Asa Norte, onde desabou uma laje

O desabamento de uma laje sobre a garagem de um prédio no Bloco C da 210 Norte acendeu o alerta em relação ao estado das edificações de Brasília. Não há lei federal ou distrital que obrigue prédios públicos e particulares a realizarem inspeções regularmente, medida que, segundo especialistas, poderia ter evitado o acidente de domingo. Os prédios da capital, que começaram a ser construídos há seis décadas, envelheceram. Sem vistorias recorrentes, apresentam riscos aos moradores.

Nos últimos 40 anos, ao menos outros três prédios da Asa Norte apresentaram problemas estruturais graves. No entanto, ninguém se feriu, assim como no acidente na 210 Norte, em que 23 carros e duas motos ficaram totalmente destruídos. O prejuízo supera os R$ 2 milhões, contabilizando só os automóveis atingidos. Entre eles há veículos de luxo, como um Audi, uma Mercedes Benz, um Jeep e um Jaguar (este, avaliado em R$ 300 mil).

No Plano Piloto moram 220 mil pessoas, sendo que 82,66% das moradias são em edifícios — há 68.934 apartamentos, sendo 39.026 apenas na Asa Norte —, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) da Companhia de Planejamento (Codeplan).

Para o presidente nacional do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias Prediais (Ibape), Wilson Lang, a inspeção predial é fundamental em prédios com mais de 30 anos e deve ser entendida como um check-up médico na edificação. “Ela detecta eventuais falhas de segurança que podem comprometer a estabilidade das construções. Existem sinais anteriores ao desabamento, há modificações no solo, por exemplo, provavelmente faltou um olhar técnico para evitar a tragédia”, comenta.

FIQUE ALERTA
»Como identificar e que providência tomar em caso de problemas na estrutura de casas e prédios:

Sintomas
»O primeiro sintoma é o aparecimento de manchas amarronzadas em paredes e pilares. Esses pontos podem ser borrões de ferrugem, causados pela água que está passando por dentro da estrutura. Com o tempo, o líquido vai corroendo o ferro da viga e tornando a estrutura mais frágil.

O que fazer
»Durante uma construção, deve ser observado a vida útil dos produtos utilizados. Se um piso é feito para durar 10 anos, no nono ano deve ser feito uma vistoria para trocá-lo. Além disso, ao se identificar manchas de ferrugem e rachaduras em estruturas, é indicado procurar um arquiteto ou engenheiro civil, que poderão ler com mais clareza os sinais e detectar se eles são preocupantes ou não.

Debate federal
A presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/DF), Fátima Có, acredita que, por Brasília ser uma cidade nova, não houve um debate forte para a regulamentação de uma lei que torne obrigatória a vistoria predial. Cabe aos órgãos fiscalizadores do DF fazer esse tipo de verificação para liberar o alvará de construção, concessão e renovação do habite-se, fornecido pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis).

Nacionalmente, o presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), Joel Krüger, afirma que averiguação das edificações elaboradas por profissional habilitado mostrariam as condições técnicas e de uso e manutenção do espaço. “Por isso o Conselho tem buscado junto ao Congresso Nacional uma legislação nacional que venha ao encontro dessa necessidade”, afirma.

A norma que regula a manutenção das edificações a nível nacional é a ABNT NBR 5674, mas ela não tem poder de lei. Desde 2014, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 31/2014, que garante a obrigatoriedade de vistorias periciais e manutenções periódicas em edificações.

O projeto estabelece a Política Nacional de Manutenção Predial e institui a obrigatoriedade de inspeções técnicas visuais e periódicas em edificações públicas ou privadas, residenciais e comerciais. A fiscalização das edificações ficaria a cargo do Corpo de Bombeiros e dos demais órgãos públicos responsáveis pelo serviço de fiscalização de obras. No caso da identificação de algum problema técnico, o gestor da edificação teria até 90 dias para iniciar os reparos.

Segundo o PL, a inspeção-geral da edificação teria prazo de validade de cinco anos, já a avaliação das condições do projeto de segurança contra incêndio e a vistoria no sistema de elevadores deveriam ser feitas a cada 12 meses. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados e desde 2014 está com a tramitação parada no Senado, aguardando parecer na Comissão de Constituição e Justiça.

