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Pontes do Lago Paranoá: quando o inesperado acontece

 Pontes do Lago Paranoá: quando o inesperado acontece

*Por Silvestre Gorgulho

Brasília nasceu do agreste. Sem lago e sem ponte. Mesmo idealizado no papel, em 1894, pelo paisagista Auguste François Glaziou, que participou da segunda Missão Louis Cruls, o Lago Paranoá teve o seu projeto executivo em 1957. A movimentação de terra para a construção da barragem começou em 1958. Botânico de primeira grandeza, Glaziou foi um transformador da paisagem brasileira. São dele a Quinta da Boa Vista, a Praça D. Pedro II (atual Praça XV), a recuperação Floresta da Tijuca, no Rio. Também são de Glaziou o Jardim do Palácio Imperial de Petrópolis, o Parque São Clemente em Nova Friburgo, e, vale salientar, a concepção do Lago Paranoá, cartão-postal que dá vida a Brasília.

O Lago Paranoá começou a se formar em 12 de setembro de 1959, quando o presidente JK e dona Sarah fizeram descer a comporta de ferro da barragem, manobrando um trator, sob o testemunho de muita gente. Sim, muita gente, porque autoridades, familiares e candangos foram convocados para o evento por um motivo muito especial: o presidente JK completava, nesse dia, 57 anos. Nasceu então essa maravilha de lago que amenizou as securas e os olhares.

Ponte do Bragueto e Ponte JK — Brasília ficou 16 anos com apenas a Ponte do Bragueto que ligava o Eixo Rodoviário à saída Norte. No Lago Sul, nem uma ponte sequer. Para quem estava no Plano Piloto, o outro lado do lago era um mundo longe. Hoje os brasilienses contam com quatro pontes. Uma quinta ponte está projetada e programada para a Península Norte, saindo da área de clubes, próximo à UnB. A Ponte JK nasceu de um concurso e foi inaugurada em 15 de dezembro 2002, data do aniversário de Niemeyer.

Ponte das Garças — A primeira passagem sobre o lago foi a Ponte das Garças. A obra durou de 29 de junho de 1973 a 14 de janeiro de 1974. A ponte tem uma extensão de 300m de comprimento e 18m de largura, com quatro pistas de rolamento. É chamada informalmente de Ponte do Gilberto pela proximidade com o Centro Comercial Gilberto Salomão.

Ponte Oscar Niemeyer — A segunda ponte é a Costa e Silva, renomeada Honestino Guimarães, e contestada pela maioria da população que quer a mudança do nome. A Ponte Costa e Silva (ou Ponte Honestino) é um dos mais lindos projetos de Oscar Niemeyer. Ela foi construída em dois momentos bem distintos. A licitação foi feita por Wadjô Gomide, último prefeito de Brasília (31/3/1967 a 30/10/1969).

Para construção da Ponte Costa e Silva, houve um pacote federal de duas obras: o elevado Paulo de Frontin, no Rio, e a ponte em Brasília. Como lembra Carlos Magalhães da Silveira, arquiteto e ex-chefe do escritório de Oscar Niemeyer, a licitação do viaduto e da ponte foi vencida de forma surpreendente pela construtora Sobrenco, junto com o projeto estrutural feito pelo calculista Sérgio Marques de Souza. É dos poucos projetos de Niemeyer, em Brasília, que não tem o DNA do engenheiro, calculista e poeta Joaquim Cardozo.

Explica Magalhães que a obra da ponte foi iniciada pelos apoios de sustentação dentro do lago Paranoá. Segundo a proposta estrutural, a construção deveria avançar por meio de balanços sucessivos e protendidos, até que o lado leste e o oeste se encontrassem no vão central. Quando isso acontecesse, as duas cabeceiras mais simples já estariam concluídas e a ponte finalmente pronta. Mas o inesperado acontece.

Em 21 de novembro de 1971, desaba, no RJ, um dos trechos do elevado Paulo de Frontin, sem que se soubesse o motivo. O acidente provoca a morte de 29 pessoas. A construtora Sobrenco sente o golpe. Enquanto se discutem as razões da catástrofe, tanto a obra do elevado do Rio quanto a da Ponte de Brasília, projetos, nascidos da mesma prancheta de cálculos de Sérgio Marques de Souza, são paralisados.

O sistema construtivo adotado aqui na ponte sobre o Paranoá exigia que grande número de cabos de proteção ficasse apoiado em barcaças na superfície do lago. Com a interrupção da obra, depois da tragédia do Rio, o cabos ficaram ali até que as primeiras tempestades e ventanias afundassem as barcaças e embaralhassem definitivamente os cabos. O problema estava criado. A solução foi dada pela empresa Figueiredo Ferraz, de São Paulo, ao recalcular o vão central que faltava não mais em concreto, mas em estrutura metálica.

Em 1973, a construção da ponte em Brasília foi retomada. Houve a modificação do projeto original. As chapas metálicas são encomendadas à CSN de Volta Redonda. Vieram em carretas. Depois, em pequena navegação pelas águas do Paranoá, o módulo foi posicionado corretamente, completando o vão central. A inauguração ocorreu em 6 de fevereiro de 1976 como Ponte Costa e Silva.

Seu design recebeu uma recomendação poética do autor Oscar Niemeyer: “A estrutura deve apenas pousar na superfície como uma garça bicando a água. A base da ponte não deve ficar evidente”. E qual o nome da ponte que bica, voa e encanta? Todas as garças, tenho certeza, ficariam felizes se esta obra de arte, que beija suavemente as águas do Paranoá, fosse nominada ponte Oscar Niemeyer.
(*) Silvestre Gorgulho - » Jornalista e ex-secretário de Cultura de Brasília – Fotos: Bento Viana – Ilustração: Blog – Google – Correio Braziliense

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