28 anos de Defesa do Consumidor - No
Distrito Federal, queixas mais comuns são direcionadas a instituições bancárias
e financeiras, empresas de telefonia celular, cartões de crédito, televisão por
assinatura e telefonia fixa
*Por Augusto Fernandes
Maria José Batista: "Elas (empresas) não se
importam com uma possível punição. Acho que a legislação poderia ser mais
dura"
O Código de Defesa do Consumidor (CDC)
completa 28 anos este mês e se consolida como um instrumento fundamental da
relação de consumo. Além de garantir os direitos de quem compra, a legislação
fez com que agentes públicos e as empresas adotassem medidas para respeitar e
fidelizar o cliente. Apesar disso, ainda são necessários ajustes para reduzir
ainda mais os conflitos de consumo.
No Distrito Federal (DF), em média, 100
pessoas procuram o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), diariamente,
para tentar resolver desavenças com fornecedores, seja pessoalmente, seja por
meio da plataforma on-line. Nos últimos dois anos, mais de 131 mil brasilienses
buscaram o órgão por se sentirem lesados. “A lei fica mais conhecida a cada
dia. Com o consumidor sabendo dos seus direitos, ele exige pontualidade e
valores justos. A relação mudou muito, mas, infelizmente, ainda existe um
desrespeito, principalmente quanto à qualidade do serviço”, disse o advogado
especialista em direito do consumidor, Humberto Vallim.
As principais queixas no DF são
direcionadas a instituições bancárias e financeiras, e às empresas de telefonia
celular, cartões de crédito, televisão por assinatura e telefonia fixa. Alguns
desses serviços são administrados por agências reguladoras, e muitas vezes, as
condutas específicas dos órgãos de regulação vão de encontro à legislação de
proteção ao consumidor. “As agências estão dominadas por interesses que não
atendem às necessidades dos usuários. É preciso construir um diálogo e dar voz
a quem está sendo regulado. Dessa forma, será possível conciliar os interesses
dos consumidores com o desenvolvimento econômico do serviço”, apontou Humberto.
A funcionária pública Maria José
Batista, 65 anos, concorda com a afirmação de Humberto. Para ela, os prestadores
de serviços ainda desrespeitam o consumidor. Por cinco meses, ela recebeu
cobranças indevidas de uma companhia telefônica, mesmo depois de cancelar o
contrato. Recorreu ao Procon, e além de conseguir que as faturas parassem de
ser enviadas, recebeu uma compensação da empresa. “É bom saber que existe um
código, mas as empresas parecem não se intimidar quando o consumidor avisa que
vai reclamar ou entrar na Justiça. Elas não se importam com uma possível
punição. Acho que a legislação poderia ser mais dura”, defendeu.
Ricardo Morishita, diretor do
Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (DNPC) entre 2003 e 2010, e
presidente dos Órgãos Iberoamericanos de Defesa do Consumidor entre 2004 e
2006, defende a construção e não redução de direitos. “Precisamos de uma
pactuação entre as partes mais harmônica, sem retirar o debate do âmbito da
população. Embora uma das partes seja a mais forte, isso não significa que ela
possa impor a sua vontade contra o mais fraco”, defende (leia Três Perguntas
Para).
Avanços
Mesmo com pontos a melhorar, a
legislação é apontada como um marco para a sociedade brasileira. Estima-se que
92% da população nacional saiba do que o código trata e 96% tenham conhecimento
dos seus direitos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec). “O código nasceu moderno e garante proteção à relação de
consumo. Ele surgiu para assegurar, além da proteção financeira, a honra, a
dignidade e a saúde dos consumidores, algo que não existia antes de 1990. Um
ponto ou outro pode ser alterado, mas basta que o empresário entenda que o CDC
é o melhor instrumento de marketing que existe”, ressaltou o diretor-presidente
do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec),
Geraldo Tardim.
O acesso à informação, o combate às
propagandas enganosas e práticas abusivas, a reparação do consumidor em
situação de dano e contratos menos extensos são algumas das conquistas do
código, que trouxe melhorias não apenas para o cidadão. “O código melhorou a
relação comercial no nosso país. Ainda não vivemos em um cenário ideal, mas o
consumidor já é visto pelas empresas de uma forma mais carinhosa. Quem não se
adaptou, saiu do mercado. Afinal, as pessoas esperam o mínimo de compromisso
das empresas”, analisou Geraldo.
Três perguntas para - Ricardo Morishita, diretor do
Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (DNPC) entre 2003 e 2010, e
presidente dos Órgãos Iberoamericanos de Defesa do Consumidor entre 2004 e 2006
Qual o principal ganho que o Código de
Defesa do Consumidor trouxe para a sociedade brasileira?
Tanto fornecedores quanto consumidores
participaram de um importante processo de cidadania. A grande contribuição que
a legislação deixou para o Brasil foi, não apenas a proteção de direitos, mas
também a construção de relações respeitosas entre clientes e empresas. Embora
uma das partes seja a mais forte, isso não significa que ela possa impor a sua
vontade contra o mais fraco. Esse equilíbrio é uma mensagem de justiça muito
importante, além de ser um valor essencial para o desenvolvimento do país.
Como as empresas podem trabalhar para
evitar o descumprimento da legislação?
A direção técnica dos fornecedores
precisa construir um diálogo com a sociedade para conciliar as vontades dos
consumidores. Está previsto na lei que os prestadores de serviços devem
harmonizar os interesses da sociedade. O debate é importante para trazer
segurança às pessoas. Esse é um movimento necessário para os próximos 30 anos
de legislação. Temos que construir direitos e não reduzi-los. Precisamos de uma
pactuação mais harmônica, sem retirar o debate do âmbito da população. Tratar
bem os clientes, além de ser uma relação de respeito, é também um grande vetor
de desenvolvimento.
O que pode ser feito para melhorar as
relações de consumo?
A melhora depende de cada um de nós. Em
determinada medida, também somos fornecedores e, nesse posto, todos podem mudar
a vida de outras pessoas e serem melhores consigo mesmos. Estamos mais
sensíveis pelas relações que sejam mais verdadeiras e respeitosas. Esse senso
de justiça será guia fundamental para levar a sociedade a um patamar de mais
civilidade. Se fizermos a coisa certa, estaremos no caminho certo.
(*) Augusto Fernandes - Fotos: Arthur Menescal - Blog/Google - Fabio Rossi - Correio Braziliense
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