Leis estaduais
No Rio de Janeiro e no Espírito Santo, leis estaduais preconizam uma autovistoria da edificação predial após cinco anos da conclusão da obra, além de estabelecer outras obrigatoriedades. Depois disso, a periodicidade de novas averiguações deve ser estabelecida em função de características específicas, fato que normalmente ocorre entre cinco e dez anos, a depender dos fatores técnicos e de uso envolvidos.

Palavra do especialista
Fátima Có, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do DF (Crea-DF)

Esse desabamento pode ter sido causado por uma série de fatores, como a idade da edificação, rachaduras ou infiltrações não vistas ou até mesmo a falta de manutenção.

Sobre a questão do avanço do subsolo dos prédios, isso é permitido por lei e garante que, para atender o número de vagas para os moradores, pode ser de até 155% da área de projeção. A legislação diz que essas lajes devem ser calculadas e dimensionadas para uma sobrecarga de um peso de um caminhão do Corpo de Bombeiros, do Serviço de Limpeza Urbana, entre outros. Então, em um primeiro momento, acredito que o desabamento não foi causado por uma falta de dimensionamento correto ou problema de execução de obra. Caso fosse, esse problema de desabamento já teria acontecido bem antes.

Quando se fala em questão de vistorias constantes, não existe uma legislação específica para o assunto, até mesmo porque Brasília ainda é considerada uma cidade nova e não tem registros constantes de acidentes assim. A orientação é de que prédios com idade superior a 25 anos passem a desenvolver laudos de inspeção a cada cinco anos. São essas análises que vão apontar algumas incorreções a serem reparadas para ser feita uma manutenção pontual.

Essas perícias apontam tudo, desde a parte estrutural, instalação de equipamentos de prevenção contra incêndios, centrais de gás, entre outros. Por isso é importante o papel do síndico, que responde civil e criminalmente por qualquer dano. Ele, como autoridade, deve incentivar e buscar a aprovação nas assembleias dessas vistorias.

Quando se pergunta se há riscos de desabamentos em outros prédios, a resposta é positiva. Todos os edifícios construídos dessa mesma maneira, com avanço no subsolo, correm o risco, por isso a importância do cuidado.

A cultura hoje é com a estética do prédio e acaba se esquecendo da estrutura.

Supostas causas
Professor de engenharia civil da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Rezende afirma que, sem prevenção, o desmoronamento da Asa Norte podem se repetir nas demais localidades do DF. “Muitos proprietários acreditam que estruturas de concreto não precisam de conservação e vistorias. Mas edificações são como carros, você faz a revisão antes, para evitar gastos maiores tendo que arcar com problemas”, afirma.

Para o especialista, os desabamentos não ocorrem da noite para o dia, e apresentam sinais prévios. “No caso da Asa Norte, ao menos que surja um novo elemento, as causas são bastante simples. A ferragem dos pontos de sustentação estavam muito corroídos pelo tempo, e como houve uma chuva forte, o peso do canteiro da frente do prédio aumentou, e a armadura enfraquecida por estar enferrujada não aguentou e desmoronou”, opina Paulo Rezende.

De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), choveu 16,4 milímetros entre sábado e domingo, no Distrito Federal. A expectativa do órgão é que chova 217 milímetros este mês. O peso da água é de 1000kg por metro cúbico. A laje onde ocorreu o acidente tinha 100m de comprimento e 5m de largura. Com isso, o peso da água deve ter sido de 500 toneladas.

Ao longo da segunda-feira, moradores de vários prédios do Plano Piloto, também preocupados com a possibilidade de riscos em suas residências, visitaram a 210 Norte para conferir os estragos ocasionados pelo desmoronamento da laje da garagem. Engenhaeiros e empreiteiros também aproveitaram para oferecer serviços de reparação.

Dos prejuízos às incertezas
Sem saber o valor exato dos danos e do custo da reforma, moradores do Bloco C da 210 Norte ainda enfrentam o desconforto com as consequências do acidente. Edifício está sem registro de responsabilidade técnica desde 2012
Morador observa estrago no bloco, que teve parte do estacionamento danificado no domingo: além da destruição dos veículos, faltou de água, gás e energia elétrica

Começam hoje as obras de reparo do subsolo do Bloco C da 210 Norte, onde, domingo, uma laje desabou e destruiu 25 veículos. Ontem, os moradores tentavam voltar à normalidade. A primeira noite foi difícil. Alguns optaram por dormir na casa de parentes e amigos, enquanto outros preferiram permanecer nos apartamentos e enfrentar a falta de água, gás, internet e acesso aos banheiros. A Companhia Energética de Brasília (CEB) fez testes para identificar se havia riscos de acidentes elétricos e, após nada detectar, liberou a energia às 16h de domingo, mas os elevadores seguem interditados por medida de segurança.

A orientação dada pelo condomínio era de não usar os encanamentos do prédio — com o acidente, a tubulação se rompeu. Os moradores recorreram a vizinhos, que ofereceram os banheiros das residências.  Para corrigir esse problema, o restabelecimento da instalação hidráulica foi definido como prioridade.

O Bloco C da 210 Norte, segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF) está sem registro de responsabilidade técnica (RRT) desde 2012 e não há Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) antes deste ano. O dono da construtora responsável por realizar o reparo no prédio, Junior Cipriano, afirma que a empresa que fará os reparos é a mesma que estava conduzindo a revitalização da fachada. Segundo o CAU/DF, também não existe RRT para este projeto. Inicialmente, a pedido da Defesa Civil, os operários isolaram a edificação com tapumes.

“Estamos esperando uma autorização da Defesa Civil para começar a obra. Colocamos as devidas proteções e o acesso provisório à rede de esgoto”, ressaltou Cipriano. O empreiteiro contou que ocorreu uma reunião na tarde de ontem para discutir o prejuízo do acidente, no entanto, o diálogo permanece aberto.

O condomínio acionará o seguro. A expectativa é de que a empresa seguradora custeie boa parte do conserto. No entanto, não se sabe o total do prejuízo nem quanto custará a obra pra recuperar o estacionamento. Com 48 apartamentos e cerca de 200 moradores, o prédio nunca havia registrado problemas estruturais.

Carine Castro (esq.) mora há oito anos no edifício: "Não tinha trinco ou goteira naquela laje"

Prejuízos
Morador há nove meses do Bloco C, Diogo Lima, 36 anos, disse ter vivido uma noite difícil. “Se os problemas com a tubulação não forem resolvidos logo, irei para casa de parentes”, comentou. O funcionário público foi um dos que teve o carro atingido pelo desabamento. Em uma das vagas, ele estacionou um Renault Duster. O prejuízo estimado é de R$ 50 mil. 

Uma das exigências do seguro veicular da dentista Maria Clara de Aguiar, 37 anos, é que ela esteja com ocorrência policial. O Fox dela ficou totalmente destruído. O veículo pertencia à mãe de Maria Clara e a dentista o usava temporariamente.  “Agora é ver o que pode ser feito para recuperar o prejuízo”, relatou.

Um profissional que mora no prédio vai trabalhar nas obras de reparo. O engenheiro Ronaldo Evangelista aguarda as orientações da empresa contratada e fazer o laudo pericial para dar prosseguimento ao projeto de recuperação do local. “Só depois  vamos saber os prazos e como será desenvolvida a retirada das carcaças dos carros”, observou.

“Foi feita a impermeabilização da laje da garagem há menos de sete meses”, contou a dentista Carine Castro, que mora há oito anos no imóvel. “Não tinha trinco ou goteira naquela laje”, apontou. 

Memória

2001
Uma pilastra de um prédio no bloco H da 306 Norte rompeu e a estrutura do imóvel precisou ser escorada por madeira. As 24 famílias que moravam no edifício tiveram 15 minutos para pegar os pertences e abandonarem o prédio. Eles passaram duas semanas fora do prédio, enquanto foram feitas reformas para fortalecer as estruturas de sustentamento do imóvel.

1983
A laje de concreto de uma garagem do Bloco K da 316 Norte desabou no meio da noite (foto). Três carros foram destruídos, mas não houve vítimas. Segundo a construtora da obra, a Encol, o acidente ocorreu devido a chuva e o volume excessivo de terra que se acumulou em cima da laje da garagem. Como na época a Asa Norte estava em plena urbanização, as máquinas de terraplanagem que passaram por cima da laje também contribuíram com a queda na resistência das estruturas.

1982
Fendas apareceram nas paredes externas e internas de um prédio do Bloco E da SQN 313, o que tornou necessário uma reforma na estrutura. O empreendimento era do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), extinto órgão público do governo federal, Segundo engenheiros, os problemas na ocorreram porque o bloco foi construído em cima de um lençol d’água.

Quatro perguntas para Luiz Carlos Botelho, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF)
Podem ocorrer no DF outros desabamentos como o da 210 Norte?
Isso pode ocorrer em outros prédios de Brasília, como em qualquer outra cidade. Temos prédios com 58 anos e é preciso acompanhar as patologias que eles apresentam. É necessário que se façam pesquisas para encontrar soluções para cada tipo de problema.

De quem é a responsabilidade de fiscalizar as construções?
O acompanhamento dos prédios é uma obrigação condominial e dos proprietários. O Estado fornece, no  máximo, uma orientação, mas ele não interfere na área privada, para solicitar serviços de correções de patologias. O governo pode fazer normativas, que já existem. O próprio morador pode exigir do síndico informações sobre problemas do prédio e solicitar atendimento às normas técnicas.

Quais sinais um prédio pode dar para que as pessoas evitem desabamentos? 
Nesse caso, há sinais bastante distintos. Eles vão de um simples olhar a uma vistoria técnica. Os sinais são mais do que o uso do local. A água pode entrar, oxidar o ferro e causar sobrecarga no local, por exemplo, mas esse tipo de problema pode ser previsto. Por isso é necessário realizar uma vigilância de estabilidade, porque podem existir outras questões que a gente não sabe.

Como prevenir esse tipo de acidente?
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) apresenta esse tipo de prevenção por escrito. É necessário fazer vistorias com laudos técnicos e pesquisas para saber efetivamente como está a estrutura. Então, se seguirmos a disciplina estabelecida pela ABNT, os riscos podem ser eliminados.

(*) Hellen Leite » Thiago Soares – Pedro Grigori – Walder Galvão –Fotos: Ed Alves/CB/D.A.Press – Correio Braziliense
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 A ameaça das marquises
Abandono: casal teme acidente ao andar pelas calçadas da W3 Sul

*Por » Bruno Lima

A W3 Sul é a região mais abandonada do Plano Piloto. As marquises das lojas evidenciam a falta de manutenção na avenida que já foi o principal ponto comercial do DF. Muitas das estruturas, criadas na época da construção de Brasília, estão mofadas, com goteiras, fiação exposta, além de não seguir um padrão.

Delano Lima, 44, mora na 106 Sul e sempre vai à W3 Sul quando precisa comprar algo. No entanto, o publicitário caminha pela via com medo de que possa ocorrer algum acidente. “Depois desse caso da Asa Norte, a gente fica mais atento ainda. Andar por aqui é perigosíssimo. As marquises estão todas com rachaduras e tortas. Podem cair a qualquer momento”, comenta.

Gerson Pela, 52, e Joyce Baratto, 42, moravam na 712 Sul e se mudaram recentemente para o Jardim Botânico. O casal sempre recorre à W3 atrás de bons preços. “A gente tem que andar olhando para o chão, com medo dos buracos das calçadas, e para o teto, com receio de que uma marquise despenque. Como tem muitas lojas fechadas, as marquises não têm manutenção há bastante tempo”, observa Joyce.

Francisco Feitoza Lima, 38, tem um salão de beleza na 503 Sul e afirma que realiza reformas semestrais na marquise de sua loja para evitar qualquer tipo de problema. “Sempre limpo lá em cima porque cai muita sujeira, vejo se não tem vazamento ou rachadura. Além da segurança, tem a questão também da aparência da loja”, pondera.


(*) Bruno Lima – Foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense


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